Debate sobre Marco Legal da GD segue longe do fim, mesmo após regulamentação

Por: Fernanda Pacheco

Publicado em janeiro de 2022, o Marco Legal da Geração Distribuída (Lei 14.300/22) entrou oficialmente em vigor na primeira semana deste ano, após um longo – e nada tranquilo – trajeto percorrido entre as discussões iniciais sobre o assunto até o estabelecimento das novas regras. Não foram poucas as dúvidas, críticas e opiniões divididas em torno do cenário que se aproximava para os adeptos da geração própria de energia.

Um mês após a legislação enfim se tornar realidade, o tema voltou a ser amplamente discutido devido à aprovação da regulamentação da lei pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), realizada durante reunião pública entre os diretores da entidade em 7 de fevereiro. As diretrizes, aprovadas por unanimidade pela agência, abrangem a garantia de direitos e deveres dos consumidores e das empresas distribuidoras. O texto ainda visa estabelecer regras claras para a conexão dos sistemas à rede elétrica, além de abordar a previsão de mecanismos de compensação de energia gerada em excesso, a definição de critérios para a cobrança pelo uso da rede de distribuição, entre outros tópicos.

De acordo com o diretor-relator do processo, Hélvio Guerra, as discussões, classificadas por ele como construtivas, contribuíram para o enriquecimento do processo. “O setor elétrico está de parabéns. A divergência é a beleza do colegiado, pois é nela que conseguimos construir melhor. Minha busca foi desde o início pelo equilíbrio, e tentei reproduzir no voto essa condição”, destacou, durante deliberação sobre a medida.

A importância da regulamentação também foi exaltada pelo diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa. “Foi um processo amplamente discutido, nós ouvimos todas as áreas técnicas, inclusive a Procuradoria Federal mais de uma vez para construirmos a melhor decisão. É um momento muito marcante para o setor elétrico e, se não concordamos 100%, posso afirmar que saímos maiores do que quando entramos nessa discussão. Parabenizo todas as áreas técnicas da Aneel, pois o processo foi bastante complexo. Nunca haverá unanimidade, mas tenho certeza que exercemos o nosso papel com louvor”, afirmou.

De fato, a nova legislação está longe de ser consenso. Entre as questões de maior divergência destaca-se o aumento progressivo da cobrança do fio B, que faz parte da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e envolve todos os custos relacionados à utilização do sistema de distribuição. 

Avanços e entraves

Na visão da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), a regulamentação da lei traz avanços importantes, mas ainda há pontos legais a serem ajustados. A entidade destaca que o colegiado da Aneel endereçou adequadamente o ponto mais crítico dos três apresentados pela associação: a cobrança de taxas em duplicidade sobre os pequenos consumidores que geram a própria energia, e esclareceu que os dois pontos restantes – cobrança de demanda na baixa tensão e optante B – dependem de ajustes na redação da lei.

“Houve, portanto, avanços importantes em relação ao que tinha sido proposto pelas áreas técnicas da Aneel, sobretudo a eliminação da cobrança em duplicidade do custo de disponibilidade e da chamada TUSD Fio B, encargo pelo uso da rede, o que afastou o risco de inviabilizar a geração própria de energia solar para a sociedade brasileira”, explica Bárbara Rubim, vice-presidente de geração distribuída (GD) da Absolar.

O presidente executivo da entidade, Rodrigo Sauaia, acrescenta que, no caso dos dois pontos críticos pendentes, a Absolar está trabalhando junto ao Congresso Nacional para que estes sejam endereçados o mais rápido possível. Ainda segundo a instituição, dos comandos trazidos pelo Marco Legal, falta, agora, o cálculo dos benefícios líquidos da geração própria ao setor elétrico. 

“Desde a publicação da lei, em janeiro de 2022, a Absolar trabalha para que estes benefícios sejam corretamente valorados e incluídos nas diretrizes a serem oficializadas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Esperamos que a preocupação muito falada pelo atual governo com a pauta ambiental e climática se traduza em diretrizes que impulsionem ainda mais a geração distribuída renovável”, aponta Sauaia.

Durante os diálogos com os diretores do órgão regulador, a entidade também alertou para a importância da atuação da Aneel na fiscalização das distribuidoras em relação ao cumprimento dos prazos e nas obrigações previstas na lei e na regulamentação e em questões concorrenciais, garantindo o equilíbrio de mercado para os pequenos empreendedores solares poderem competir em iguais condições com os grandes grupos econômicos do setor. 

Inconsistências

Também insatisfeita com deliberações presentes na regulação, a Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD) protocolizou uma reclamação formal junto à Aneel, em parceria com a Associação Baiana de Energia Solar (ABS). No documento, a organização se posiciona contra a decisão da diretoria da agência reguladora em aprovar a Resolução Normativa 1.059/2023 – que regulamenta a Lei 14.300/2022 e altera as disposições da RN 1.000/2021.

