Sistemas de aterramento quilométricos

Nas últimas seis edições desta coluna abordamos com bastante detalhe os aspectos da revisão da norma ABNT NBR 7117-1/2020 – Parâmetros do solo para projeto de aterramentos elétricos – Parte 1 – Medição da resistividade e modelagem geoelétrica, que está em vigor há 12 meses. Nesta e nas próximas edições, vamos abordar aspectos específicos dos grandes sistemas de aterramento.

Os sistemas de aterramento de dimensão quilométrica podem apresentar um padrão linear ou matricial.

No caso do padrão linear, podemos identificar as linhas de transmissão e de distribuição de energia, sistemas de transporte (ferrovia, metrô e monotrilho) e os parques eólicos.

O padrão matricial inclui uma grande diversidade de instalações e abrange toda a cadeia do setor elétrico, começando nas plantas de geração de energia, passando pelas subestações de transmissão e chegando nos consumidores industriais de grande porte.

Uma característica da maioria destas instalações, excetuando as linhas de transmissão de energia e os eletrodos HVDC, é que o sistema de aterramento constitui um elemento comum a diversos subsistemas que promove a integração das instalações de alta, média e baixa tensão, além de grandes massas metálicas e de sistemas de proteção contra descargas atmosféricas. Destaca-se também nestes grandes sistemas, a demanda por elevada confiabilidade, por envolver grandes volumes de energia e elevados investimentos.

Dentre as plantas de geração, destacamos as de energia renovável, grandes aproveitamentos hidroelétricos, parques eólicos e usinas fotovoltaicas de grande porte.

As grandes usinas hidroelétricas, como Itaipu, Santo Antônio, Jirau e Belo Monte, têm barragens de dimensão quilométrica e subestações de alta tensão. Nestas usinas, o padrão é de uma malha de aterramento lançada sob a barragem, no fundo do leito do rio, de onde partem prumadas de uma rede coletora que é interligada às armaduras de aço da barragem e aos demais subsistemas internos, assim como à malha de aterramento da subestação coletora, que fica em uma das margens do rio.

Os parques eólicos têm um padrão de aterramento linear, com aterramentos concentrados nas bases das torres, que podem ser interligados entre si por meio de um cabo que acompanha a linha de 34,5 kV, predominantemente a configuração aérea, mas, eventualmente, poderá ter a configuração subterrânea.

As usinas fotovoltaicas têm padrão de aterramento matricial com malha de quadrículas de dimensões de centenas de metros que interligam as estruturas dos trackers dos arranjos fotovoltaicos, constituídas por milhares de estacas de aço zincado e os eletrocentros, onde a tensão de saída dos inversores é elevada para a tensão de 34,5 kV.

Os sistemas de aterramento dos dois tipos de plantas geradoras convergem para a malha de uma subestação coletora de alta tensão, que faz a interligação com o Sistema Interligado Nacional (SIN).

No sistema de transmissão de energia, as subestações de maior porte são as conversoras de sistemas de transmissão HVDC e os respectivos eletrodos de aterramento. As subestações conversoras, tipicamente, têm área da ordem de 1 km² e abrigam os prédios com a eletrônica de potência, que faz a conversão c.c. – c.a. – c.c.

O aterramento do lado c.c. não pode ser feito na malha da subestação conversora devido à condição de operação monopolar com retorno pela terra que pode ser utilizada, de forma temporária, quando da perda de um dos polos da linha de transmissão HVDC. Para este aterramento é projetado um eletrodo específico, interligado com a SE conversora pela linha do eletrodo.

Os eletrodos de aterramento HVDC são um tipo muito especial. Para começar, é o único aterramento que não é feito no local de instalação do sistema a ser aterrado, que, no caso, é o lado c.c. da conversora HVDC. A localização do eletrodo HVDC é escolhida com base em detalhadas investigações geográficas, geológicas e geofísicas, processo este que usualmente dura pelo menos um ano.

Os modelos de solo desenvolvidos para o projeto têm profundidade mínima de 20 km, sendo os eletrodos dimensionados para injetar no solo correntes contínuas da ordem de alguns kA. O padrão geométrico de um eletrodo é em anel e não faz uso dos materiais típicos de aterramento (cabos nus e hastes), mas de hastes de ferro silício em leitos de coque (que podem ser horizontais ou verticais), utilizando a mesma tecnologia dos sistemas de proteção catódica. O perímetro de um eletrodo HVDC típico é da ordem de alguns quilômetros.

