Quem está pagando a conta pelas frágeis redes de distribuição que temos no Brasil?

Mais de 750 acidentes por ano e quase uma morte por dia. Estes são os dados relativos aos acidentes causados pelo contato com as redes aéreas de distribuição de energia no Brasil, conforme os dados divulgados pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee).

Esses números demonstram que o caminho que o Brasil adotou, em priorizar redes aéreas não isoladas, não está funcionando, quando analisamos a segurança do cidadão brasileiro comum. Com minha experiência de mais de 30 anos trabalhando no setor elétrico, me faz acreditar fortemente que, para reverter este quadro, precisamos investir em redes de distribuição mais seguras e resilientes, ou seja, em redes subterrâneas de energia e, no limite, redes aéreas isoladas. Nos Estados Unidos, as discussões sobre enterrar as redes iniciaram em 1884. Em São Paulo, começamos algum tempo depois, em 1902. Mais de cem anos se passaram e, segundo um levantamento recente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), o Brasil possui hoje 0,4% de sua rede instalada de maneira subterrânea. 

Na Alemanha, onde 80% das redes de distribuição são enterradas, o DEC (Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora) é de 12 minutos por ano. Sabem qual é o nosso? Mais de 600 minutos por ano. Não é por menos que a produtividade da Alemanha é bem maior do que a do Brasil.

Então, além de acidentes fatais ceifando vidas, a falta de energia impacta diretamente na nossa produtividade. Mas por que será que contamos hoje com tão poucas redes instaladas de maneira subterrânea? A resposta quase unânime para esta questão é o custo. Aquele famoso “quem paga a conta?”

Em 2005, a prefeitura da cidade de São Paulo estabeleceu uma lei que determinava que toda a rede de distribuição da cidade deveria ser convertida para a modalidade subterrânea. O projeto previa o enterramento de 250 km de redes por ano. De lá para cá, muitas iniciativas de âmbito municipal e federal tentaram seguir o mesmo caminho, discutindo projetos de lei para enterrar as redes, mas acabaram esbarrando em um imbróglio regulatório. 

Como as concessões são federais, municípios e estados não conseguem fazer cumprir qualquer lei que interfira nos contratos de concessão. Por fim, todas essas leis possuem como destino certo a Suprema Corte do país, o STF, por uma questão jurídica, sob a prerrogativa de que os consumidores não devem pagar a conta por uma modalidade mais cara de rede de distribuição. 


Com números tão alarmantes de acidentes causados pelas redes aéreas e levando em conta ainda os impactos na nossa produtividade causados por um DEC de 600 minutos por ano, a pergunta que podemos fazer é: quem está pagando a conta por contarmos com redes de distribuição tão frágeis e perigosas no Brasil? Nós mesmos! 

Em 2016, uma audiência pública da ANEEL buscou discutir caminhos para aprimorar a regulação de investimentos em redes subterrâneas de distribuição, e entidades como a FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e a FGV CERI (Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas) contribuíram com dados relevantes a favor de uma política que incentive as conversões. 

Na mesma linha, acredito fortemente que a ANEEL, a partir de um plano balizado por critérios técnicos, possa ajudar as concessionárias a priorizar a expansão desses sistemas, começando pelos circuitos que operam com os maiores índices de acidentes. Um segundo critério que poderia ser levado em conta é a densidade de carga e, em terceiro lugar, as redes que mais operam com FEC (Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora) alta. 

Outros critérios, como o embelezamento das cidades, ficariam para um segundo plano. Ou seja, não seriam – como realmente não são – competência da ANEEL discutir. 

Imaginem só quantos empregos e oportunidades de mercado criaríamos se essas leis saíssem do papel, com projetos mais realistas, balizados por critérios técnicos e sendo realizados em uma cadência adequada. No final das contas, toda a sociedade seria beneficiada! 

Autor:

Por Daniel Bento, engenheiro eletricista com MBA em Finanças e certificação internacional em
gerenciamento de projetos (PMP®). É membro do Cigré, onde representa o Brasil em dois
grupos de trabalho sobre cabos isolados. Atua há mais de 25 anos com redes isoladas, tendo
sido o responsável técnico por toda a rede de distribuição subterrânea da cidade de São Paulo.
É diretor executivo da Baur do Brasil | www.baurdobrasil.com.br

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