Como justificativa, a entidade alega que há conflitos de legalidade na nova resolução, uma vez que as resoluções da Aneel “devem estar em conformidade com outras regulamentações, como portarias, decretos e normas técnicas estabelecidas por órgãos competentes”, sendo que “as resoluções jamais poderão contrariar leis federais, pois estas têm hierarquia superior no escopo piramidal da ordem jurídica”, afirma o documento. A associação se refere ao que considera ser violações contidas na Resolução Normativa, apontando questões como “a necessária suspensão do prazo de injeção por pendência (obra) da concessionária”, a “cobrança de Custo de Disponibilidade e obtenção de garantias”, bem como o que classifica como “restrições indevidas ao consumidor B-Optante”.

Em entrevista à revista O Setor Elétrico, o presidente-executivo da ABGD, Guilherme Chrispim, destaca que, apesar do que foi estabelecido pelo Marco Legal, a geração distribuída continua sendo vantajosa para o consumidor – em especial para o que faz uso da microgeração de energia, potência que, segundo o especialista, responde por 85% do que é produzido na GD brasileira. 

“Fazendo uma conta para facilitar o entendimento do leitor, temos um número referencial indicando que, anteriormente, havia o abatimento de aproximadamente 95% da fatura de energia. Agora, é claro que teremos que considerar questões como os impactos do fator de simultaneidade (o quanto se está consumindo versus o quanto está sendo gerado), além de analisar a qual distribuidora se está vinculado – em função da variação de custo da TUSD de fio B de uma região para outra. Ainda assim, baseado no número aproximado que já observamos, é possível ter uma proporcionalidade de abatimento da fatura de energia que chega a 80%”, afirma o executivo.

Chrispim também destaca que a conjunção de outros fatores ligados à geração distribuída, como o custo energético ao longo dos anos e a participação na transição energética, faz com que a GD continue valendo a pena. Contudo, é importante analisar o panorama do segmento a curto e médio prazo. “Claro, o cenário vai mudar um pouco. Acredito que esses próximos meses serão de observação do mercado – falo do cliente final tentando entender essa conta nova. É uma conta difícil de mensurar até mesmo para nós que somos do setor, devido a todas as variáveis citadas. Ainda assim, sabemos que gerar a própria energia seguirá sendo vantajoso”, analisa.

 “Mais justiça ao setor elétrico”

Para a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), o Marco Legal traz mais justiça ao setor elétrico. A entidade destaca que, com as novas regras, e após o período de transição até 2031, os consumidores comuns não terão mais de pagar pelos subsídios a quem instala placas solares.

A organização se refere à regra de transição estabelecida pela nova legislação, que determina que sistemas já existentes antes da publicação da lei, ou aqueles que protocolaram solicitação de acesso antes de 7 de janeiro deste ano (data em que o Marco Legal passou a valer), permanecerão sob a regra de paridade tarifária até 31 de dezembro de 2045. Essa situação é definida como “direito adquirido”.

Já projetos que se conectarem até julho deste ano terão direito à transição até 31 de dezembro de 2030, enquanto que unidades consumidoras instaladas após 18 meses da aprovação da lei garantem paridade tarifária até 31 de dezembro de 2028.

O diretor-executivo de Regulação da Abradee, Ricardo Brandão, classifica o Marco Legal da Geração Distribuída como um avanço. “A regra anterior era muito injusta, especialmente com o consumidor que não tem geração distribuída. A conta de energia não possui apenas a parte de geração. Ela tem transmissão, distribuição, encargos e tributos. Nesses aspectos, o consumidor que possui GD é exatamente igual ao seu vizinho que não tem”, avalia. 

“Em dias nublados e no período da noite, esse consumidor que produz energia durante o dia passa a recebê-la pela rede de distribuição e pela geração que vem dos outros empreendimentos de grande porte. É um serviço prestado para esse usuário, que antes ele não pagava. O que acontece é que, no processo tarifário, todos esses custos são rateados e repassados para os outros usuários que não têm geração distribuída”, conclui.

Futuro da GD: adaptações e evolução

Ao que tudo indica, o trajeto rumo a um cenário que atenda aos anseios de ambas as partes envolvidas – ou que, ao menos, não seja motivo para novas ações judiciais – está longe de chegar ao fim. Até lá, resta ao mercado de geração distribuída, além de contestar o que acredita não ser justo, adaptar-se à realidade que o envolve, fato destacado por Guilherme Chrispim. “Será preciso se ajustar, é algo natural da vida”. 

Para ilustrar melhor a questão, o executivo relembra a evolução de uma das tecnologias mais presentes no dia a dia da sociedade contemporânea, mas que em quase nada se assemelha às suas primeiras versões. “Podemos usar o exemplo da telefonia. No Brasil, alugava-se linhas telefônicas fixas. Era preciso, inclusive, declarar o telefone no imposto de renda, pois era algo de alto valor”.

“Já com os celulares, vivemos também a época em que as empresas lançavam aparelhos com dois chips. Fazia sentido naquele tempo, pois existia uma cobrança por deslocamento entre áreas. Atualmente, quase nem fazemos mais ligações telefônicas, mas a telecomunicação deixou de existir? Não, ela foi se adaptando, criando novos produtos e soluções. Acho que isso também vai acontecer com a GD, pois a lógica da transição energética está a nosso favor. De fato, vejo mudanças, mas não o fim do setor”, conclui o especialista.

Reportagem desenvolvida por Fernanda Pacheco.

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