Capítulo VI – Eficiência energética e a vitória do bom senso

Você sabia que ao longo do primeiro semestre 2023 houve uma verdadeira força tarefa nacional no intuito de garantir a sustentabilidade das políticas públicas voltadas para ações em eficiência energética? Não sabia? Te explico!

Bom, para começar, é importante relembrarmos que desde que foi promulgada a Lei nº 9.991, de 24 de julho de 2000, as empresas do setor elétrico precisam realizar investimentos compulsórios em Programas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e Eficiência Energética (PEE). 

Especificamente para o segmento de Distribuição, o percentual destinado, em relação a Receita Operacional Líquida (ROL) das empresas, é de 1% (um por cento), sendo 0,5% para P&D e 0,5% para PEE desde a homologação da Lei nº 9.991/00. Contudo, no processo de aprovação da Lei nº 14.514/2022, que visava prorrogar essa divisão equânime até 2025, houve veto presidencial do inciso I do artigo 21 e, consequentemente, os percentuais que passaram a vigorar a partir de janeiro de 2023 foram para 0,75% para P&D e 0,25% para PEE. 

O veto ocorreu no dia 29 de dezembro de 2022, já no apagar das luzes do antigo governo. À época, a razão para veto foi justificada pelo risco de comprometimento de receita destinada ao orçamento da União, já que dentre as rubricas cobertas pelos recursos de P&D, que ficou com parcela maior, uma parte vai para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT e ao Ministério de Minas e Energia – MME (Vide Figura 1).

Razões do veto

“A proposição legislativa altera o inciso I do caput do art. 1º da Lei nº 9.991, de 24 de julho de 2000, para dispor que até 31 de dezembro de 2025, os percentuais mínimos definidos no caput do art. 1º serão de 0,50% (cinquenta centésimos por cento), tanto para pesquisa e desenvolvimento como para programas de eficiência energética na oferta e no uso final da energia

Entretanto, em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público, uma vez que postergaria as receitas da União que podem apresentar impacto orçamentário e prejuízo ao alcance das metas fiscais, em violação ao disposto no art. 124 e no art. 125 da Lei nº 14.194, de 20 de agosto de 2021 – Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2022.” (grifo nosso)

Figura 1 – Destinação dos Recursos de P&D com e sem o veto da Lei 14.514/2022.

Com o veto, o percentual de transferência para o PEE foi reduzido de 0,5% para 0,25% da ROL, trazendo riscos para a continuação dos benefícios energéticos alcançados pelo programa até então. E mais, cabe destacar, que recursos de eficiência energética são aportados apenas pelo segmento de Distribuição (D) de Energia Elétrica, enquanto Pesquisa e Desenvolvimento são compulsórias à Distribuição (D), Transmissão (T) e Geração (G) de Energia Elétrica.

Acontece que o investimento em eficiência energética é necessário para incentivar a cultura do uso consiciente da energia, e também acaba por exercer uma importante reflexão frente aos desafios em cenários conjunturais, como os ocorridos recentemente, a saber: (i) cenário de escassez hídrica, (ii) crise econômica; (iii) diminuição da capacidade de custeio das despesas pela população; e (iv) clamor por transição energética sustentável.

Por esse prisma, as ações de eficiência energética têm garantido para a sociedade brasileira a redução da necessidade de novas fontes de energia, com a postergação de investimentos em geração e transmissão de energia, melhoria na confiabilidade do sistema elétrico e redução das interrupções do fornecimento de energia elétrica. 

As ações de eficiência energética também asseguram economia de energia para movimentar as atividades econômicas e sociais com baixo custo, contribuindo diretamente para o movimento global de transição energética. É fonte de geração de empregos e renda, além de movimentar a indústria brasileira na manufatura de produtos elétricos e eletrônicos. Os projetos de eficiência energética requerem intensiva força de trabalho, que podem iniciar rapidamente e serem inseridos nas cadeias produtivas locais, como construção e manufatura.

