Excedente de energia renovável: armazenar, transmitir ou reservar?

A expansão acelerada dos recursos energéticos distribuídos tem motivado muitas preocupações com a estabilidade e integridade do Sistema Interligado Nacional (SIN). A estabilidade pode ser afetada principalmente pela redução da inércia girante, tradicionalmente provida pelas massas girantes das usinas convencionais e compensadores síncronos. A integridade passou a ser ameaçada pela volatilidade da geração distribuída e a incapacidade do sistema de transmissão de rapidamente transferir grandes blocos de energia com estas mudanças. A famosa “curva do pato” retrata bem a mudança ocorrida no perfil de geração distribuída ocorrida, em particular com a penetração da geração eólica no Nordeste brasileiro, acompanhada agora pela expansão da geração solar. No futuro próximo teremos a expansão da geração eólica offshore, novamente concentrada nas regiões Norte e Nordeste, com abundância de sol, vento e mar, aumentando este risco.

Entre as principais soluções disponíveis tecnologicamente podem ser listadas: (1) armazenamento do excedente de geração renovável para uso em horários de baixa geração; (2) transmissão do excedente para outras regiões; e (3) aumento da reserva de geração localmente para suprir os déficits momentâneos de geração renovável.

O armazenamento apresenta-se como a primeira solução tecnologicamente atrativa, já que seria aproveitado integralmente todo o excedente de geração disponível localmente, sem desperdício de energia. As tecnologias de armazenamento em grande volume disponíveis atualmente indicam uma clara preferência pelo armazenamento de água em grandes reservatórios, seja por acumulação natural ou via bombeamento em usinas reversíveis. Entretanto, a construção de novos reservatórios encontra uma resistência forte da sociedade devido aos impactos socioambientais associados, enquanto a utilização dos reservatórios existentes enfrenta também uma clara preferência da sociedade em destinar a água armazenada para usos concorrentes, tais como abastecimento urbano, agricultura, navegação e turismo. A segunda opção seria a construção de usinas reversíveis, com baixo impacto ambiental, que pudessem operar ciclicamente com a geração renovável no suprimento local de déficits de geração. Esta opção também enfrenta algumas restrições na localização, associado a alto custo e tempo para implantação. A última alternativa para o armazenamento seria através de baterias, com alto custo e impacto ambiental no descarte ainda em avaliação. Vislumbra-se a possibilidade de utilização do excedente na geração de hidrogênio, com alto poder energético, mas com logística de armazenamento e transporte ainda por avaliar.

A transferência do excedente de energia renovável de uma região para outra apresenta-se como uma alternativa viável e competitiva. No Brasil, o excesso de geração renovável no Norte e Nordeste situa-se a centenas de quilômetros dos principais centros de consumo no Sudeste. Depende naturalmente da disponibilidade de corredores de transmissão entre estas regiões e de margens de reservas de transmissão. A construção de novos corredores enfrenta restrições ambientais e depende de longos anos de planejamento e execução, sendo incompatíveis com o ritmo de penetração dos recursos renováveis. Este cenário tende a se avolumar com o crescimento vertiginoso da energia de fonte solar, e a chegada da energia eólica off-chore, ambas abundantes no Nordeste brasileiro.

Finalmente, a terceira opção consiste em incentivar o mercado a instalar excesso de geração, que formaria uma reserva (parada ou girante) de capacidade de geração não utilizada, mas pronta para ser despachada localmente sob demanda do operador do sistema. Desta forma seriam atendidos os déficits momentâneos de geração renovável, devido a variações de vento ou sol, com ativação da reserva de geração nestes próprios sistemas, sem necessidade de transmissão de grandes volumes de energia. Adicionalmente, a reserva e excedente de geração eólica e solar pode ser utilizada continuamente para geração local de hidrogênio ou armazenamento residencial, aquecimento, ou mesmo na dessalinização da água no litoral, ou bombeamento no interior, sem impedir sua utilização imediata como reserva de geração.

Aparentemente, esta terceira opção parece atrativa considerando a quantidade de energia renovável disponível no futuro, sem a necessidade de grandes corredores de transmissão ou de armazenamento em grande volume. Exige, entretanto, uma mudança regulatória drástica, que remunere ou libere a expansão deste tipo de serviço ancilar, aplicável a todo tipo de geração (térmica, hidráulica, solar e eólica). O mercado já oferece soluções tecnológicas para todas estas soluções, restando a adequação regulatória para que se tornem economicamente viáveis e sustentáveis.

Autor:

Por Iony Patriota de Siqueira, diretor técnico e VP do CIGRE-Brasil.

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3 respostas

  1. Muito bom artigo. Aborda a maioria das opções para lidar com a intermitência e o afastamento da maioria da nova oferta em relação ao principal mercado.
    Tenho dúvida quanto ao uso do hidrogênio como forma de acumulação de energia, pois o ciclo eletrólise-armazenamento-geração é caro é bastante ineficiente.
    Creio que a principal utilização do hidrogênio venha a ser a produção de amônia, metano sintético e outros combustíveis que substituam os fósseis.

  2. Excelente artigo, Iony, para reflexão do setor!

    Permita-me acrescentar uma quarta opção: incentivar o mercado a CONSUMIR o excesso de geração, transformando a energia excedente em desenvolvimento estruturante e sustentável no interior do Nordeste, com a implantação de indústrias e de toda a infraestrutura necessária na região , consequentemente, reduzindo as desigualdades regionais.

    Poderíamos até EXPORTAR energia elétrica em forma de barras de alumínio, ferro, etc. ao invés de exportar minérios.

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