Posicionamento dos trabalhadores em atividades de manutenção e inspeção de instalações elétricas

Edição 89 – Junho de 2013
Por Cloves José Kelher, Cyro Augusto Mattos e Vagner dos Santos*

Os requisitos de segurança para o trabalho em eletricidade são fundamentados nas seguintes regulamentações: NR 10 e NR 23, entre outras, e nas normas internacionais “IEEE Std 1584”, “NFPA 70E Standard for Electrical Safety” e “Occupational Safety and Health Administration OSHA 3151-12R 2003”. 

A legislação vigente, seja nacional ou internacional, define determinados procedimentos para o trabalho seguro em atividades de manutenção e inspeção em instalações elétricas. Nesse trabalho será demonstrado o comportamento dos vários fenômenos possíveis nas instalações elétricas durante o arco elétrico, bem como, os diagramas dos vários parâmetros e fenômenos responsáveis pelos requisitos de segurança, em que podemos destacar: a importância do levantamento do correto diagrama unifilar das instalações elétricas, suas impedâncias, os valores de energia incidente, a potência de arco elétrico, seu raio de abrangência, a temperatura em que o trabalhador fica submetido para a condição de arco, a onda de chock e o correto posicionamento do trabalhador. Constatou-se também que o cálculo de todos os parâmetros requer, como premissa, o levantamento correto das correntes de curto-circuito trifásico simétrico das instalações.

Como é de conhecimento, são muitos os riscos dos trabalhos com eletricidade. Visando a um maior controle e segurança para os trabalhos com eletricidade, organizações internacionais abraçaram esta causa desenvolvendo metodologias e procedimentos a serem seguidos pela indústria, cujo objetivo é o controle desta ação devastadora, que são as explosões provocadas pelos curtos-circuitos.

A atual metodologia apresenta uma série de equações e premissas, as quais devem ser seguidas para a correta determinação dos valores de corrente de arco e energia incidente existente nas instalações elétricas. Essa metodologia foi desenvolvida por intermédio de medições e experimentos. Uma vez que o equacionamento é empírico, as premissas são fundamentais para que a modelagem retrate os fenômenos o mais próximo da sua condição física.

Durante a condição de curto-circuito, a potência de arco difere da potência disponível no barramento devido à alta resistência do arco elétrico e é nesta fase do arco elétrico que constatamos dois fenômenos: o arc-flash, que é a propagação da luminosidade, e o arc-blast, que é a projeção de material devido à elevação de pressão. As Figuras 1 e 2 ilustram respectivamente estes fenômenos, em que se observa a imagem do funcionário nas duas condições, inclusive na condição de arc-blast, em que ele não foi arremessado, situação que pode ocorrer.

A Figura 3 ilustra a elevação de pressão durante o arco elétrico, onde foi constatada a sua ocorrência na região subtransitória do curto-circuito. Esta informação é importante para a formulação e cálculo da potência de arco e a consequente onda de chock (sopro).

 

Figura 1 – Arc-flash (luminosidade).

 

Figura 2 – Arc-blast (projeção de materiais).

Constata-se que, durante o arc-blast, o operador não foi arremessado pela onda de chock, porém, está submetido a um grande volume de material projetado e os impactos desta projeção o colocam em risco.

Figura 3 – Comportamento da pressão devido ao curto-circuito.

Na Figura 3 pode-se observar que a elevação de pressão acontece entre 3 ms e 10 ms, fase do arc-flash em que os dispositivos de proteção convencionais – relés digitais ou numéricos e disjuntores – não são capazes de evitar o chock de onda, pois o tempo do arc-blast é muito inferior ao de atuação destes dispositivos. Observa-se ainda que o tempo de descompressão varia entre 5 ms e 10 ms. Ainda nesta Figura 3, verifica-se a importância da contribuição dos motores durante esta fase de arco que corresponde ao intervalo da reatância subtransitória xd. O circulo pontilhado corresponde à transição entre as fases do arc-flash e o arc-blast.

