Segurança em trabalhos com eletricidade

Edição 65 – Junho 2011
Por Guilherme Alfredo Dentzien Dias e Marcos Telló

Avaliação do efeito de campos de baixa frequência sobre próteses implantadas em trabalhadores que executam atividades de manutenção ao potencial

A partir de um caso real – em que uma pessoa que possui prótese metálica e exerce as suas funções de eletricista empregando a técnica de manutenção ao potencial, reclamou de desconforto na prótese ao exercer suas atividades normais –, resolveu-se fazer uma avaliação de tal situação.

Para tanto se empregou uma abordagem analítica por meio da impedância de transferência e modelou-se o campo magnético, a blindagem (vestimenta condutiva) e a prótese, buscando verificar se é possível a circulação de corrente em tal prótese metálica.

Apesar da simplicidade da avaliação, verificou-se que é possível que exista circulação de corrente na prótese e desconforto decorrente de tal circulação de corrente.


Objetivo

Com frequência, em palestras e cursos ministrados, surgem questões sobre a possibilidade de pessoas com prótese mecânica executarem ou não manutenção em subestações ou linha de transmissão utilizando a técnica de linha viva, pelo método ao potencial. Tal questionamento ocorre muitas vezes pela constatação de que algumas empresas do setor elétrico (pública e privada) não disporem de regulação sobre este assunto. Assim sendo, este artigo tem a intenção de iniciar a discussão sobre o tema, apresentando, para tanto, o conceito de impedância de transferência pela blindagem (vestimenta condutiva). A impedância de transferência é um conceito utilizado para avaliar a eficiência de uma blindagem.


Manutenção por meio da técnica de linha viva, método ao potencial

A manutenção de subestações e linhas de transmissão, por meio da técnica de linha viva pelo método ao potencial caracteriza-se, genericamente, pelo fato de a instalação e os componentes a serem objeto de manutenção estarem energizados e o acesso a tais componentes exigir a utilização de material isolante, bem como de vestimenta condutiva. A Figura 1, a seguir, ilustra a técnica de manutenção citada.

 

 

A utilização de vestimenta condutiva é justificada na medida em que se considera o interior da vestimenta como um sistema isolado, imune a interferências elétricas externas. Ou seja, a vestimenta condutiva é considerada como uma blindagem para os campos elétricos e magnéticos.

A questão que se impõe é: até que ponto o interior da vestimenta condutiva é um sistema isolado? E mais, se não for um sistema isolado, o campo que penetra pode provocar efeitos indesejáveis naqueles trabalhadores que possuem próteses metálicas implantadas? A tentativa de responder aos questionamentos feitos será apresentada por um desenvolvimento analítico, que objetiva utilizar metodologia simplificada para entendimento do fenômeno e para a avaliação da impedância de transferência, a qual indica a “eficiência” de uma blindagem.


Impedância de transferência (efetividade da blindagem)

A condutividade dos materiais utilizados nas blindagens, bem como a pequena espessura e as pequenas aberturas existentes, permite que campos elétricos e magnéticos penetrem pela blindagem e induzam correntes no meio existente em seu interior. Assim, torna-se necessário avaliar a efetividade da blindagem. Pode-se avaliar a efetividade de uma blindagem de duas formas, a saber: (a) calculando-se a relação entre o campo incidente (Ei) sobre a blindagem e o campo transmitido  por ela (Et), ou (b) calculando-se a impedância de transferência ZT.

 

A metodologia (a) utiliza a seguinte expressão (em decibéis), para a efetividade da blindagem EB [1]:

 

A figura 2 traz uma ilustração referente à relação entre campo incidente e campo transmitido por meio de uma blindagem. A figura 2 é mostrada com a finalidade de entendimento do fenômeno.

 

A impedância de transferência de uma blindagem cilíndrica é definida pela relação entre a queda de tensão no interior da blindagem pela corrente circulando na superfície externa da blindagem, ou seja:

 

Na expressão (2), I é a corrente circulando pela blindagem e L é o comprimento considerado. Em algumas situações pode-se utilizar uma simplificação pela expressão (3), em que Vt é a tensão no interior da blindagem, I é a corrente na blindagem e L é o comprimento considerado da blindagem. Assim, tem-se:

 

É importante ter em mente que será melhor a blindagem quanto menor for o valo de ZT.

Para uma blindagem tubular, a impedância de transferência pode ser dada pela expressão de Schelkunoff:

 

 

Nas equações (4a) e (4b), tem-se que r, t, σ, d, f, m são o raio interno da blindagem, a espessura da sua parede, sua condutividade elétrica, sua profundidade de penetração, a frequência e a permeabilidade magnética da blindagem, respectivamente. Ainda, pode-se ter:

 

Em que Rcc é o valor de resistência contínua da blindagem. A expressão (5a) predomina em baixas frequências, enquanto a expressão (5b) predomina em altas frequências. A Figura 3 apresenta pictografia dos parâmetros de interesse relacionados com a impedância de transferência.

