Cabos isolados de média tensão: será que vai falhar hoje? Parte II

Na última coluna, demonstramos que o cabo isolado de média tensão obedece a mesma dinâmica de outros produtos e equipamentos elétricos, ou seja, está sujeito a uma taxa de falhas maior no início e no fim de sua vida útil, logo, podemos analisá-lo com a famosa curva da banheira.

É importante conhecer os riscos e os fenômenos elétricos em cada fase da vida do cabo, seja na instalação, seja durante a operação ou no final da vida útil. Conhecendo os riscos e fenômenos, é possível mitigá-los e medi-los para, então, fazer a melhor gestão desse ativo.

Nesse artigo vamos falar um pouco sobre medições de tangente delta nos cabos isolados.

A técnica de medição do tangente delta é utilizada para avaliação do nível de envelhecimento e degradação do isolamento. Além da inferência do nível de envelhecimento dos materiais, a técnica também pode indicar irregularidades diversas, como a existência de defeitos que produzem descargas parciais, infiltração de água, arborescências, entre outros.

Os ensaios são executados por meio da aplicação de tensão elétrica aos isolamentos em frequência VLF de diferentes níveis de tensão, geralmente entre 0,5Uo e 2Uo, por apenas poucos minutos. Em cada nível de tensão, medições sequenciais são realizadas para avaliação do comportamento médio do tangente delta e de sua estabilidade. A norma de referência mais amplamente utilizada com esse propósito é o guia IEEE 400.2 – 2013. Nesta norma, o comportamento do tangente delta em função do nível de tensão aplicada também é um importante parâmetro de análise. Assim como em outros métodos offline, um dos requisitos para realização dos ensaios é a desconexão das terminações dos cabos.

Figura 1 – Esquema do arranjo utilizado para execução dos ensaios de tangente delta.

Mas afinal, o que é tangente delta?

Um cabo isolado é um sistema capacitivo, pois apresenta dois condutores (condutor principal e a blindagem metálica) com um meio isolante entre eles. Desse modo, quando uma tensão é aplicada ao material, ambos os eletrodos se apresentam polarizados e a energia potencial é armazenada no campo elétrico. Um capacitor perfeito simplesmente armazena esta energia sem nenhum tipo de perda, sem produção de calor ou qualquer outro efeito. Esta energia, em princípio, poderia ser utilizada totalmente, em ocasião futura, ao descarregar o capacitor perfeito. No entanto, todo material real apresenta uma certa perda de energia durante o processo de polarização e despolarização, seja por aquecimento, seja ou por qualquer outro mecanismo. Esta dissipação de energia pode ser muito pequena para determinados arranjos, mas sempre existe. Um cabo se comporta como um capacitor real e quanto mais envelhecido está o isolamento maior será a dissipação de energia neste processo. O circuito elétrico equivalente para o isolamento de um cabo é mostrado na Figura 2.

Figura 2 – Estrutura de um cabo isolado em média tensão.

Considerando um cabo sadio submetido a uma diferença de potencial, uma corrente elétrica fluirá na direção do vetor do campo elétrico. A corrente elétrica possuirá dois componentes, o capacitivo e o resistivo. A resistência do isolamento é muito elevada para um cabo sadio, de modo que o componente resistivo da corrente elétrica será muito pequeno (conforme Lei de Ohm). O tangente delta/fator de perdas dielétricas, também conhecido como fator de dissipação, é definido como a razão entre os componentes, o resistivo e o capacitivo (veja Figura 3). Quanto mais envelhecido e desgastado o isolamento, menor será a sua resistência e, portanto, maior será o fator de dissipação (sinônimo para o tangente delta).

Os componentes da corrente elétrica podem ser representados em um diagrama fasorial, conforme exibe a Figura 3 (lembrando que a corrente elétrica resistiva se apresenta sempre em fase com a tensão aplicada e a corrente elétrica capacitiva com uma defasagem de 90 graus). Como os componentes do vetor corrente elétrica, capacitivo e resistivo, não apontam na mesma direção, é possível construir um triângulo retângulo, conforme indicado na Figura 3, em que o tangente do ângulo delta formado com o eixo vertical é exatamente a definição do fator de dissipação.

Figura 3 – Diagrama fasorial dos componentes da corrente elétrica em um cabo isolado.

O sistema de isolamento do cabo, conforme é submetido a ciclos térmicos ou mantido em operação por tempo prolongado, apresentará envelhecimento e degradação naturais. A rigidez dielétrica do isolamento irá diminuir ao longo do tempo e é correlacionada ao tangente delta, de modo que a estratégia consiste em monitorar o tangente delta, com medições periódicas, para acompanhamento preditivo, permitindo a inferência da qualidade dos isolamentos e risco de falhas.

No próximo artigo vamos entender melhor o fenômeno das descargas parciais nos cabos isolados. Até lá!

Autor:

Por, Daniel Bento, engenheiro eletricista com MBA em Finanças e certificação internacional em gerenciamento de projetos (PMP®). É membro do Cigré, onde representa o Brasil em dois grupos de trabalho sobre cabos isolados. Atua há mais de 25 anos com redes isoladas, tendo sido o responsável técnico por toda a rede de distribuição subterrânea da cidade de São Paulo. É diretor executivo da Baur do Brasil | www.baurdobrasil.com.br

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