A eficiência energética trabalha em ações de caráter social para proporcionar acesso a tecnologias de baixo consumo de energia, tais como a troca de lâmpadas por outras mais eficientes, a geração de energia por meio de painéis solares, troca de geladeiras por modelos mais econômicos e eficientização de prédios públicos (como hospitais e escolas). Nesse aspecto, o volume de investimento é, em sua maior parte, voltado para ações com as comunidades de baixa renda, reforçando o retorno social do programa, além das instituições públicas.

Outra ação de grande relevância é a modernização do parque de iluminação pública, reduzindo o consumo de energia, melhorando a qualidade da iluminação das vias públicas e contribuindo para segurança pública. Ao mesmo tempo, lâmpadas mais eficientes reduzem o consumo energético, diminuindo o custeio pela população deste serviço essencial.

Lembramos, ainda, que o objetivo principal do PEE é promoção da mudança de comportamento dos consumidores para o uso mais racional de energia. Os projetos educacionais capacitam professores para trabalharem o tema nas várias camadas da rede de ensino, e todos os projetos têm, obrigatoriamente, a etapa de treinamento e capacitação dos consumidores beneficiados.

Outro tema constante é a inovação, com o fomento de novas tecnologias e, principalmente, com a proposição de novas formas de interação entre consumidor e consumo de energia, antecipando em alguns casos a evolução da regulamentação do serviço de fornecimento. 

No período pandêmico, os recursos de PEE foram importantíssimos. Por meio do programa, foram realizados investimentos em refrigeradores específicos para o acondicionamento de vacinas, troca de refrigeradores, lâmpadas e aparelhos de ar-condicionado ineficientes em hospitais públicos e assistenciais, auxiliando no enfrentamento desse vírus que vitimou milhares de brasileiros. 

Quando se fala em números, os resultados dos investimentos em EE nos últimos anos também traduzem a importância desse programa. Segundo dados da Aneel :

  • 56,6% da economia de energia veio de projetos voltados à população de baixa renda, que representou na última década 18,8% dos investimentos em dos projetos do PEE;
  • 13,13% da economia de energia veio de projetos voltados à tipologia Poder Público, que representou na última década 15,56% dos investimentos em dos projetos do PEE;

De acordo com o MME (Nota Técnica nº 34/2021/DDE/SP), nos últimos 22 anos de vigência da lei 9.991/2000, foram alcançadas:

  • Economia de energia de aproximadamente 9.000 GWh/ano, o que equivale a energia gasta mensalmente por 6,8 milhões de famílias de baixa renda, consumindo em média 110kWh/mês;
  • Retirada de demanda na ponta de 2,8 MW.

Ainda de acordo com o MME, em estudo intitulado “Potencial de empregos gerados na área de Eficiência Energética no Brasil de 2018 até 2030”:

  • Tendo como referência o ano de 2016, são gerados anualmente 413 mil empregos totais na economia como consequência da produção de bens e serviços de Eficiência Energética. Destes, 31% são diretos (128 mil), 57% indiretos (237 mil) e 12% induzidos (48 mil).
  • A projeção para 2030 pode galgar cerca de 1,2 milhões de empregos brutos totais na economia brasileira, tendo em vista os esforços para alcançar as metas do acordo de Paris.

Em levantamento realizado pela ABRADEE em 2022, verificou-se que, através dos Programas de Eficiência Energética das distribuidoras dos grupos Neoenergia, EDP, Energisa, Equatorial e CPFL, e das distribuidoras Celesc, Cemig, Copel e Light, entre 2019 e 2021:

  • Foram doadas 1.054 câmaras térmicas para acondicionamento de vacina, como parte das ações para combate à Covid-19 pelos grupos Neoenergia e Energisa;
  • Foram atendidas mais de 1,6 milhão de unidades consumidoras;
  • Foram impactados mais de 1,34 milhão de alunos através de ações educacionais;
  • Foram instalados mais de 6,23 milhões de lâmpadas e luminárias LED;
  • Foram investidos cerca de R$ 1 bilhão em ações de Eficiência Energética.

E ainda há muito potencial, com destaque para:

  • Implantação de usinas fotovoltaicas para atendimento à população de baixo poder aquisitivo, dentro do contexto do Programa de Energia Renovável Social (PERS);
  • Modernização dos Parques de Iluminação Pública. Segundo levantamento da ABCIP – Associação Brasileira de Concessionárias Privadas de Iluminação Pública, os parques de iluminação pública no Brasil ainda são constituídos majoritariamente por lâmpadas ineficientes.
  • Intensificação na modernização de edificações públicas.