 

A energia incidente

Durante a fase de curto-circuito, tem-se uma liberação muito grande de calor, como pode ser visto pelas Figuras 1 e 2, em que esta massa térmica é capaz de provocar sérios danos aos trabalhadores. Nesta fase do trabalho será ilustrado o comportamento da energia incidente (cal/cm2) para os vários níveis de tensão e corrente de curto-circuito trifásico simétrico, proveniente dos parâmetros elétricos das instalações (impedâncias) e da sua duração. Será feito um confronto entre os valores de energia incidente apresentados pelo NFPA 70E e a norma IEEE Std 1584. Também será ilustrado o quanto o NFPA 70E é mais conservador que o IEEE Std 1584, assim como a alta tensão é capaz de sustentar o arco elétrico durante uma falta.

O trabalho buscou retratar outro ponto de suma importância, que é a influência da onda de chock (sopro) sobre o operador durante a fase de Arc-Blast, assunto não contemplado no IEEE Std 1584, nem no NFPA 70E.  O comportamento da temperatura a que ficará submetido um trabalhador durante um arco elétrico também será abordado.

Premissas

Foram utilizados valores de correntes de curto-circuito trifásico simétrico nos cálculos para um tempo total de atuação da proteção (Tc, relé e disjuntor) de 100 ms. O gráfico da Figura 4  ilustra o comportamento da energia incidente em 0,460 kV. Os valores apresentados correspondem a uma corrente de curto-circuto que varia entre 20 kA e 40 kA no intervalo de tempo de 100 ms.

 

Figura 4 – Comportamento da energia incidente em 0,460 kv, cal/cm2 x tempo.

O gráfico da Figura 5, a seguir, ilustra o comportamento da energia incidente para a tensão entre 1 kV e 15 kV. Os valores apresentados são correspondentes a uma corrente de curto-circuto entre 20 kA e 40 kA no intervalo de tempo de 100ms.

Figura 5 – Comportamento da energia incidente para tensão entre 1 kV e 15 kV, cal/cm2 x tempo.

Observa-se nas Figuras 4 e 5 que os valores de energia incidente são maiores para os níveis de tensão entre 1 kV e 15 kV para uma mesma variação de corrente de 20 kA a 40 kA.

Outro ponto a ser observado quando se compara a alta tensão com a baixa tensão, conforme Figura 6, é o fato de a energia incidente ser maior na baixa tensão do que na alta tensão até 300 mm ponto distante da fonte de arco, para um mesmo valor de corrente de curto-circuito de 40 kA. Porém, a partir deste ponto, a energia da alta tensão fica superior à da baixa tensão, ou seja, constata-se a capacidade da alta tensão manter o arco por mais tempo na mesma distância da fonte. As equações a seguir ilustram as duas situações.

Na baixa tensão:

Na alta tensão:

A Figura 7 ilustra os vários valores de energia incidente, comparando o IEEE Std 1584 baixa tensão e o NFPA 70E para os valores de corrente de curto-circuito de 20 kA, 25 kA, 30 kA e 40 kA.

Durante o levantamento  de uma instalação elétrica e na falta de dados reais tem-se praticado o uso do NFPA 70E, por ser mais conservador para o cálculo da energia incidente. Uma vez que, durante o levantamento de campo, nem sempre é possível obter informações de cabos elétricos, impedância de transformadores e demais fontes de contribuição para os  cálculos  de curto-circuito for maior que 30 kA. Avaliando o comportamento do equacionamento desenvolvido pelo IEEE Std 1584 e pelo NFPA 70E,  fica clara a proximidade dos valores de energia para as correntes de arco entre 20 kA e 30 kA, conforme Figura 8 de baixa  e alta tensão. Nesta mesma figura, constata-se que, a partir 30 kA, o NFPA 70E é mais conservador.

Outro ponto a ser observado nesta Figura 8 são as categorias de energia incidente, “categoria 1”, quando a energia varia entre 0 e 4 cal/cm2; “categoria 2”, quando a energia varia entre 4 e 8 cal/cm2; e a “categoria 3”, quando a energia varia entre 8 e 25 cal/cm2. O estabelecimento de categorias tem como finalidade determinar a apropriada vestimenta a ser usada em cada um dos locais previamente classificado conforme o nível de energia incidente.

