A evolução tecnológica do setor elétrico introduziu novas formas de projetar e desenvolver os sistemas de automação das Redes Inteligentes. Muitos protocolos e padrões internacionais concorrem neste processo, suportados por ferramentas avançadas de desenvolvimento. Apesar desse status, uma pesquisa recente realizada pelo CIGRE identificou uma lacuna de métodos padronizados para especificação de requisitos funcionais para sistemas de automação, independentes das tecnologias de implementação, e acessível a planejadores e usuários não técnicos.
Normalmente a linguagem natural, suportada por planilhas e desenhos técnicos, é o método usual para descrever um requisito funcional, principalmente em processos aquisitivos. A ambiguidade típica destes meios, e a ausência de um formato padronizado ou processo automático de conversão para outros formatos são deficiências reconhecidas desses métodos. A pesquisa identificou uma clara necessidade de um formato compreensível por humanos, mais formal, padronizado e agnóstico a tecnologias. A padronização internacional garantirá a descrição de requisitos inequívocos destes sistemas, permitindo sua compilação mecânica para diversas tecnologias de implementação.
A pesquisa confirmou que a norma IEC 61850 é o padrão de fato para implementação de sistemas de automação, na geração, transmissão, distribuição e recursos renováveis, evoluindo gradualmente para a mobilidade elétrica e eletrodomésticos residenciais. Entretanto, devido à sua dimensão e complexidade, tem apresentado problemas de interoperabilidade entre fornecedores, não se adequando para especificação de requisitos por planejadores ou usuários não especialistas em automação. Apenas a norma IEC 61850 possui mais de seis mil páginas (seis vezes mais que a Bíblia cristã), desafiando seu domínio por usuários leigos. Entretanto, devido à sua ampla difusão, qualquer nova linguagem de requisitos deve ser compilável mecanicamente para os padrões de projeto atuais, seja IEC 61850, IEC 61131, IEC 61499 ou IEC 13568, e ser legível simultaneamente para humanos e computadores. Isto exclui especificamente linguagens baseadas em XML (eXtensible Markup Language), tais como a linguagem SCL (Substation Configuration Language) adotada na norma IEC 61850, ideais para comunicação entre computadores, mas inviáveis para consumo humano.
A pesquisa do CIGRE concluiu, ainda, que esta futura linguagem deve usar vocabulário e gramática próximos da maneira como um planejador ou usuário não especialista expressa uma funcionalidade desejada, sendo fácil de aprender e independente da tecnologia de implementação. Especificamente, ela também deve usar sintaxe e semântica formais para permitir definições inequívocas e processamento auxiliado por computador, e ser facilmente integrado ao Ciclo de Engenharia destes sistemas. Além da etapa de planejamento definida pelo usuário, a linguagem poderá ser utilizada para validação e verificação nas etapas subsequentes do ciclo de projeto, na especificação pelo integrador, na etapa de projeto pelo projetista, na implementação pelo fabricante, e na etapa de testes de aceitação e manutenção pelo usuário final.
Diante deste diagnóstico, o CIGRE internacional comissionou um Grupo de Trabalho (WG B5.64) para propor métodos avançados para especificação de requisitos funcionais destes sistemas baseados em uma Linguagem Específica de Domínio (DSL – Domain-Specific Language). Os programas escritos nesta linguagem deverão obrigatoriamente ser independentes da tecnologia de implementação. Usando sintaxe e semântica precisas, um usuário poderá descrever a estrutura e a lógica desejada do sistema, sem se aprofundar nos detalhes de sua implementação. Esquemas lógicos temporais complexos poderão ser descritos nesta linguagem usando construtos linguísticos simples, próximos à linguagem natural. Os compiladores para as tecnologias de destino serão desenvolvidos por fornecedores, integradores, desenvolvedores ou fabricantes de sistemas de automação, usando tecnologias tradicionais de compilação da indústria de software. Espera-se que, após a publicação do relatório deste grupo, haja um movimento de padronização de uma linguagem similar pela IEC ou IEEE, viabilizando sua disseminação pelo setor elétrico internacional. O CIGRE-Brasil sente-se orgulhoso por liderar esta iniciativa a nível internacional, com a contribuição de mais de 35 especialistas originários de 97 empresas de 42 países participantes da pesquisa e do projeto.
Por Iony Patriota de Siqueira, diretor Técnico e VP do CIGRE-Brasil