Renovação das concessões das distribuidoras: entraves e desafios

Por: Matheus de Paula

Ao todo, 20 distribuidoras, que atendem cerca de  62% do mercado nacional, devem solicitar renovação das concessões entre 2025 e 2031

A indefinição sobre a renovação das concessões de energia elétrica tem sido uma preocupação para as 20 distribuidoras, cujos contratos estão programados para encerrar entre 2025 e 2031. Desde 2022, o Governo Federal tem atrasado em fornecer diretrizes e regras claras para a renovação ou prorrogação das licitações. No entanto, em janeiro de 2024, houve avanço no processo, quando o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou termos preliminares e deu aval para o Ministério de Minas e Energia (MME) continuar com o trâmite  de renovação das distribuidoras de energia, de acordo com as diretrizes submetidas à consulta pública, realizada em julho do ano passado.

No momento, a distribuidora que está com contrato mais perto do vencimento é a EDP Espírito Santo, com término estipulado para julho de 2025. De acordo com as regras estabelecidas entre Governo Federal e as distribuidoras de energia, a empresa capixaba deveria ter recebido uma resposta até janeiro de 2024, ou seja, 18 meses antes do término da licitação vigente, conforme estabelecido em contrato.

Fonte: FGV (Fundação Getulio Vargas)

Ao todo, somam-se 20 distribuidoras com licitações vencendo até 2031, que correspondem a mais de 55 milhões de consumidores – cerca de 64% do mercado nacional -, que equivalem a uma receita bruta anual de R$3 bilhões, segundo dados obtidos pela FGV (Fundação Getúlio Vargas). 

Para o presidente da Associação Brasileira de Energia Elétrica (ABRADEE), Marcos Madureira, o atraso nos trâmites relacionados à renovação das concessões é maléfico tanto para o consumidor, quanto para as empresas, uma vez que traz incertezas para o segmento. “É um serviço contínuo que demanda investimentos permanentes por parte das distribuidoras, na ordem de bilhões nos últimos anos, então, é importante manter a continuidade dos investimentos. A cada ano, temos uma melhoria na qualidade da energia fornecida para os consumidores, então também é uma vantagem (a renovação) e tem também toda uma questão relacionada à estabilidade e segurança para as distribuidoras”, explica Madureira. 

Marcos Madureira, presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (ABRADEE)

Processo de Concessão 

Com duração entre 20 e 30 anos, os contratos de concessão das distribuidoras de energia elétrica são feitos por meio de um processo de licitação, que é regido pela Lei das Concessões (Lei nº 8.987/1995) e pelas normas da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Em julho de 2024 , o MME lançou uma consulta pública para propor diretrizes de renovação de 20 distribuidoras de energia elétrica privatizadas na década de 90, cujos contratos expiram entre 2025 e 2031.

Meses depois, em dezembro de 2023, o TCU adiou a deliberação sobre a análise das diretrizes do ministério para as concessionárias com término de contrato nos próximos anos, sob a vontade e pedidos do ministro da Casa Civil, Rui Costa, do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur lira, e de deputados da Comissão de Minas e Energia da Câmara.

Dessa forma, a resolução foi aprovada em janeiro de 2024 pelo TCU. Com isso, o Ministério de Minas e Energia comunicou, em nota, que “iniciará discussões com a Casa Civil para estabelecer diretrizes para eventual renovação das concessões”. Na época, também em nota, a ABRADEE elogiou a iniciativa e afirmou que a medida “sinaliza para o prosseguimento dos processos de prorrogação das concessões de distribuição de energia elétrica, com vencimento entre 2025 e 2031”.

“Pelas diretrizes propostas na Nota Técnica 19/2023 do MME, a empresa deve submeter requerimento de prorrogação 36 meses do advento do termo contratual. A ANEEL deve instruir quanto à avaliação do atendimento dos critérios para prorrogação até 24 meses do final do contrato e o MME deve emitir a decisão sobre a prorrogação em até 18 meses do final do contrato. No caso da EDP Espírito Santo, todos estes prazos já foram superados, já que o contrato de concessão da empresa vence em 17 de julho de 2025. Uma vez apresentado o termo aditivo de prorrogação da concessão, a concessionária tem 90 dias para aceitar ou não as condições do aditivo contratual”, esclarece Claudio Jose Dias Sales, Presidente do Instituto Acende Brasil.

