A circulação de correntes de terceira harmônica pelo condutor de proteção (PE) durante transientes de manobra em sistemas trifásicos

A circulação de correntes de terceira harmônica pelo condutor de proteção (PE) durante transientes de manobra em sistemas trifásicos

O artigo apresenta um “case” de atuação intempestiva da proteção de fuga à terra (GS) durante transitório de corrente devido à transição de fonte de alimentação de cargas compostas por transformador que alimenta sistemas compostos por UPSs, fontes ininterruptas de energia (em tradução livre), que possuem na entrada retificadores construídos com IGBTs. A Figura 1 ilustra o esquemático da alimentação típica, composto por:

  • 1 fonte 13,8 kV da distribuidora local;
  • 1 fonte de contingência composta por geradores em paralelo;
  • Chaves de transferência trifásicas com manobra fechada (sincronizada), duas entradas de fontes e uma saída para a carga;
  • Transformador de alimentação dos sistemas UPS ligados em DYn aterrado com secundário em 480V/60Hz. Neutro não distribuído;
  • Esquema de aterramento TN-S, adequado ao suprimento de cargas de tecnologia de informação;
  • QGBTs com disjuntores gerais com as funções de proteção de 50/51 e 50/51 GS;
  • Proteção de fuga à terra 50/51GS baseada na corrente diferencial definida como a soma vetorial das correntes de fase. A corrente prevista de fuga à terra “It” é, portanto, definida como: It=I1+I2+I3, em que I1, I2 e I3 são as correntes (vetoriais) de linha das 3 fases de alimentação da carga (trafo + UPS);
  • Os UPS possuem retificadores de entrada concebidos com IGBT sem transformadores que proporcionam ao sistema elétrico alto rendimento, baixas perdas, alto fator de potência e baixa distorção de corrente harmônica.

A fim de investigar a atuação intempestiva da proteção de fuga à terra durante o start-up do sistema, foram efetuadas medições nos QGBTs (no disjuntor geral) com a utilização de instrumentos classe A (IEC 61000-4-30) com taxas de amostragem de 256 e 512 amostras por ciclo e integração a cada ½ ciclo na avaliação dos valores eficazes. Foram registrados os comportamentos das tensões e as correntes representadas nas figuras que se seguem.

Figura 1 – Módulo de esquema unifilar simplificado (utilizado em múltiplos módulos).

A Figura 2 apresenta o comportamento da tensão de alimentação do QGBT1, onde se observam transientes devido às manobras de transição das fontes durante os testes.

Figura 2 – Tensão de alimentação no QGBT.

A Figura 3 apresenta o comportamento das correntes fundamentais (I1) e de terceiras harmônicas (I3) nas fases (1,2,3) e no condutor PE (correntes diferenciais). Durante essas medições, o trip do disjuntor foi inabilitado permitindo a visualização do fenômeno para a investigação das causas da atuação da proteção GS. Observa-se que, independentemente do valor da carga, as correntes diferenciais de 3ª harmônica (que circulam pelo PE) se repetem a cada transiente superando 1000 amperes.

A Figura 4 ilustra o comportamento das correntes eficazes (I1,I2,I3 e It) durante o período transitório em valores integrados a cada ½ ciclo. 

A Figura 5 complementa a Figura 4 e apresenta a decomposição das correntes eficazes em fundamentais e de terceira harmônica das fases e da mesma forma da corrente no PE (correntes diferenciais) nas frequências fundamentais e terceira harmônica. Pode-se observar na Figura 5 que a corrente diferencial praticamente não apresenta componente de corrente fundamental. Portanto, todo o conteúdo da corrente diferencial (tratada pelo instrumento de medição como I leakage) é de terceira harmônica. Note que a corrente diferencial na frequência fundamental é aquela que indica defeito de fuga à terra e o sistema de proteção deve estar pronto a detectá-la e promover o trip do disjuntor de forma adequada.

Figura 3 – Comportamento das correntes fundamentais e terceiras harmônicas nas fases e correntes diferenciais no PE (corrente de fuga ou leakage) medidas no disjuntor geral.
Figura 4 – Zoom com detalhe da Figura 3 – correntes nas fases (I1, I2, I3 e I diferencial (leakage).
Figura 5 – Indicações de correntes fundamentais e de terceira harmônica nas fases e correntes diferenciais fundamentais e de terceira harmônica.

A Figura 6 ilustra o comportamento das formas de onda de correntes harmônicas (exclusivamente) nas fases e a corrente diferencial. Nota-se que o módulo da corrente diferencial é quase o triplo da corrente relativa às fases e o período é de aproximadamente 5,5 ms/180Hz. A corrente pelo PE tem como característica dominante a terceira harmônica.

A Figura 7 apresenta o comportamento das formas de onda de corrente nas fases na frequência fundamental.

O fenômeno é bastante semelhante à situação clássica e bem conhecida, que ocorre quando são alimentadas cargas monofásicas não lineares por sistema trifásico com neutro, contudo, ao contrário dessa situação, onde as correntes de terceira harmônica no neutro atingem valores da ordem de até 1,73 vezes a corrente das fases. O registro da Figura 4 indica que a sincronia das correntes de terceira harmônica nas fases leva a corrente diferencial a valores de três vezes em relação a essas correntes das fases em situação de baixa carga, já que, independentemente do valor das correntes de fases, a corrente diferencial varia muito pouco e supera os 1000 A conforme mostra a Figura 3.   

Figura 6 – Formas de onda de correntes harmônicas nas fases e corrente harmônica diferencial.
Figura 7 – Formas de onda de correntes fundamentais nas fases e corrente fundamental diferencial.

Conclusões:

  • Apesar de o sistema de alimentação e de a própria carga serem concebidos como trifásicos, devido à transferência fechada ocorrer com pequeno desvio angular, o comportamento da corrente de in rush do UPS possui importante componente de terceira harmônica. A corrente diferencial que é somada vetorialmente no condutor de proteção PE utilizado na ligação do equipamento pode sensibilizar o relé, desligando de forma intempestiva o rele do disjuntor geral;
  • O sistema de proteção da alimentação do UPS deve considerar a aplicação de relé que possua a capacidade de inibir o trip da função GS na presença da corrente diferencial de terceira harmônica durante a transição das fontes, mantendo a sensibilização da componente fundamental da corrente diferencial, sem prejuízo ao sistema de proteção de fuga à terra (GS);  
  • Caso o relé do disjuntor não possua essa função de inibição da atuação da corrente diferencial em terceira harmônica, pode-se instalar um relé específico para a proteção diferencial com restrição à terceira harmônica, garantindo a necessária proteção GS.

Autor:

Por José Starosta, diretor da Ação Engenharia e Instalações e membro da diretoria do Deinfra-Fiesp e da SBQEE.

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