Como tive a oportunidade de mencionar em artigo que escrevi no LinkedIn em 09/11/2023, desde os meus tempos na faculdade de direito, há mais de 30 anos, escuto, pesquiso e debato a tão esperada, e porque não dizer sonhada, reforma tributária. E parece que estamos chegando ao fim dessa novela, pois tudo leva a crer que, após a devida regulamentação por lei complementar pelo Congresso Nacional, teremos, para os tributos sobre o consumo, um sistema verdadeiramente não-cumulativo, gerando importante simplificação tributária, reduzindo riscos fiscais e, também, reduzindo conflitos entre fisco e contribuinte; tudo isso sob a promessa de não haver elevação da carga tributária!
Desde já, podemos dizer que nós, do setor elétrico, tivemos um papel muito importante em todo o processo legislativo. Mesmo que infelizmente não tenhamos conseguido um tratamento específico para o setor, tal como foi concedido para as instituições financeiras, bares, restaurantes, entre tantos outros, conseguimos, já no novo texto da Constituição Federal, (i) deixar claro que o imposto seletivo não incidirá sobre operações de energia elétrica, (ii) a aprovação de um sistema de desoneração tributária na aquisição de bens de capital, para fins de substituir o REIDI, tão importante para as empresas do setor elétrico, e (iii) a previsão de criação de mecanismos de ajustes em contratos vigentes, a serem estabelecidos por lei complementar, visando ao reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos precificados com base nos tributos que serão extintos.
Mas, não podemos dizer que essa missão já está concluída. Teremos ainda um longo e importante processo legislativo na elaboração da lei complementar que regulamentará tudo o que falta ser regulamentado para tornarem reais e operacionais as mudanças trazidas pela Emenda Constitucional nº 132/2023.
Num rápido resumo do que nos trouxe a mencionada Emenda Constitucional, até mesmo pela brevidade necessária para um artigo como este, podemos dizer que a reforma tributária terá como resultado extinguir o ICMS, o ISSQN, o PIS, a COFINS e reduzirá bastante o campo de atuação do IPI (que ficará focado na proteção dos produtos produzidos na Zona Franca de Manaus), substituindo esses tributos antigos pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), pelo Imposto Seletivo, além de prever a criação de contribuições estaduais sobre produtos primários e semielaborados (em substituição às contribuições semelhantes atualmente existentes em alguns Estados da Federação), que terão sua vigência limitada a 2043.
Cabe aqui uma importante observação: se o objetivo da reforma era “observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente” (§ 3º do art. 145 da CF), não podemos deixar de registrar a nossa decepção pela manutenção do IPI como tributo escolhido para proteger os produtos produzidos na ZFM. Como é de amplo conhecimento, o IPI é um tributo cuja não-cumulatividade é parcial, objeto de legislação confusa, e que gera, além de muita dúvida e insegurança aos contribuintes, bastante conflito com o fisco federal. Se a intenção era proteger a ZFM, o tributo escolhido deveria ter sido igualmente simples em sua aplicação.
Trata-se claramente de mais um retrato do nosso sistema tributário brasileiro: permaneceremos com um tributo confuso, complexo, que gera bastante conflito, tudo isso sob o manto de proteger a ZFM, mesmo havendo opções legislativas igualmente eficazes e menos dolorosas aos contribuintes, que permanecerão sujeitos ao pagamento do IPI (tal como a criação de uma CIDE, ou até mesmo o próprio Imposto Seletivo, como foi apresentado em algumas versões do texto da Emenda Constitucional, durante a tramitação no Congresso).
E, para evitar que outras infelizes surpresas como essa aconteçam, podemos afirmar que permaneceremos em nossa atuação próxima e direta junto ao Congresso Nacional durante o futuro processo legislativo, a exemplo do que a Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica – ABCE, por meio de seu Comitê Tributário, e outras entidades do setor elétrico fizeram durante a tramitação da Emenda Constitucional nº 132/2023.
Podemos garantir que o Setor Elétrico continuará atento e atuante, para evitar que haja qualquer retrocesso, especialmente diante da importância e essencialidade de sua atuação para todos os brasileiros e para toda a economia nacional.
*Flávio Augusto Dumont Prado é Coordenador do Comitê Tributário da ABCE. Sócio do escritório Gaia, Silva, Gaede – Sociedade de Advogados. Presidente da Comissão de Sociedades de Advocacia da OAB/PR. Diretor do CESA/PR. Diretor de Responsabilidade Social e Advocacia Pro Bono do IAP/PR. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Especialista em Direito Tributário e Processual Tributário pela PUC-PR. Mestre em Direito Cooperativo pela UFPR.