As linhas de transmissão, apesar das suas grandes extensões, são projetadas considerando o desempenho individual dos aterramentos das torres em baixas frequências. Ocorre que as torres são interligadas entre si pelos cabos para-raios e que o desempenho das torres é exigido, acima de tudo, quando da ocorrência de quedas de raios, que podem evoluir para faltas para a terra com o consequente desligamento da linha de transmissão.

O desenvolvimento de metodologias que considerem o sistema interligado, a resposta da torre e do solo frente a correntes impulsivas, certamente vai contribuir para um projeto mais econômico e um melhor desempenho das linhas de transmissão.

Outra situação que demanda a visão da linha de transmissão como um sistema de aterramento longo são os estudos de interferências que podem ser pontuais, em algum vão onde ocorre o cruzamento da linha de transmissão com outra linha de transmissão, de distribuição, de dutos, ou que pode ser longo, quando envolve um trecho de paralelismo, especialmente, no caso de compartilhamento de faixas de servidão.

A categoria de consumidores com grandes sistemas de aterramento inclui os sistemas de transporte (ferrovia, metrô e monotrilho) e as grandes plantas industriais, abrangendo refinarias de petróleo, plantas petroquímicas, siderúrgicas e outras.

Os sistemas de transporte têm a característica de estarem inseridos, totalmente ou parcialmente (no caso das ferrovias) em áreas urbanas, com elevada densidade de pessoas e com a convivência com toda a infraestrutura urbana de edificações, redes de energia, água, esgotos etc. O uso da corrente de tração contínua é um agravante, pois as correntes de fuga podem resultar em corrosão de massas metálicas integrantes da infraestrutura urbana. Estes sistemas, por vezes, têm aterramentos complexos, constituídos por diversos componentes longos que podem estar isolados, mas que interagem por acoplamento resistivo – terras da via (trilhos de rolamento, que constituem o retorno da corrente de tração), do túnel (metrô) ou da estrutura (monotrilho) e malhas das subestações de média tensão.

Os grandes consumidores industriais têm sistemas de aterramento que abrangem subestações de alta e média tensão, áreas de processo e instalações prediais. Nestas instalações, assim como nas instalações de transporte e nas usinas fotovoltaicas, a distribuição de energia usualmente é feita por linhas de média tensão subterrâneas. Neste caso, faltas para a terra acabam sempre por ser transferidas para a subestação principal, por meio de blindagens multiaterradas dos cabos de média tensão, por cabos de aterramento que acompanham estas linhas ou pela própria malha de aterramento da instalação.

Finalmente, há que se lembrar que todos os sistemas acima comentados podem conviver em instalações híbridas, que incluem dois ou mais destes sistemas. As linhas de transmissão compartilhando faixa de servidão com linhas de dutos e as subestações compartilhadas com usinas fotovoltaicas, ambas já comentadas, são casos típicos de compartilhamento. Outros compartilhamentos podem ser lembrados, como é o caso das usinas renováveis híbridas – hidroelétricas com usinas fotovoltaicas flutuantes e usinas fotovoltaicas com parques eólicos. Existem também os casos de UFV atravessadas por linhas de transmissão ou por ferrovias.

Apesar das significativas diferenças existentes entre todos estes sistemas, o aspecto comum da grande dimensão impõe-se, cabendo ressaltar dois aspectos que devem ser considerados pelo projeto:

  • modelos de solo profundos, compatíveis com as dimensões envolvidas; e
  • software adequado para a simulação destes sistemas, que considere a não-equipotencialidade dos aterramentos e que permita a modelagem das partes não enterradas.

Autor:

Paulo Edmundo da F. Freire, engenheiro eletricista, mestre em Sistemas de Potência (PUC-RJ) e doutor em Geociências (Unicamp). Especialista em aterramento pela SES (Montreal/ Canadá) e possui dezenas de trabalhos apresentados sobre o tema aterramento em congressos no Brasil e no exterior. É sócio fundador da empresa PAIOL Engenharia e membro da CE 03:102 – Comissão de estudos de “Segurança em Aterramento Elétrico de Subestações C.A”, do Cobei/ABNT.

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