 

 

 

É importante salientar que a impedância de transferência e, por consequência, a efetividade da blindagem, podem diferir de forma significativa para diferentes tipos de blindagem.

 

Definidos os parâmetros relativos à eficiência de uma blindagem e com a finalidade de facilitar o entendimento do fenômeno, suponha-se que existam dois circuitos, a saber: um circuito perturbado (por exemplo: corpo humano), o qual se encontra dentro de uma superfície fechada (vestimenta condutiva), fora do qual se encontram o circuito perturbador, linhas de transmissão ou subestações energizadas. Para efeito de entendimento, conceba-se que a superfície citada pode ser considerada como a blindagem de um cabo coaxial, permitindo, assim, que todos os efeitos de interferência possam ser analisados como correntes que penetram pela superfície (blindagem) de um cabo coaxial.

A vestimenta condutiva, utilizada para trabalho em linha viva, método ao potencial caracteriza-se por possuir minúsculas aberturas, as quais podem permitir a penetração do campo magnético, provocando, assim, interação deste campo com o meio (circuito) interno.

A Figura 5, a seguir, apresenta a variação da indução magnética, em função da distância, para algumas tensões de operação no SEP (Sistema Elétrico de Potência).

A indução elétrica B, variando de forma no tempo, produzirá um campo elétrico (campo incidente), que pode ser determinado pela seguinte expressão (simplificada a partir da Equação de Maxwell:

Em que S e L são a área e o comprimento considerados, quando da incidência de um valor máximo de indução magnética (BMÁX).

Com a finalidade de exemplificação, examinar-se-á, inicialmente, se o campo “atravessa” uma blindagem que possui espessura (t) de 0,085 mm, relação de S/L igual a 1,0m e o produto
mσ = 50. Considere ainda que a indução magnética (valor máximo) seja de 33 x 10-7 T, o que corresponde a um valor de indução magnética, com variação no tempo, distante 5 m de uma linha de transmissão 230 kV (ver Figura 5). Para os parâmetros apresentados, tem-se
E(r) = 1,24 mV/m e a profundidade de penetração (d) – ver equação (4b) é, da ordem, de 10 mm.

 

É usual considerar que o campo torna-se desprezível quando se tem a profundidade de penetração igual a 3d. Assim, a espessura da blindagem considerada (0,085 mm) é inferior a 3d (30 mm), caracterizando que o campo penetrará para o interior da blindagem.

Mecanismos de acoplamento

Neste item, serão apresentados os mecanismos de acoplamento entre campos elétricos e magnéticos de baixa frequência e o corpo humano. A exposição a campos eletromagnéticos variáveis no tempo resulta em correntes internas no corpo e na absorção de energia nos tecidos, fenômenos que dependem dos mecanismos de acoplamento e da frequência envolvida. Existem três mecanismos básicos de acoplamento por meio dos quais campos elétricos e magnéticos variáveis no tempo interagem diretamente com matéria viva, a saber:

(a) Acoplamento a campos elétricos de baixa frequência;

(b) Acoplamento a campos magnéticos de baixa frequência;

(c) Absorção de energia de campos eletromagnéticos.

A interação de campos elétricos variáveis no tempo com o corpo humano resulta em um fluxo de cargas elétricas (corrente elétrica), na polarização de cargas ligadas (formação de dipolos elétricos) e na reorientação dos dipolos elétricos já presentes no tecido. As amplitudes relativas destes diferentes efeitos dependem das propriedades elétricas dos tecidos que formam o corpo humano, isto é, da condutividade elétrica (que rege o fluxo da corrente elétrica) e da permissividade (que rege a amplitude dos efeitos de polarização). A condutividade elétrica e a permissividade variam com o tipo do tecido. Assim, os campos elétricos externos ao corpo induzem nele uma carga superficial; daí resultando correntes induzidas no corpo, cuja distribuição depende das condições de exposição, do tamanho e forma do corpo e da posição deste no campo.

A interação física de campos magnéticos variáveis no tempo com o corpo humano resulta na criação de campos elétricos induzidos e correntes elétricas circulantes. As amplitudes dos campos induzidos e a densidade da corrente são proporcionais ao caminho fechado escolhido, à condutividade elétrica do tecido, à taxa de variação e à amplitude da densidade do fluxo magnético. Para uma dada amplitude e frequência do campo magnético, os campos elétricos mais intensos são induzidos onde as dimensões do laço são maiores; sendo que o caminho exato e a amplitude da corrente induzida em qualquer parte do corpo dependerão da condutividade elétrica do tecido.

