A eficiência energética pode aumentar o consumo de energia?

A ação de eficiência energética estabeleceu-se como um mecanismo para a redução da emissão de gases de efeito estufa. A ideia é simples – ao implementar tecnologias ou ações que reduzem o consumo de energia elétrica, poupa-se energia e consequentemente a emissão é menor. A Agência Internacional de Energia (IEA) enfatiza, que a eficiência energética, tem potencial de representar 40% das reduções globais, nas emissões de gases de efeito estufa necessárias até 2040, para atingir os objetivos climáticos globais, delineados no Acordo de Paris.

No caso brasileiro, as diretrizes caminham na mesma linha da IEA. O Plano Nacional de Eficiência Energética, publicado pelo Ministério de Minas e Energia, em suas premissas e diretrizes básicas, também atua no sentido da aplicação dos mecanismos de eficiência energética como estratégia para reduzir a emissão de CO2.

Entretanto, um fenômeno já observado há mais de 150 anos, traz uma série de dúvidas sobre essa simples, lógica e até intuitiva descrição. No século XIX, William Stanley Jevons, famoso economista inglês, registrou em seu livro A Questão do Carvão, de 1865, que as melhorias de eficiência no uso de carvão na Escócia entre 1830 e 1863 levaram a um aumento em sua demanda, não a uma diminuição, como poderia ser inferido. Nas palavras de Jevons (1865):

A redução do consumo de carvão, por tonelada de ferro, para menos de um terço do seu valor anterior, foi seguida, na Escócia, por um consumo total dez vezes superior, para não falar do efeito indireto do ferro barato na aceleração de outros ramos da indústria que consomem carvão.

Nessa perspectiva, Jevons apresenta um caso extremo do que hoje conhecemos como “efeito rebote”. A ideia do economista se desenvolve da seguinte forma: uma melhoria da eficiência energética na utilização de um recurso, por exemplo, gasolina com carros mais eficientes energeticamente, conduz a uma redução do custo de um serviço energético prestado por esse recurso, como o transporte individual. Esse serviço de energia, “agora mais barato”, impulsiona sua própria demanda, aumentando ainda mais o uso do recurso em questão, caracterizado como efeito rebote direto.

Outra possibilidade é o efeito rebote indireto, o qual é provavelmente muito mais importante no médio e longo prazos. Esse fenômeno ocorre quando não há demanda adicional por esse serviço de energia, a economia monetária pode ser utilizada para consumir outros bens ou serviços, que precisam de energia para serem produzidos.

Para tornar mais didática nossa discussão, podemos realizar um experimento mental. Imaginemos a situação em que os carros se tornem muito mais eficientes em termos de combustível. Como consequência, iremos usá-los mais ou até mesmo comprar outros maiores. Isso também nos possibilitaria mudarmos para outra cidade, pois utilizaríamos a mesma quantidade de combustível morando mais longe e deslocando-nos.

Estudos realizados desde a década de 1980 mostraram que há efeito rebote em muitas áreas, podendo variar entre “rebotes leves”, e até mesmo casos extremos em que o tiro saiu pela culatra. Podemos afirmar, assim, que há consenso sobre sua existência, mas ainda não sobre sua extensão. Nesse sentido, no campo da pesquisa, já é bastante aceito que as tecnologias de propósito geral (eletricidade, automóveis, internet, dentre outras) tendem a reproduzir o Paradoxo de Jevons.

Dito isso, uma questão central surge neste debate: Devemos parar de incentivar a eficiência energética e as políticas de conservação de energia? Estamos gerando mais impactos e afastando-nos da sustentabilidade ou da mitigação das mudanças climáticas?.

Faz-se imperioso, então, não só defender, mas aplicar fortemente a eficiência energética. Isso, menos por sua capacidade de reduzir as emissões, e mais por seus efeitos sobre a produtividade global do sistema econômico, e para aumento do conforto das famílias. Desde a Revolução Industrial, a tecnologia tem sido bem-sucedida em ampliar a eficiência no uso da energia. No entanto, tais avanços não têm levado ao recuo no consumo per capita de energia. Aliás, se assim fosse, com as tecnologias e a eficiência atuais, deveríamos observar menos problemas ambientais, não o aumento deles. Afinal, somos hoje muito mais eficientes que há 150 anos, mesmo sendo mais pessoas.

Da análise cuidadosa das afirmações de Jevons, podemos concluir que não existe uma solução mágica para reduzir o consumo de energia e enfrentar as mudanças climáticas nos dias de hoje. O paradoxo de Jevons, que destaca o potencial impacto negativo nos esforços relacionados à energia e ao clima, também nos obriga a adotar uma abordagem multidisciplinar que reconheça a complexidade inerente à formulação de políticas e leve em consideração plenamente as forças econômicas, sociais e comportamentais envolvidas nesse processo.

Autor:

Por Danilo de Souza, engenheiro eletricista pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
É especialista em Energia e Sociedade pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
mestre em Energia e pesquisador no Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da Universidade de
São Paulo (USP). Danilo é professor na Universidade Federal de Mato Grosso, sendo membro
do Núcleo Interdisciplinar de Estudos em Planejamento Energético – NIEPE, e é Coordenador
Técnico do CINASE – Circuito Nacional do Setor Elétrico | www.profdanilo.com

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