Ainda, segundo o MME, por meio das Notas técnicas 34 e 36/2021/DDE/SPE, é destacado que para cada R$ 79,00 investidos em eficiência energética é economizado 1MWh. Ou seja, quando a maioria da sociedade Brasileira paga mais de R$ 1,00 por kWh, incluídas as bandeiras tarifarias e impostos, não se pode fechar os olhos para a constatação de que o custo para se economizar 1 kWh seja inferior a R$ 0,079 (inferior a 8 centavos de real).

Dentre as tipologias de consumo atendidas pelos projetos, as voltadas à população de Baixa Renda e Poder/Serviço Público tiveram muita atenção dispendida ao longo do histórico de investimentos em PEE. Considerando o total investido, segundo portal ANEEL, dos projetos finalizados entre 2018 e 2022, as referidas tipologias receberam, cada uma, cerca de 19% dos recursos (vide Gráfico 1). 

A tipologia Poder/Serviço Público foi beneficiada com projetos relacionados a eficientização das instalações públicas em geral, como semáforos, hospitais, espaços públicos e escolas etc. O resultado foi a redução do consumo de energia e consequente de custos públicos, melhorando a qualidade da iluminação e contribuindo para economia regional. Já a tipologia Baixa Renda foi favorecida com projetos voltados para ações nas comunidades de menor poder aquisitivo, reforçando o retorno social do programa.

Gráfico 1 – Participação das tipologias nos investimentos totais de 2018-2022

Ainda é importante destacar no Gráfico 1 os investimentos em Iluminação Pública, que representaram cerca de 24% do total ao longo do período, com ações de modernização do parque, redução do consumo de energia, melhorando a qualidade da iluminação das vias públicas e contribuindo para segurança pública. 

Outro ponto importante sobre os recursos do PEE é que mesmo o percentual de 0,5% da ROL já é justo, pois nem todo o recurso disponível é destinado diretamente aos projetos. Em 2020, devido à pandemia, dentre as medidas adotadas para amenizar os impactos tarifários, foi estabelecido a transferência de recursos dos programas de P&D e PEE para CDE (Lei 14.120/2021).

A Figura 1 traça um paralelo entre a situação vigente até 2020 e pós pandemia (atual), com a obrigação de destinação à CDE. 

Figura 1 – Destinação dos Recursos de PEE pré e pós pandemia (Lei 14.120/21).

Bem, acho que já ficou claro para você que as ações de eficiência energética são de suma relevância para a sociedade, sendo extremamente inoportuno o veto presidencial procedido pelo governo anterior.

Diante desse cenário, a ABRADEE, as distribuidoras de energia, os agentes setoriais, associações e especialistas, lutaram no congresso ao longo do primeiro semestre de 2023 para persuadir os deputados de que o veto presidencial era nocivo ao setor elétrico, sendo altamente desejável, com importantes externalidades positivas, a queda deste dispositivo.

Em 12 de julho de 2023, o Congresso Nacional derrubou o veto presidencial. Esta vitória deve ser comemorada. Afinal, como visto neste artigo, são louváveis as ações de eficiência energética, em especial por atingir populações muitas vezes à margem da sociedade.

Venceu o bom-senso!

Autores:

Por Ana Carolina Ferreira da Silva, economista, mestre em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do ABC, com especialização em Contabilidade e Controladoria pela PUC Campinas. Desde 2008 atua no segmento de distribuição de energia elétrica e atualmente é assessora de regulação na ABRADEE.

Por Lindemberg Nunes Reis, engenheiro eletricista, cursa atualmente mestrado em metrologia, inovação e smart grids na PUC-RJ, tem MBA em finanças pelo IBMEC-RJ e pós-graduação em sistemas de produção e refino de petróleo pelo SENAI-RJ. É formado em engenharia elétrica pela Universidade Federal de Juiz de Fora – MG e atualmente é Gerente de Planejamento e Inteligência de Mercado na ABRADEE.

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