Claudio Jose Dias Sales, Presidente do Instituto Acende Brasil

Impactos para os consumidores

A demora na conclusão da renovação das distribuidoras de energia pode gerar prejuízos também ao consumidor final. Para Ariane Paixão, Head de Assuntos Regulatórios na Thymos Energia, “o atraso na definição sobre quais serão as condições para prorrogação das concessões impacta a sociedade, visto que são os consumidores finais os mais afetados com as alterações contratuais que podem refletir em tarifas de energia mais elevadas. Seria interessante, enquanto o Decreto não é editado, que ocorressem discussões para definir parâmetros e melhorias para o processo de renovação das concessões como, por exemplo, a melhora na qualidade do serviço prestado ao consumidor que poderia ser um parâmetro a ser usado como indicador para a renovação da concessão”.

Ariane Paixão, Head de Assuntos Regulatórios na Thymos Energia

Por outro lado, na avaliação do Acende Brasil, a indefinição de critérios claros de renovação das concessões pode afetar a captação de recursos financeiros no mercado de capitais. “A indefinição do Estado em relação à política de renovação das concessões prejudica a captação de recursos financeiros no mercado de capitais. No mínimo, o atraso eleva o custo de captação, encarecendo o serviço prestado, e em situações extremas, inviabiliza a captação de recursos requeridos para os investimentos na expansão do sistema, a fim de atender ao crescimento do consumo, atender a novas áreas, melhorar o atendimento, repor ativos em fim de vida útil, ou para lidar com contingências”, alerta Claudio Jose Dias Sales. 

Impacto das mudanças climáticas na distribuição 

Assim como em outros países mundo afora, o fornecimento de energia elétrica vem sendo fortemente impactado por eventos naturais extremos. A cada ano, acontecimentos como tempestades, vendavais, enchentes, tornados e deslizamentos, estão sendo cada vez mais frequentes em diversos estados brasileiros, a exemplo das chuvas severas com vento registradas em São Paulo, em novembro do ano passado, em que mais de 3 milhões de consumidores foram prejudicados e ficaram dias sem energia elétrica, devido aos danos causados à rede elétrica, principalmente pela queda de árvores nos ativos das distribuidoras. Casos semelhantes também foram registrados em estados como Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina e muitos outros, incluindo novas ocorrências em São Paulo, em 2024.

Com isso, insatisfeita com a frequência de interrupções e principalmente com a demora no restabelecimento dos serviços de energia elétrica, consumidores residenciais e comerciais, assim como os gestores estaduais e municipais, vem pressionando as autoridades para que tomem providências contra as falhas na prestação de serviço no setor elétrico, em especial nos segmentos de distribuição e transmissão. 

Do lado das distribuídas, a principal justificativa, está ligada justamente ao aumento das ocorrências de eventos climáticos extremos.  “A gente tem visto, por exemplo, que não dá para dimensionar os recursos de uma distribuidora em função de um evento climático extremo, que acontece a cada dez, cinco ou um ano. Nós estamos trabalhando para ver o que outros países têm feito, como os Estados Unidos, que estão apostando na integração entre as empresas de uma mesma região, e isso pode aumentar, em algum momento, a capacidade de reação do segmento. Por outro lado, é fundamental, que a gente evolua mais ainda nos procedimentos de contingência que envolvam não só a distribuição, mas também a Defesa Civil e outras outras empresas que atuam na região, para que a gente possa ter ações conjuntas de forma mais adequada e melhorar a capacidade de reação para as mudanças climáticas”, afirma o presidente da ABRADEE. 

A falta de clareza nas regras de renovação das concessões, bem como o atraso no processo, na avaliação do Instituto Acende Brasil, também pode influenciar na capacidade de reação das distribuidoras, quanto aos distúrbios ambientais, que afetam o fornecimento de energia. “A indefinição da política de renovação das concessões torna-se ainda mais problemática quando as concessionárias sofrem choques que pressionam o caixa da empresa como, por exemplo, a ocorrência de eventos climáticos extremos que danificam grande parte das redes, que precisam, literalmente serem reconstruídas, em poucos dias. Outro aspecto que provocou impacto na distribuição, foi a pandemia de Covid-19, que de forma repentina, resultou na redução das receitas, devido a queda do consumo, provocada pelas medidas de isolamento social, somadas à forte elevação da inadimplência”, completa Claudio Jose Dias Sales.

