Análise de desempenho das técnicas para o compartilhamento de responsabilidade dos desequilíbrios de tensão

Por: Bárbara Morais Gianesini - José Carlos de Oliveira - Márcio Arvelos Moraes - Raquel Cristina Filiagi Gregory - Vinícius Henrique Farias Brito

A temática do compartilhamento de responsabilidade sobre os fenômenos que afetam a Qualidade da Energia Elétrica (QEE) em sistemas multiagentes e que, portanto, compartilham o mesmo ponto de acoplamento comum (PAC) desperta grandes interesses e tem motivado investigações na busca de metodologias eficazes, simples e factíveis para uso em campo. O assunto, como um todo, se mostra de interesse diante de condições operativas atreladas com a violação dos padrões definidos pelos agentes reguladores e a necessidade de implementação de medidas mitigatórias. 

De fato, ao se considerar um determinado ponto de medição, resta que este se apresenta fisicamente constituído por um barramento de fronteira (PAC) entre dois agentes. Um a montante deste ponto, aqui tratado como supridor, que se apresenta constituído por uma rede elétrica compreendendo sistemas de transmissão, distribuição e consumidores, e outro, constituído por uma área elétrica nos mesmos moldes, porém a jusante do barramento em questão, sendo este último, normalmente, um consumidor industrial ou outro.

 Nestes termos, caso haja violação dos indicadores de qualidade da energia, certamente isso irá requerer a implementação de medidas corretivas para o atendimento aos padrões de qualidade regulamentados. Assim, poderão ocorrer questionamentos sobre as parcelas de responsabilidade pelos valores totais dos indicadores de qualidade encontrados, e, para dirimir tais questões, emerge a necessidade de mecanismos para a identificação quantitativa das contribuições das partes. Assim procedendo, estar-se-á proporcionando meios que facilitariam os entendimentos, quer pelo lado técnico como financeiro, e, por conseguinte, eventuais litígios entre os agentes seriam evitados.

Objetivando atender à questão do indicador de desequilíbrio, uma das primeiras estratégias apresentadas recebeu a designação de Método da Corrente Conforme e Não Conforme (CCNC). Esse procedimento consiste na decomposição da corrente em duas componentes. Uma denominada corrente conforme, que reproduz o mesmo padrão de comportamento da tensão de alimentação e é de responsabilidade do supridor. Outra chamada de corrente não conforme, que produz desequilíbrios adicionais àqueles presentes na tensão de suprimento, sendo esta parcela atribuída à unidade consumidora. 

Um outro procedimento destinado ao mesmo fim se apresenta sob a denominação de Método do Fluxo de Potência Trifásico (FPT). Esse procedimento utiliza as tensões e correntes de sequência negativa para calcular a potência de sequência correspondente. Através da direcionalidade do fluxo de potência de sequência negativa, comparativamente à positiva, determina-se o principal agente contribuinte para o desequilíbrio total no PAC. Por conseguinte, esta proposição destina-se tão apenas a identificar a origem dominante do indicador de qualidade da energia em análise.

Com o mesmo objetivo surgiu o relatório técnico TR IEC 61000.3.13. O método possui embasamento na medição do fator de desequilíbrio (FD) de tensão no PAC, em sua forma complexa, antes e, após a conexão do agente consumidor no PAC. O FD pré-conexão representa as contribuições da rede de acesso, enquanto a diferença entre o FD pós-conexão e pré-conexão representa a contribuição do consumidor.

Um outro procedimento foi estabelecido com base no clássico conceito da superposição de efeitos. O processo representa os agentes supridor e consumidor através de seus circuitos equivalentes de Norton de sequência negativa e a contribuição de cada um é determinada em consonância com procedimentos tradicionais da composição dos efeitos individuais. Assim, com base nas tensões e correntes no ponto de análise, juntamente com as informações das impedâncias do sistema, é possível determinar os percentuais de responsabilidade entre as partes envolvidas. Não obstante a aparente simplicidade, sua aplicação prática encontra fortes barreiras atreladas ao conhecimento das impedâncias de sequência negativa equivalentes das partes.

Objetivando contornar as dificuldades acima mencionadas para o uso do Método da Superposição, foi então proposta uma evolução do processo, de forma a torná-lo factível ao uso prático. Isto resultou no denominado Método da Mudança de Estado Controlada (MEC). Essa estratégia é fundamentada na inserção de uma fonte conhecida de desequilíbrios, a exemplo de um banco de capacitores monofásico, a qual provoca alterações no estado operacional do complexo elétrico. Assim procedendo, através de medições conduzidas no PAC, sem e com a denominada fonte controlada, é estabelecida uma estratégia que contorna a necessidade das já mencionadas impedâncias de sequência negativa.