Como mencionado anteriormente, o trabalho em eletricidade é sempre acompanhado de um risco, seja por uma imprudência do trabalhador, seja pelo uso de uma ferramenta inapropriada e até mesmo pelo uso incorreto de um Equipamento de Proteção Individual (EPI). Para o caso de uma falha nas instalações elétricas, como exemplo, o arco elétrico, o trabalhador ficará submetido aos fenômenos do arc-flash e arc-blast,  como já mencionado. As organizações  internacionais, preocupadas com esta situação, desenvolveram categorias de vestimentas para a proteção dos trabalhadores contra queimaduras, sendo que, para cada classe de energia incidente há uma apropriada vestimenta. 

O EPI é a vestimenta dos trabalhadores, mas estritamente a proteção contra efeitos térmicos, ou seja, os impactos provenientes do arc-blast não estão cobertos por esta vestimenta.

A Figura 9 ilustra a elevação de temperatura em que o trabalhador poderá ficar submetido, quando da ocorrência do arco elétrico. O cálculo da elevação da temperatura é função da potência de arco pela distância da fonte de curto-circuito, onde podemos constatar que à medida que nos afastamos da fonte de arco, a  temperatura cai exponencialmente.

Figura 9 – Elevação de temperatura versus potência de arco.

O método utilizado para avaliação da elevação de temperatura é o da esfera equivalente ao arco elétrico. Este método requer um grande número

de considerações para o cálculo da esfera  equivalente gerada pelo arco elétrico. Um outro ponto de suma importância é o entendimento dos conceitos de temperatura e calor nesta fase de análise do sistema. Visando  determinar a  temperatura em que o trabalhador ficará submetido durante o arco elétrico, é que desenvolvemos o gráfico da Figura 10, em que as seguintes premissas foram consideradas: tensão do sistema, tempo  de abertura do sistema de proteção de 100 ms, corrente de arco do sistema em análise e distância de trabalho de 910 mm.

Figura 10 – Temperatura versus corrente de arco.

Essa figura  ilustra a temperatura  em que o trabalhador poderá ser submetido quando da ocorrência de uma corrente de arco de 40 kA em 4.16 kV, a um posicionamento de 910 mm da fonte. Durante o fenômeno do arco elétrico, um outro ponto de relevante importância é o chock de onda conhecido também como Chock Wave, que ocorre durante o arc-blast. A Figura 11 retrata o  comportamento da pressão em função da corrente de arco pela distância da  fonte. A literatura considera o valor de 0,1 Bar como limite aceitável pelo homem quando esposto ao chock de onda sem anteparo. Com a ajuda deste gráfico podemos constatar que, para uma corrente de arco de 25 kA, a distância segura é de aproximadamente 500 mm.

Figura 11 – Pressão versus corrente de arco.

Conforme tabela 3 do IEEE Std 1584, as distâncias seguras para trabalho em eletricidade no que diz respeito à energia incidente são as seguintes: média tensão – 910 mm e baixa tensão – 455 mm. Tratando-se da onda chock (pressão) contata-se que os valores limites de corrente de arco são 25 kA para baixa tensão e 50 kA para média tensão.

 

Diante do exposto, verifica-se a necessidade de avaliar tanto a energia incidente quanto a onda de chock. O assunto onda de chock é muito debatido na área de explosivos, servindo para mapear as linhas de segurança, principalmente nas demolições das grandes obras. Para o caso do explosivo TNT (7,076 MJ/kg) e tempo de explosão em 0,1 ms, sua capacidade de destruição é alarmante. Como exemplo, na simulação para a detonação de 1,6 g de TNT, teremos uma onda de chock equivalente a uma corrente de arco de 25 kA a uma distância de 500 mm e 0.1 Bar de pressão, conforme mostra as Figuras 11 e 12. Um outro ponto importante é o tempo de resposta desta onda de Chock; a Figura 13 ilustra esta resposta em ms, em que se observa um decréscimo acentuado com o tempo.

Figura 12 – Pressão da onda de chock versus distância (mm).

 

Figura 13 – Tempo de deslocamento da onda de chock  (ms).

Conclusão

Os estudos a respeito de energia incidente e os fenômenos do arc-flash e do arc-blast não é algo novo, porém, os incidentes com os trabalhadores de todo o mundo têm preocupado toda a sociedade e uma nova abordagem tem sido dada a este assunto.

