Comissionar é preciso

No mundo do gerenciamento de projetos, as melhores práticas do PMI (Project Management Institute) estabelecem que o caminho para o sucesso de uma entrega é pavimentado por etapas cruciais, cada uma contribuindo para a realização do objetivo final. No entanto, mesmo com uma estrutura bem definida, a jornada rumo à conclusão nem sempre é livre de obstáculos.

Imagine-se em uma trilha, avançando em direção ao cume de uma montanha. O caminho é árduo e repleto de desafios e, conforme o horizonte se aproxima, você se depara com um desvio inesperado. O tempo urge, o cronograma está apertado e as etapas finais do percurso parecem distantes demais. Diante desse cenário, a tentação de cortar caminho se torna quase irresistível. 

No contexto da construção de usinas eólicas e solares, esse impasse entre seguir pelo caminho pavimentado e mais longo, ou aproveitar um atalho desconhecido, pode se manifestar no comissionamento, o último passo antes da energização das plantas. Aqui, os empreendedores e construtores enfrentam um dilema: seguir adiante com a cautela necessária, ou sucumbir à pressão do tempo e dos stakeholders, e negligenciar esta fase crucial?

Porém, ceder a esse engano não é apenas um atalho arriscado, mas uma aposta perigosa. Ao negligenciar o correto comissionamento das redes de média tensão em projetos de energia renovável, corremos o risco de liberar a energização de circuitos com irregularidades que se manterão após o início da operação e poderão evoluir para falhas em período prematuro, quando tais eventos não deveriam ocorrer. 

Além dos aspectos técnicos e de segurança envolvidos, o comissionamento da rede de média tensão é uma das etapas mais importantes para garantir a otimização dos ativos. Nela, técnicas de manutenção preventiva são ideais, pois promoverão o aumento de confiabilidade e redução de risco. Ensaios de manutenção preditiva também são indicados, sempre que possível, pois irão colaborar com o aumento da confiabilidade e trarão maior segurança na etapa seguinte do ciclo de vida dos cabos em operação. Abaixo, vamos conhecer as técnicas sugeridas para essa importante etapa de um projeto de energia renovável.

Testes e ensaios indicados

O teste de tensão aplicada aos isolamentos utilizando tecnologia VLF (Very Low Frequency), é, sem dúvidas, o ensaio mais importante para identificar pontos frágeis e defeitos críticos antes da energização. Os demais ensaios trazem inúmeros benefícios e são altamente recomendados, mas, em determinados casos, são omitidos por conta da redução de custo financeiro imediato. Deve-se destacar, no entanto, que os riscos são assumidos pela redução do escopo de ensaios, podendo gerar consequências severas em curto ou longo prazo. 

Os testes de capa são indicados na etapa de comissionamento em cabos diretamente enterrados para garantir a ausência de falhas nos revestimentos, prevenindo e mitigando a ação da umidade/água nos cabos e, portanto, reduzindo os efeitos de arborescências. Os testes requerem a desconexão das blindagens, tornando mais trabalhosa a execução depois do comissionamento. Esses ensaios, não precisam ser realizados com frequência ao longo do ciclo de vida dos cabos, pois quando eles não são manipulados mecanicamente ou não estão instalados em meio ambiente agressivo, não há motivos para supor que defeitos possam se desenvolver nas capas externas, sendo suficiente o teste durante o comissionamento e/ou execução eventual esporádica.

A reflectometria, por sua vez, é uma técnica não tão comum durante a etapa de comissionamento, mas também é extremamente indicada, pois irá garantir que as blindagens metálicas se encontrem contínuas e em boa qualidade. Muitas vezes, durante a instalação, esforço mecânico demasiado é realizado em determinada região do cabo, produzindo a ruptura parcial das blindagens, naquele ponto localizado. Quando isso ocorre, é criada uma fragilidade no cabo, pois há distorção das linhas de campo e consequente estresse elétrico irregular no isolamento. Posteriormente, este ponto poderá se apresentar mais suscetível a falhas.

Através da curva de reflectometria e da distância precisa do trecho de cabo instalado (que é uma informação geralmente acessível durante a instalação), pode-se utilizar os dados para determinação da velocidade de propagação da luz nos cabos. A informação é extremamente útil em casos de eventos de falhas posteriores, pois torna a pré-localização muito confiável e reduz enormemente o tempo de localização de falhas.

Os testes de tensão aplicada são empregados para garantir que os ativos apresentem a performance minimamente adequada para serem colocados em operação, reduzindo a probabilidade de falhas. No entanto, cabos poderão ser aprovados em condições perfeitas ou, talvez, poderão ser aprovados em condições não tão boas. Eventualmente, uma pequena fração de cabos acabaria sendo reprovada nos testes, se mantidos por mais alguns minutos sob tensão aplicada. Portanto, quando possível, recomenda-se a execução de ensaios de diagnóstico para identificação de defeitos latentes. Ensaios de tangente delta e de descargas parciais são os mais indicados. Os ensaios de tangente delta permitirão a identificação de inúmeras não-conformidades e criarão um histórico inicial para acompanhamento preditivo. Já os ensaios de descargas parciais, irão verificar a existência de defeitos em acessórios, que poderiam vir a falhar prematuramente, após a energização.

Por fim, além dos ensaios elétricos, deve-se mencionar a importância dos procedimentos de manutenção preventiva. A vistoria das áreas, a marcação do percurso dos cabos, a elaboração de documentação as-built da instalação e a conexão das terminações (com chaves torquimétricas calibradas) são algumas ações importantes a serem executadas durante a etapa de comissionamento da rede de média tensão.

Sobre o autor

Daniel Bento é engenheiro eletricista. Membro do Cigré, onde representa o Brasil em dois grupos de trabalho sobre cabos isolados. É diretor executivo da Baur do Brasil | www.baurbrasil.com.b

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