Apagões: quem são os culpados?

Acompanhamos no segundo semestre de 2023 e início de 2024, diversas ocorrências de interrupções do fornecimento de energia em distintas regiões do Brasil, com efeitos prolongados. Conhecidas popularmente como “apagões”, todas essas ocorrências, incluindo as da década passada, possuem distintas explicações e justificativas, em alguns casos, mais de uma versão para cada evento, graças ao papel dos veículos de comunicação, vez por outra sensacionalistas.

As avaliações devem considerar que nosso país possui um sistema interligado nacional, o SIN, composto por uma complexa malha interligada de usinas geradoras hidrelétricas, térmicas, eólicas, solares, nucleares e biomassa, conectadas por linhas de alta tensão e extra alta tensão, em tensão alternada e contínua.

Essas linhas de transmissão de longa distância atravessam o país, desde as usinas, até os locais onde a energia é distribuída e consumida. Os circuitos aéreos, em sua maioria, não isolados. 

A energia é então entregue aos consumidores em tensões que deveriam ser tecnicamente adequadas às demandas de cada consumidor. Neste processo, são vencidos diversos desafios técnicos que vão desde as fontes até as cargas (ou aos circuitos em baixa tensão que as alimentam).

A regulação de atendimento aos consumidores pelo poder concedente (ANEEL) possui um completo conteúdo e documentação e dois importantes regulamentos que são sempre consultados: ANEEL-REN1000; e ANEEL-Prodist-modulo8. Além disso, em paralelo às normas técnicas aplicadas pelos consumidores em suas instalações, temos ainda a ABNT-NBR14039, que trata das instalações de média tensão, e a NBR 5410, que dispõe sobre as instalações de baixa tensão, entre outras, que devem necessariamente ser atendidas.

Para a compreensão desses eventos, temos ainda que considerar que os consumidores também instalam suas fontes próprias de geração, que são interligadas ao sistema de fornecimento das distribuidoras, tratadas como a geração distribuída. Não fosse a complementariedade das responsabilidades, não teríamos o sistema operando adequadamente.

Alguns pontos que merecem atenção de consumidores, distribuidoras, agentes do mercado, imprensa e palpiteiros de plantão são:

  1. Para que uma carga elétrica opere adequadamente, o suprimento da energia, ou seja, a tensão de alimentação, deve possuir características adequadas, não só em situação de energia presente ou não presente, mas também em grau de qualidade. Assim, o modulo 8 do Prodist-ANEEL cita as necessárias compatibilidades das variáveis:
  • tensão em regime permanente;
  • fator de potência de consumidores em média e alta tensão.
  • harmônicos;
  • desequilíbrio de tensão;
  • flutuação de tensão;
  • variação de frequência;
  • Transientes de tensão e métricas definidas do fator de impacto.
  1. A incompatibilidade entre as interferências urbanas e rurais entre as linhas aéreas e a vegetação causam impactos severos, devendo ser observadas as responsabilidades entre as distribuidoras e gestores públicos. Se a ocorrência de ventos com velocidades não esperadas incorrerem na danificação das redes de distribuição pela queda de arvores, fatalmente o fornecimento será prejudicado, e a previsão a ser tratada não é qual seria a velocidade do vento da próxima tempestade, mas se a vegetação existente não deve estar podada adequadamente e se as servidões de passagem estão sendo praticadas, e fundamentalmente, quem responde pela manutenção da vegetação.
  1. Os contratos de suprimento de energia possuem a tensão contratada e limites de variação permitidos. Algumas questões são relacionadas a essas tensões contratadas e as nominais dos equipamentos. Será que equipamentos operam bem em tensões típicas contratuais como 240V/120V ou 208V/120V e seus limites, que podem chegar a 252 V (superior), no primeiro caso, ou 191V (inferior), no segundo caso? Temos instrumentação adequada para essa checagem? Será que os circuitos internos que alimentam cargas com correntes de partida típicas de motores são adequadamente dimensionados às quedas de tensão para esses casos?
  1. Potências de curto-circuito são características essenciais para uma boa regulação de tensão em sistemas industriais e tem fundamental importância em geração distribuída. Como andam esses valores? Será que falta investimento na distribuição?
  1. Geração distribuída tem causado sobretensões por potência reversa. Esse tema vem sendo bastante discutido. Teremos soluções a curto prazo?   
  1. As instalações dos consumidores que exercem seus direitos de reclamação em danos e queimas de equipamentos possuem sistemas de aterramento e proteção contra surtos como recomendado pela NBR5410?
  1. Se o grau de exigência de cargas especiais de alguns consumidores é mais alto que o padrão, estas merecem condicionamento de energia com equipamentos adequados e confiáveis. O fator de impacto calculado do modulo 8, prevê algumas ocorrências durante os períodos de leituras.  
  1. Sistemas mal especificados pelos consumidores impactam na rede das distribuidoras e alimentação de outros consumidores.

Esta lista não está completa, por isso, peço aos leitores desta coluna que a avaliem. Agradeço o retorno de quem puder contribuir e quem sabe republicar! Só não vale recomendar que o sistema interligado seja “desinterligado”. 

Para além disso, que tenhamos bom senso e filtro às notícias e intrigas que escutamos.

Sobre o autor

José Starosta é diretor da Ação Engenharia e Instalações e membro da diretoria do Deinfra-Fiesp e da SBQEE. É consultor técnico da revista O Setor Elétrico.

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