O grande desenvolvimento tecnológico dos últimos anos, seja por intermédio das novas técnicas de acionamento e controle, maior potência dos equipamentos, novas técnicas de proteção ou o grande desenvolvimento da eletrônica de potência, vem estabelecendo um novo marco para o setor industrial, requerendo uma adequação não só comportamental dos trabalhadores, mas também mudanças nas técnicas de inspeção, de manutenção e uma melhor adequação dos novos equipamentos de medição e EPIs, incluindo as vestimentas. Portanto, os novos estudos para avaliação dos sistemas industriais têm exigido uma maior qualificação dos profissionais.

Dentre os estudos utilizados para avaliação de uma instalação elétrica, podemos citar os estudos de curto-circuito, em que o estabelecimento das corretas impedâncias, as contribuições das máquinas elétricas e os novos sistemas de acionamento são fundamentais para um correto julgamento. Portanto, a avaliação destas instalações industriais requer valores corretos destas correntes, dada a sua importância, para uma melhor quantificação e indicação das contramedidas necessárias para a redução dos riscos em trabalhos com eletricidade.

Como já podemos observar, o valor de energia incidente gerado nas instalações é função destas correntes. Assim, a redução destas é uma medida de adequação para a redução dos valores de energia incidente nestas instalações. Como exemplo de técnicas de mitigação do valor de corrente de curto-circuito, podemos citar: escolha de transformadores com maior impedância, instalação de reatores, instalação de dispositivos fusíveis, abertura de tie e proposição de novo arranjo para a instalção, etc. Para o caso do arco ter iniciado, temos as seguintes medidas mitigadoras: instalação de relés de arco, instalação de dispositivos de proteção mais rápidos (disjuntores e relés numéricos) e instalação de equipamentos de supressão de arco, já disponíveis no mercado.

Durante as intervenções de manutenção, temos constatado uma exposição dos trabalhadores, não só ao arco elétrico, como também às sobrepressões oriunda deste. Podemos verificar na Figura 11 que os limites de segurança para um trabalhador, na condição sem anteparo, são 455 mm na baixa tensão e 910 mm para a média tensão com os respectivos valores de corrente de arco, 25 kA e 50 kA.

Ressaltamos que a

verificação da sobrepressão, em que o trabalhador ficara sujeito durante um arco elétrico, é tão importante quanto ao valor de energia incidente. Com o intuito de ilustrar a relação entre temperatura e calor podemos citar os exemplos:

  • Um cigarro quando aceso atinge uma temperatura entre 835 °C e 885 °C e gera uma energia incidente de 1cal/cm2 em um segundo, quando em contato com a ponta de um dedo;
  • A energia incidente de 1,2 cal/cm2 é capaz de causar uma queimadura de segundo grau instantaneamente;
  • A energia de 4 cal/cm2 é capaz de iniciar a ignição de uma blusa de algodão imediatamente e 8 cal/cm2 é capaz de produzir uma queimadura de terceiro grau instantaneamente;
  • A energia radiante que se aproxima da superfície da terra é de 8 J/(cm2.min), porém, já na superfície da terra é menor devido à absorção de parte das ondas ultra violeta, pela camada de ozônio.

Referências

Lee, R., “The other electrical hazard: electrical arc blast burns,” IEEE Transactions on Industry Applications, vol 1A-18. no. 3, p. 246, May/June 1982.

Guide for Performance Arc-Flash Hazard Calculations; IEEE Std 1584;  Approved 12 September 2002 IEEE-SA Standards Board.

Occupational Safety and Health Administration OSHA 3151-12R 2003.

NFPA 70E Standard for Electrical Safety in the Workplace 2009 Edition.

José, Vagner; A Energia Incidente na Instalações Industriais, Escola Federal de Engnharia de Itajubá, M.G “Tese M.sc”. (Em Andamento).

M. Nelkon & P. Parker, Advanced Level Physics. Heinemann Educational Books LTD London, Third edition – 1970.

T.R.Seetharam, Lecture Notes on Heat & Mass Transfer NIE, Mysore, India.

E.L.Kazantsev, Industrial Furnaces, Design and Calculation Reference Book ,Mir Publishers Moscow. 1970.

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