Visando elucidar a efetividade dos procedimentos supra postos, procede-se, na sequência, uma avaliação do desempenho dos mesmos utilizando o sistema elétrico ilustrado na Figura. 1. Este é baseado no Benchmark IEEE-HCD desenvolvido pela Força Tarefa do IEEE, o qual, para fins desta análise, foi alvo de modificações [1]. As alterações consistiram na inserção de uma fonte geradora de desequilíbrios em um ponto a montante do PAC, e também no consumidor 2. Ainda, no diagrama unifilar indicado, constata-se a presença de três unidades eminentemente consumidoras. O consumidor 1 é composto por um retificador trifásico e um banco de capacitores, com características equilibradas. De forma similar, o consumidor 3 também se apresenta equilibrado e formado por um motor de indução trifásico e um banco de capacitores. Já o consumidor 2, se apresenta com cargas equilibradas, e outras desequilibradas, traduzidas na forma de retificadores monofásicos e uma carga passiva assimétrica quanto aos seus parâmetros. 

Figura. 1 – Sistema Benchmark IEEE-HCD modificado.

Uma vez implementado computacionalmente, o arranjo elétrico como um todo apresentou um fator de desequilíbrio (FD) total no PAC de 4,16%.  Vale destacar que, quando apenas o complexo de suprimento está em operação, com os três consumidores desconectados do sistema, o FD no PAC foi de 3,19%. Ambos os valores, como sabido, são indicativos de inconformidade do indicador em análise, em relação aos limites estabelecidos pela norma nacional [2]. Portanto, o sistema em pauta se apresenta com propriedades operacionais próprias ao objeto do compartilhamento aqui contemplado. 

Feitas as avaliações das contribuições através dos métodos suscintamente apresentados, chega-se às contribuições individuais de cada consumidor para o desequilíbrio total no PAC. Os resultados correspondentes a cada metodologia são apresentados na Tabela. 1. Para fundamentar uma análise crítica dos desempenhos das metodologias é relevante destacar que, sob o ponto de vista físico, apenas o consumidor 2 deve ter participação na alteração ocorrida para o fator de desequilíbrio, já que os consumidores 1 e 3 são constituídos por cargas equilibradas. Isto posto, os desempenhos evidenciados pelos dois primeiros procedimentos (CCNC e FPT) não oferecem nenhuma margem de segurança aos propósitos estabelecidos. Já os desempenhos associados com os métodos IEC, Superposição e MEC revelam diretrizes promissoras aos fins aqui postos. Entretanto, vale lembrar que esses procedimentos são invasivos (IEC e MEC), fato este que dificulta o uso prático destas estratégias, e ainda, que o uso da Superposição esbarra no desconhecimento de parâmetros necessários à sua utilização.

Tabela I. Percentuais de Responsabilidades: comparação entre as metodologias

 Consumidor 1Consumidor 2Consumidor 3
Método CCNC15.22%96.26%67.72%
Método FPT0.00%100.00%0.00%
Método IEC0.03%24.86%0.47%
Método da Superposição0.00%23.83%0.00%
Método MEC0.05%25.62%0.00%

Diante das limitações apresentadas, reconhece-se, na atualidade, abordagens não invasivas para a obtenção de respostas com maior confiabilidade e que dispensam as restrições postas. Dentre as propostas, ainda que embrionárias quanto ao uso prático, destaca-se a técnica de Análise de Componentes Independentes (ICA, na sigla em inglês) [3]. Esta estratégia requer registros contínuos das grandezas em campo por prolongados períodos de amostragem. A partir de bancos de dados contendo o desempenho do FD e empregando procedimentos alicerçados em princípios estatísticos é mostrada a efetividade do processo de análise. Esta técnica se mostra promissora para o compartilhamento de responsabilidade entre os agentes, de forma simples e eficaz, requerendo, como dito, medições conduzidas através de equipamentos comercialmente disponíveis.

Autores: 

  • Vinícius Henrique Farias Brito – Doutorando da Universidade Federal de Uberlândia e Pesquisador do NQEE-UFU.
  • Márcio Arvelos Moraes – Dr. Professor Substituto do Instituto Federal do Triângulo Mineiro.
  • Bárbara Morais Gianesini – Doutoranda da Universidade Federal de Uberlândia e Pesquisadora do NQEE-UFU. 
  • José Carlos de Oliveira – PhD – Prof. colaborador da Universidade Federal de Uberlândia.
  • Raquel Cristina Filiagi Gregory – Profa. Dra. da Universidade Federal do Ceará e Pesquisadora do GREI-UFC e NQEE-UFU.

Referências: 

[1] M. A. Moraes, R. C. F. Gregory, B. M. Gianesini, J. C. de Oliveira, e I. N. Santos, “Comparative analysis of methods for sharing the responsibility of voltage imbalances in electrical systems”, in Anais da XIV Conferência Brasileira sobre Qualidade da Energia Elétrica, 2021, p. 2–7, doi: 10.17648/cbqee-2021-130581.

[2] Agência Nacional de Energia Elétrica, “Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica no Sistema Elétrico Nacional – Módulo 8: Qualidade da Energia Elétrica”, 2021.

[3] M. A. Moraes, V. H. F. Brito, e J. C. de Oliveira, “An Approach for Determining Voltage Imbalance Contributions Based on Complex Independent Component Analysis”, Energies, vol. 15, no 19, p. 7014, 2022, doi: 10.3390/en15197014.

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