Potencial energético dos resíduos sólidos como uma alternativa para a diversificação da matriz de energia elétrica

Edição 120 – Dezembro de 2015
Espaço IEEE
Por Ricardo Drudi*

Uma das grandes preocupações mundiais refere-se à dificuldade em se encontrar os parâmetros adequados para a tríade do desenvolvimento sustentável. Esforços para se equacionar adequadamente as dimensões social, econômica e ambiental da sustentabilidade têm sido buscados por muitos países e organizações, culminando com a recente COP 21, cuja tarefa de estabelecer padrões para as emissões de gases do efeito estufa revelou-se hercúlea. Para países em desenvolvimento, como o Brasil, apesar de ter a matriz energética limpa e renovável, a carência de infraestrutura torna ainda mais difícil encontrar metodologias para evoluir em soluções sustentáveis, como, por exemplo, na política energética futura e na destinação de resíduos sólidos urbanos (RSU), duas áreas que têm sido motivo de debates intensos pelos agentes do setor.

A necessidade de diversificação da matriz energética e o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que estabelece os ditames da destinação de resíduos no Brasil, são mostras de que esses são assuntos relevantes e atuais e que concentram esforços de muitos pesquisadores em nosso país. Nesse sentido, a utilização de resíduos sólidos como fonte de energia é um ramo de pesquisa e investimento que merece atenção, pois auxilia na solução de ambos os problemas, diminuindo consideravelmente a quantidade de lixo a ser depositada no solo e contribuindo para a geração distribuída de energia elétrica.

Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), cerca de 42% dos resíduos no Brasil têm destinação inadequada, ou seja, são depositados sem as condições necessárias para garantir a não contaminação do solo e dos recursos hídricos. E mesmo que depositados em locais adequados (aterros sanitários), esses resíduos contém uma grande quantidade de componentes de alto teor calorífico, e seu aterramento é um desperdício considerável.


Figura 1 – Destinação final dos resíduos no Brasil em 2014.

 

Programas para recuperação energética do lixo têm sido amplamente implementados na Europa, sendo que em vários países praticamente nenhum lixo é aterrado. De acordo com um relatório da Confederation of European Waste-to-Energy Plants (Cewep), considerando-se todos os países membros da Comunidade Europeia, em 2013, cerca de 34% do lixo gerado foi depositado em aterros, sendo que 42% foi reciclado e 24% passou por algum processo de recuperação energética.


Figura 2 – Percentuais de destinação do RSU na Comunidade Europeia em 2013.

 

Entretanto, para o correto dimensionamento de uma planta de recuperação energética do lixo que opere por combustão, é necessário que se saiba o poder calorífico que pode ser obtido com sua queima. Esse é um passo imprescindível para garantir o correto funcionamento da planta, permitindo um fornecimento constante de eletricidade ao custo previamente estimado.

Considerando-se valores médios de eficiência de plantas de incineração de RSU e utilizando-se um valor conservador para seu poder calorífico, pode-se estimar o potencial elétrico com a recuperação energética dos resíduos. No Brasil, esse número chega a aproximadamente, 8,7 GW, distribuídos por várias plantas de conversão.

Tabela 1 – Potencial elétrico do aproveitamento do RSU

Várias são as técnicas utilizadas para a determinação do poder calorífico dos resíduos sólidos, chamado PCS – poder calorífico superior. Uma opção é utilizar a análise imediata, em que os resíduos são classificados de acordo com grupos funcionais, ou a análise gravimétrica, em que a classificação é feita por tipo de material, e também a análise elementar, na qual são determinados os pesos percentuais dos elementos químicos que compõem o lixo. Dentre esses, a análise elementar é a que vem apresentando os melhores resultados para a previsão do PCS.

Após essas análises, modelos são criados a partir de amostras medidas laboratorialmente para permitir a previsão do PCS. Geralmente, esses modelos são construídos por regressão multivariada, uma técnica matemática que permite encontrar os coeficientes adequados para funções de várias variáveis.

Neste trabalho optou-se por um caminho menos tradicional e uma técnica de inteligência artificial, denominada Rede Neural Artificial (RNA), foi aplicada na construção de um modelo computacional. Com este modelo, é possível obter uma previsão do poder calorífico a partir da análise elementar dos resíduos. O modelo de rede neural utilizado é conhecido como rede MLP (multi-layer perceptron), sendo que a primeira camada receberá os dados de entrada, a segunda camada, ou camada escondida, processará os cálculos e controles da rede, e, na última camada, a camada de saída, será composta de um único neurônio que fornece o valor do PCS calculado pela rede.

Vale ressaltar também que, para garantir a consistência dos resultados, algumas análises matemáticas prévias foram realizadas, como a determinação do nível de correlação das variáveis de entrada (os pesos percentuais dos elementos químicos dos componentes dos resíduos analisados) e a utilização de uma gama variada de fontes de dados para que a RNA obtivesse um aprendizado satisfatório.

Várias configurações diferentes de redes neurais foram testadas até que se chegasse a de melhor desempenho, rede essa que foi denominada RNA 4-10-1. Os resultados dessa rede mostram um coeficiente de correlação da ordem de R = 0,9979, o que mostra a excelente adequaç&at

ilde;o da RNA para a resolução do problema apontado.

Para validação da ferramenta computacional desenvolvida, foi realizado um comparativo dos resultados obtidos na previsão do PCS de resíduos sólidos urbanos com modelos matemáticos consagrados da literatura, e verificou-se que, com a técnica inteligente, foi possível obter um desempenho superior nos indicadores erro quadrático médio (MSE), erro percentual absoluto médio (MAPE) e desvio percentual relativo (RPD).

Tabela 2 – Comparativo entre os modelos matemáticos e a RNA

Portanto, pode-se observar que, com a utilização combinada de análise elementar e das Redes Neurais Artificiais, podem-se obter melhores predições do poder calorífico dos resíduos sólidos urbanos, e com isso, fornecer informações mais precisas que favorecem o desenvolvimento de plantas de recuperação energética do lixo e o cálculo da viabilidade econômica da construção de plantas dedicadas.

É possível também quantificar e qualificar a metodologia adotada para a minimização dos problemas gerados pela deposição do RSU no solo, contribuindo para o incremento da produção energética dos países em desenvolvimento e minimizando seus respectivos impactos ambientais, sociais e econômicos.


*Ricardo Drudi é graduado em matemática, mestrando em Energia pela Universidade Federal do ABC e membro do IEEE. Atua no desenvolvimento de fontes sustentáveis de geração de energia, utilizando técnicas de inteligência artificial e modelagem matemática.

Compartilhe!

Controle sua privacidade

Nosso site usa cookies para melhorar a navegação.