Renovação das concessões na transmissão

Assim como as distribuidoras, os contratos das linhas de transmissão de energia elétrica também estão em processo de renovação das suas concessões. Em 29 de dezembro de 2022, o Governo Federal promulgou o Decreto nº 11.314/2022, que estabelece diretrizes para a prorrogação dessas concessões. Este processo abrange 24 linhas de transmissão, com uma extensão combinada de aproximadamente 8.924 quilômetros. Os contratos têm vencimento programado entre os 2025 e 2032. 

Dos 24 contratos das transmissoras de energia, três deles foram inicialmente estabelecidos por meio de privatização durante a década de 90 e representam as primeiras concessões a expirarem, são elas: Evrecy, Light e Afluente. A partir de 1999, os contratos começaram a ser concedidos por licitações de lotes, para a implantação e exploração de novas linhas de transmissão e subestação. Gliender Mendonça, Gerente Executivo Regulatório e Institucional da Taesa, explica o atual funcionamento dessas licitações. 

“O processo de concessão para construção, instalação, operação e manutenção no setor de transmissão de energia elétrica no Brasil ocorre por meio dos leilões de transmissão, em que o Poder Concedente, representado pela ANEEL, lícita lotes de empreendimentos compostos por linhas de transmissão, subestações e outras infraestruturas para garantir a integração sistêmica, bem como o escoamento da energia produzida pelas usinas de diversas matrizes, até os consumidores. Vence o certame os participantes que oferecerem os maiores deságios em face das receitas anuais permitidas, conforme estabelecido pela ANEEL”, detalha. 

Gliender Mendonça – Gerente Executivo Regulatório e Institucional da Taesa

Para a Taesa, existe uma falta de estudos e direcionamentos do Governo Federal no processo de renovação das transmissoras de energia, na medida em que não houve profundidade no assunto, após o Decreto nº 11.314/2022.

 “Atualmente, os principais desafios que o segmento de transmissão enfrenta no âmbito de prorrogação das concessões é a incerteza das condições que serão definidas e praticadas, bem como a falta de clareza no tratamento dos contratos próximos do vencimento, seja pela prorrogação e/ou relicitação.  Em dezembro de 2022, foi publicado o Decreto Presidencial nº 11.314/2022, que definiu como premissa a licitação de concessões de transmissão vincendas, e a renovação/prorrogação em caso de inviabilidade do processo licitatório. Entretanto, o setor sentiu falta da divulgação de estudos sólidos e aprofundados que direcionaram a decisão pela licitação. Neste sentido, é de extrema relevância que os principais órgãos envolvidos no tema façam uma análise detalhada dos termos do Decreto, apresentando os devidos estudos e análises de impacto regulatório, a fim de que os agentes e investidores tenham conhecimento das oportunidades e riscos inerentes aos empreendimentos que terão seus prazos encerrados”, completa Gliender.

De acordo com o texto do decreto, as novas licitações serão regidas pelo critério de menor valor de receita anual para prestação do serviço público, a chamada “modicidade tarifária”. Assim, segundo o mesmo documento, os ativos não realizados pela licitação antiga serão quitados pela concessionária vencedora, como forma de indenização à antiga e também para a assinatura do novo contrato. Para iniciar o processo de renovação, as concessionárias de transmissão devem fazer uma solicitação à ANEEL, com prazo mínimo de 36 meses para o fim do contrato. 

*O Ministério de Minas e Energia (MME) foi consultado pela reportagem da Revista O Setor Elétrico, que inclusive, enviou uma série de perguntas à assessoria da Pasta, sobre o processo de renovação das concessões. No entanto, até a publicação desta reportagem, o retorno não foi enviado. A EDP Espírito Santo, também foi consultada, mas optou por não responder às perguntas, neste momento.

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