Nada é permanente, exceto a mudança

Os ensinamentos de Heraclito, filósofo pré-socrático conhecido como o pai da dialética e autor da citação acima, demonstram que, assim como tudo na vida, também o setor elétrico está em constante mudança e transformação. Em tempos de transição energética e de eventos cada vez mais intensos causados pelas mudanças no clima, algo que não tem evoluído ou evoluído pouco, são as nossas redes de distribuição de energia.  

Em minha primeira coluna do ano publicada nesta revista, comentei sobre 2024 ter o potencial de ser o ano das redes subterrâneas no Brasil. No entanto, isso dependia de um debate jurídico coordenado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) sobre o tema, trazendo para a discussão também a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), a fim de desenvolver padrões com arranjos específicos e critérios técnicos muito bem definidos para a ampliação das redes subterrâneas. 

Em março deste ano, recebi com empolgação a notícia de que a ANEEL abriu uma tomada de subsídios com o objetivo de avaliar a necessidade de intervenção regulatória para fortalecer os sistemas de distribuição e de transmissão de energia no Brasil, frente ao impacto dos eventos climáticos extremos que temos vivenciado, como o fatídico 3 de novembro de 2023, em São Paulo. 

Apesar da animação e de acreditar que iniciativas como essas possam ser um bom ponto de partida para entrarmos em uma discussão devidamente técnica sobre o tema, este é um momento em que precisamos, mais do que nunca, cuidar das informações tendenciosas que circulam ao redor do tema. A exemplo de uma fala do diretor-geral da Agência sobre o enterramento dos cabos, dita para a imprensa: “Uma rede subterrânea custa cerca de dez vezes mais que uma rede aérea”. Será?

Outros países já têm se movimentado para diminuir significativamente os custos associados à construção de redes subterrâneas. Exemplo disso é a iniciativa do Departamento de Energia dos Estados Unidos (DOE), anunciada recentemente, para fortalecer e modernizar os sistemas de transmissão e de distribuição de energia em 11 estados norte-americanos. Com o investimento de US$ 34 milhões, empresas, laboratórios e universidades selecionadas vão desenvolver tecnologias capazes de reduzir custos, acelerar a construção e aprimorar a segurança das operações na implementação de redes subterrâneas de distribuição. 

Em outras palavras, verba na mesa só para pensar em alternativas de redução de custo para o enterramento de redes. Um dos projetos selecionados para receber esses investimentos é de autoria da Prysmian, que irá desenvolver uma máquina automática de emenda de cabos com o objetivo de reduzir as perdas elétricas decorrentes de emendas malfeitas. 

No campo das pesquisas, a Power Delivery Intelligence Initiative (PDi2), um grupo de trabalho norte-americano formado com o objetivo de impulsionar as infraestruturas subterrâneas de energia, divulgou um interessantíssimo guia projetado para ajudar as empresas de serviços públicos a avaliar e escolher segmentos de linha estritamente definidos onde o subterrâneo representa o menor custo de ciclo de vida e alcançará metas de resiliência e de confiabilidade, chamado “Utility Undergrounding Life-Cycle Cost Guide“. 

No documento, um dos principais mitos sobre a conversão de redes caiu por terra. Na verdade, segundo o guia, o diferencial real de custo inicial é de 2 a 3 vezes maior para as redes subterrâneas que visam a capturar o menor custo de ciclo de vida e alcançar metas de resiliência e de confiabilidade em segmentos críticos de linha. Vários programas subterrâneos estratégicos bem-sucedidos estão atingindo esse referencial, a exemplo do Programa de Subterrâneo da Fase II da Dominion Energy, que concluiu 249 milhas subterrâneas a um custo médio de U$ 422.496 por milha – significativamente abaixo do máximo exigido por legislação, que é de U$ 750.000 por milha. 

Iniciativas como essas, da DOE e da PDi2, elevam a um patamar estratégico e extremamente técnico a conversão das redes de distribuição de energia, investindo em iniciativas para redução de custos e colocando os “pingos nos i’s” sobre os principais mitos que propagam sobre as linhas subterrâneas. Com a transição energética e os eventos climáticos extremos batendo na porta, não deveríamos trilhar um caminho rumo ao aumento da resiliência das nossas redes, adequando práticas como essas à realidade brasileira? 


Sobre o autor:

Daniel Bento é engenheiro eletricista. Membro do Cigré, onde representa o Brasil em dois grupos de trabalho sobre cabos isolados. É diretor executivo da Baur do Brasil | www.baurbrasil.com.br

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