50 anos da tragédia do Edifício Joelma

Por: Danilo Ferreira de Souza

Na manhã do dia 1º de fevereiro de 1974, em uma sexta-feira nublada, São Paulo foi palco de um desastre sem precedentes. Por volta das 8h30, um curto-circuito nos cabos elétricos que alimentavam um ar-condicionado desencadeou o incêndio devastador no Edifício Joelma, localizado no coração da cidade. A tragédia foi uma das mais severas já registradas na metrópole, tendo como causas raízes a falta de manutenção e o não cumprimento das normas técnicas referentes às instalações elétricas.

As faíscas oriundas do curto-circuito encontraram um terreno fértil no 12º andar do Joelma, um ambiente repleto de materiais inflamáveis como carpetes, forros de espuma e divisórias de madeira. Situado na Rua Santo Antônio, 140, no bairro da Bela Vista, o edifício não possuía infraestrutura de segurança contra incêndios, como paredes corta-fogo entre os andares, que são mandatórias atualmente. Em poucos minutos as chamas obstruíram a única rota de fuga e avançaram rapidamente para os andares superiores, alcançando o 23º andar em aproximadamente 30 minutos. No momento do incêndio, cerca de 750 pessoas estavam no prédio; destas, mais de 300 sofreram ferimentos e, lamentavelmente, ao menos 187 vidas foram perdidas.

Para evitar a repetição de tragédias como a do Edifício Joelma, duas questões cruciais emergem: o que já foi feito e o que ainda podemos fazer. Nos últimos 50 anos, testemunhamos avanços significativos em tecnologias de combate a incêndios e na proteção de instalações elétricas, além de melhorias nos procedimentos do Corpo de Bombeiros e das brigadas internas, bem como nas normas técnicas de instalações elétricas. No entanto, analisando o cenário da catástrofe do Joelma, fica evidente que, mesmo na década de 70, a tragédia poderia ter sido evitada com as tecnologias, normas e procedimentos existentes no Brasil naquela época. O problema residia na falta de cumprimento das normas, na falta de inspeções e de manutenção das instalações elétricas, além da ausência de dispositivos de proteção contra sobrecorrentes.

Uma análise atual das instalações elétricas revela cenários preocupantes em que desastres como o ocorrido no edifício Joelma possam se repetir. Visando reduzir as probabilidades de eventos dessa natureza, a Associação Brasileira para Conscientização dos Perigos da Eletricidade (Abracopel) conduz pesquisas sobre a qualidade das instalações elétricas no Brasil. Um elemento crucial na prevenção de fugas de corrente elétrica, choques e incêndios é o Dispositivo Diferencial Residual (DR), obrigatório desde 1997 pela NBR 5410 – Norma Brasileira de Instalações Elétricas de Baixa Tensão. Contudo, de acordo com o estudo “Raio X das Elétricas Residenciais e Comerciais Brasileiras”, publicado pela Abracopel, cerca de 79% das residências e 60% das edificações comerciais e públicas no Brasil ainda não estão equipadas com o DR em suas instalações elétricas, e mais da metade dos incêndios urbanos têm origem em falhas nas instalações elétricas.

Um componente vital para garantir a segurança dessas instalações é o sistema de aterramento, identificado pelo condutor verde de proteção. No Brasil, a realidade é preocupante: mais de 48% das residências e 41% dos estabelecimentos comerciais carecem deste recurso essencial. Além disso, toda instalação elétrica deve ser projetada e executada por profissionais habilitados, mas infelizmente, verifica-se que 71% das residências e 54% dos comércios não possuem sequer um projeto elétrico definido.
Estes dados alarmantes nos desafiam a promover mudanças urgentes para evitar tragédias como a do edifício Joelma. Pode-se pensar, que devido à qualidade das instalações elétricas brasileiras, por sorte acidentes similares ao Joelma não ocorrerem com maior frequência no Brasil. Entretanto, esta é uma falsa percepção. Embora o Joelma tenha sido um caso extremo de incêndio de origem elétrica com numerosas vítimas, o número total de incêndios e vítimas vem crescendo assustadoramente. Em seis anos, houve um aumento de quase 100% nos casos, saltando de 451 registros em 2016 para 874 em 2022. Estes números refletem uma realidade que não pode ser negligenciada.

Ao relembrarmos os 50 anos da tragédia do Edifício Joelma, somos confrontados com uma realidade inquietante que transcende a memória de um único evento. Este é um chamado coletivo para a atenção com a segurança das instalações elétricas. As chamas do Joelma não foram apenas um incêndio, mas um símbolo da urgência de mudanças na segurança das instalações elétricas. As 187 vidas perdidas devem nos lembrar da necessidade de construção de um futuro mais seguro. Juntos, temos o poder de escrever um novo capítulo, onde o respeito às normas de segurança e a conscientização sobre os perigos da eletricidade sejam pilares inabaláveis de nossa sociedade.

Danilo de Souza é pesquisador no Instituto de Energia e Ambiente da USP, e professor na UFMT.

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