A exposição a campos elétricos e magnéticos de frequência baixa resulta

normalmente em uma absorção de energia desprezível, sem elevação mensurável da temperatura do corpo. Entretanto, a exposição a campos eletromagnéticos de frequências acima de, aproximadamente, 100 kHz pode conduzir a uma absorção significativa de energia e a um aumento de temperatura. Em geral, a exposição a um campo eletromagnético uniforme (onda plana) resulta em uma deposição e distribuição de energia altamente não uniforme dentro do corpo, que precisa ser avaliada por medidas dosimétricas e por cálculos.

Avaliação do impacto da impedância de transferência

Neste item será avaliado o impacto da impedância de transferência sobre o meio biológico. A expressão (7), a seguir, permite avaliar o efeito de penetração de campos em um meio biológico. Tal expressão é diferente da apresentada em (4b). Assim, para o meio biológico tem-se a seguinte expressão para a profundidade de penetração de campos:

 

 


Como exemplo, determinar-se-ão os valores de densidade de corrente sobre uma prótese de platina (σ = 94,3 x 106 Sm-1), a qual apresenta formato cilíndrico, considerando diversos valores de campo elétrico incidindo sobre a prótese citada. Isso posto, será considerado que o campo incidindo sobre a blindagem, ou seja: E(r) = 1,24 mV/m, sofre atenuações, as quais serão aplicadas sobre a prótese cilíndrica hipotética que possui raio de 20 mm, espessura de 0,085 mm e altura de 50 mm. Na Tabela 1 são apresentados os valores de campo induzido (atenuado) incidindo sobre a prótese, a densidade de corrente induzida, a corrente induzida, bem como a potência dissipada na prótese.

Conclusões e recomendações

A partir do apresentado, que se caracterizou por ser uma abordagem analítica simplificada, pode-se concluir:

  1. A impedância de transferência pode caracterizar a efetividade de uma blindagem;
  2. As blindagens não são perfeitas (permitem a passagem de campos elétricos e magnéticos);
  3. Valores não nulos da impedância de transferência indicam a existência de campos elétricos e magnéticos no interior das blindagens;
  4. A formulação analítica permite estimar alguns parâmetros de interesse, bem como avaliar quais parâmetros influenciam a circulação de uma maior, ou de uma menor, corrente induzida em uma prótese metálica;
  5. Os valores adotados, para os diversos parâmetros, são ilustrativos;
  6. Sugere-se fazer medições, nas vestimentas condutivas, para avaliar os valores de campo elétrico induzidos em seu interior;
  7. Sugere-se fazer medições no interior de vestimentas condutivas, onde em seu interior serão colocadas diversas próteses em locais distintos, para avaliar as correntes induzidas nas próteses referidas;
  8. Na ausência de estudos e medições adequados, pessoas com prótese devem ser impedidas de executar serviços de manutenção ao potencial utilizando, principalmente, a técnica ao potencial.

Referências

BASTOS, J. P. A. Eletromagnetismo e cálculo de campos. Florianópolis: Editora da UFSC, 1989.

BC Transmission Corporation “Understanding Electric and Magnetic Fields”. Disponível em: <http://www.bctc.com>.

Foto obtida do endereço: <http://img.photobucket.com/albums/v503/KQT/1torno1-1.jpg>. Acesso em: 31 maio 2010.

HO ANG, L. H.; SCORRETTI, R.; BURAIS, N.; VOYER, D. Numerical Dosimetry of Induced Phenomena in the Human Body by Three-Phase Power Lines. IEEE Transactions on Magnetics, v. 45, n. 3; Mar. 2009, p. 1.666-1.669.

HOEFT, L. O. Measured Electromagnetic Shielding Performance of Commonly Used Cables and Connectors. IEEE Transactions on Electromagnetic Compatibility, v. 30, n. 3, Aug. 1988, p. 275.

Projeto de pesquisa e desenvolvimento: desenvolvimento de metodologia para avaliação dos níveis de emissão de campos elétricos e magnéticos gerados por subestações e linhas de energia elétrica. CEEE-D/UFSC, 2007.

TELLÓ, M.; DIAS, G. A. D. Computation of Currents Densities in Human Body Due to Exposure of Low Frequency Fields. VI Biennial IEEE Conference on Electromagnetic Field Computation (CEFC’94). Grenoble Aix-les-Bains, 1994.

TELLÓ, M.; DIAS, G. A. D. Determinação do campo elétrico e da densidade de corrente no ser humano utilizando o MEF-3D. XII Seminário Nacional da Produção e Transmissão de Energia Elétrica (SNPTEE). Recife, 1993.

TELLÓ, M. et al. Uso da corrente elétrica para o tratamento do câncer. EDIPUCRS. Porto Alegre, 2004.

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