Segurança do trabalhador e o adicional de periculosidade

Edição 95 – Dezembro de 2013
Por João José Barrico de Souza 

No ano em que se completou os 70 anos de CLT, e diante das voltas e reviravoltas relacionadas ao adicional de periculosidade por eletricidade, há já um ano sem regulamentação. Peço, então, licença aos leitores para trazer a esta coluna um pouco do que se apresentou no encerramento do Terceiro Congresso Internacional do Direito do Trabalho, em 6 de setembro de 2013, promovido pela Academia Nacional de Direito do Trabalho.

É certo e inegável que os adicionais salariais têm cada qual uma razão de raiz:

  • Seja para atrair trabalhadores para um determinado ramo de atividade (Petrobras);
  • Seja para dar uma satisfação à população trabalhadora de um certo segmento (portuários em 1965 e césio, em Goiânia);
  • Seja para viabilizar um projeto de governo (insalubridade no funcionalismo público paulista – LC- 432);
  • Seja a concessão de um aumento salarial dirigido de forma que não se justificasse a mesma demanda por outras categorias (adicional de periculosidade por eletricidade em 1985);
  • Seja até por razões mais abjetas como políticas e eleitoreiras (insalubridade para professores; periculosidade para motoqueiros, periculosidade para bombeiro civil).

De modo geral, os adicionais são sempre direcionados a um grupo, a um setor, a uma categoria profissional e para justificar a injustiça com as demais categorias é preciso ser vinculado ou justificado com uma razão técnica, mesmo que seja aparente, como aparentemente é.

Embora haja previsão em nossa constituição, é muito difícil explicar que alguém receba 30% a mais de salário por expor a sua vida ao trabalho, ou em outras palavras, que a vida dele vale menos que um terço do valor do trabalho que ele faz. Visto por um ângulo mais sombrio, o adicional de periculosidade se traduz como uma permissão para matar.

Por princípio, não somos donos de nossas vidas e por isso não as podemos expor e nem mesmo vendê-las, já que a vida não tem preço. Mas a aplicação do que foi demandado, negociado e legislado depende da regulamentação, a cargo do poder executivo.

Esse é o meio de passar ao técnico (médico do trabalho ou engenheiro de segurança) a responsabilidade de dar ou negar as benesses que foram estipuladas na fase anterior, a da legislação (negociada).

Assim foi o adicional de periculosidade, fruto de antiga demanda dos eletricitários, que tomou vulto em 1976 e só vingou decisivamente em 1985, contando com a assinatura de Aureliano Chaves, ex-Ministro de Minas e Energia (Lei 7.369/85). Foi direcionado especificamente aos trabalhadores do setor de energia elétrica.

Seguindo a rotina, foi elaborada a regulamentação pelo poder executivo que resultou no Decreto 93.212/85, cujo texto inicial foi elaborado pela Associação dos Engenheiros da Eletropaulo e encaminhado para a Comissão Regulametadora por meio do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo. É importante observar que o tal Decreto nem mesmo exigia a perícia, apenas relacionava as atividades de eletricitários e as áreas de trabalho que foram chamadas de áreas de risco; todas elas em instalações integrantes dos sistemas elétricos de potência, que é o termo técnico correspondente ao setor de energia elétrica.

Revogado, o Decreto 92.212 foi substituído pelo 93.412 /86 que definiu proporcionalidade. Impôs a necessidade da realização de perícia técnica e estabeleceu que medidas de proteção adequadas dispensariam o pagamento do adicional. Manteve na íntegra, incluindo os erros de grafia, o mesmo quadro anexo do Decreto anterior.

Demandas das mais variadas, polêmicas e interpretações absolutamente leigas, desvios, alguns compreensíveis e muitos outros, nem tanto, geraram farta jurisprudência e culminaram com a orientação jurisprudencial OJ 0324 (que já foi objeto desta coluna). Em poucas palavras, a Orientação Jurisprudencial ratificou o que o Decreto já estabelecia, mas incluiu um termo novo, aparentemente técnico, mas extremamente subjetivo, “o risco equivalente”.

Este termo só tem sentido se consideradas todas as variáveis que podem agravar ou minimizar o risco por meio de medidas de controle. As variáveis que influenciam o risco elétrico, se consideradas as instalações do sistema elétrico de potência e as instalações de consumo, nas indústrias, comércio e utilização em geral, são muitas e difíceis de se comparar, quanto mais de mensurar para estabelecer equivalência.

Resultado: sobrou para o técnico medir e comparar coisas que não tem parâmetro para medição. Mais recentemente revogou-se tudo o que havia, esquecendo as origens, a intenção do legislador, o foco da lei e da regulamentação e se estabeleceu o direito ao adicional de forma simplória, leiga e de regulamentação muito difícil.

A Lei 12.740, de 8 de dezembro de 2012, que alterou o artigo 193 da CLT, revogou a Lei 7.369/85 e, por consequência, o Decreto 93.412/86 que a regulamentava incluiu como perigosas as atividades com eletricidade e a atividade que expõe o trabalhador a roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial. Traduzindo, o trabalhador deve ser remunerado pelo empregador porque o estado não cumpre o seu dever constitucional de oferecer segurança à vida e integridade do cidadão – isso é segurança pública e não segurança do trabalho.

Voltando ao foco da discussão que se processa há meses para regulamentar o que foi escrito em lei, com relação à eletricidade, é inegável que se trata de uma negociação financeira salarial que, mais uma vez, vai buscar razão na segurança do trabalho, ou na falta dela.

Enquanto isso, os acidentes servem para justificar a periculosidade ao invés de servirem de razão para implantação de medidas de controle e de proteção efetiva ao trabalhador.

Ao comemorar os 70 anos da CLT, o que se deveria fazer é desmercantilizar a saúde e a segurança do trabalhador. Salário é bem-vindo, mas não é medida de segurança.

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