A escassez hídrica levanta a bandeira. A eficiência energética desidrata

Aqueles que acompanham, vivem e sobrevivem com a gangorra dos níveis dos reservatórios nos últimos 30 anos entendem bem o que está acontecendo. Alguma hora teríamos um ponto fora da curva e aí está, chegamos a ele. Uma situação de redução da afluência fora das projeções causa esse alvoroço nos custos de energia elétrica, em infeliz coincidência, acompanhando o aumento dos combustíveis fósseis como o gás, gasolina e diesel. Quando alguma coisa pode dar errada, dará.

A matriz energética brasileira, apesar de ter se tornado mais limpa com geração renovável, pede água. Água para a geração de base, estocável, estável, firme, barata, limpa e confiável. Não temos mais isso e alguns autores defendem que talvez não voltemos a ter. As soluções renováveis não possuem as características desejáveis e os sistemas de armazenamento por baterias se aparentam como ainda distantes e de aplicação restrita.

A Resolução nº 3, de 31 de agosto de 2021 do Diário Oficial da União, instituiu mais uma bandeira que, por falta de cores, ainda mais vermelhas, aparece com terminologia específica na concepção do Decreto nº 8.401, de 4 de fevereiro de 2015, das bandeiras tarifárias.

Agora a nova bandeira tarifária que supera os custos da bandeira vermelha patamar 2 é tratada por “bandeira de escassez hídrica” com custos adicionais de R$ 142,00/MWh aplicados nas contas de energia dos consumidores. A tarifa da bandeira vermelha patamar 2, praticada até então em situações críticas era de R$ 94,90/MWh. A elevação da tarifa da bandeira tarifária foi de 49,63% em relação à situação da bandeira anterior, não significando que esse número represente o aumento real nas contas de energia.

O impacto na conta final dependerá dos custos da energia praticados em função do fornecimento de cada consumidor e seu enquadramento tarifário. Simulações que efetuamos em consumidores comerciais típicos em baixa e média tensão em mercado cativo da ENEL-SP apontam para o aumento da conta por efeito da nova bandeira em relação à tarifa da bandeira verde (tarifa sem incremento) da ordem de 25%. A esse índice deve ser aplicado cumulativamente o reajuste anual, nas tarifas básicas que as distribuidoras têm direito no ACL.

Alguns dias antes à publicação da nova bandeira tarifária, foi publicado o decreto do poder executivo 10.779, de 25 de agosto de 2021, que estabelece medidas para a redução do consumo de energia elétrica no âmbito da administração pública federal com algumas das recomendações básicas e velhas conhecidas sem qualquer menção a programas sérios como aqueles regidos por protocolos de M&V ou pela ISO 50001 que o próprio programa de eficiência energética da Aneel-PROPEE preconiza. Aliás, como dizia o sempre saudoso amigo Oscar de Lima e Silva, “os programas de eficiência energética são sempre lembrados de forma conjuntural para atenuação de crises e nunca estruturalmente”. Mas dessa vez, amigo, esses programas foram desdenhados e esquecidos, apagar a luz quando não se está no ambiente, tomar banhos mais curtos, desligar o ar-condicionado… mais do mesmo e sem grandes resultados práticos. Tudo isso acontecendo em um ambiente político polarizado, desequilíbrio de interesses entre os três poderes, eleições próximas, notícias de uma imprensa não isenta, e bobagens que somos convidados a ouvir nas redes sociais, onde a busca da verdade nem sempre é conveniente. Pagamos por um modelo estruturado de forma equivocada, atribuindo a políticas de governo o que deveria ser de Estado.

Outras variações sobre o mesmo tema consideram ainda a tramitação do marco legal da GD tendo a geração fotovoltaica como a mais interessada e a definição a ser discutida dos valores a serem remunerados pelos acessantes à rede das distribuidoras para conexão.

Vamos esperar que não somente o nível dos reservatórios aumentem, mas também o nível técnico das decisões. Definitivamente pedir ao último que sair que apague a luz não é a nossa expectativa. Que tenhamos dias melhores e mais iluminados!

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