Paradigmas em sistemas de aterramento

Por: Paulo Edmundo Freire da Fonseca

Paradigma (do grego παράδειγμα, derivado de παραδείκνυμι «mostrar, apresentar, confrontar»), é um conceito das ciências e da epistemologia que expressa um padrão reconhecido por uma comunidade [adaptado da Wikipedia].

Os paradigmas podem ser entendidos como um conjunto de crenças, conceitos, padrões e pressupostos que orientam a forma como se entende e interpreta o mundo em determinado contexto, definindo normas culturais, tecnológicas ou científicas, onde:

  • Na física, paradigmas são modelos teóricos amplamente reconhecidos, que embasam áreas do conhecimento, como é o caso da teoria da relatividade e da mecânica quântica;
  • Na computação, paradigmas são soluções amplamente reconhecidas, como é o caso da computação em nuvem e da inteligência artificial (IA).

De forma geral, uma quebra de paradigma ocorre quando uma nova visão de mundo ou um novo conjunto de regras substitui o anterior devido a avanços, novas descobertas ou transformações sociais.

Trazendo para o objeto deste artigo, na área da engenharia elétrica, que estuda os sistemas de aterramento, são inúmeros os paradigmas, tanto os referentes à modelagem geoelétrica, como aos critérios de simulação destes sistemas e de interpretação dos parâmetros que expressam o seu desempenho.

A expansão do sistema de geração e de transmissão de energia para as regiões Norte e Nordeste trouxe à tona a questão das resistividades dos solos mais elevadas ali existentes. Em decorrência desta situação, neste início de século, paradigmas relativos aos sistemas de aterramento estão sendo sucessivamente quebrados, muitos já bastante arraigados nas crenças do nosso setor. Vamos listar alguns destes paradigmas que estão se despedaçando.

Verdade ou mito?

Medições de resistividades do solo somente devem ser feitas após 7 dias sem chuvas?

Mito, que já vem caindo há alguns anos, mas que ainda tem os seus adeptos. A resistência de contato dos eletrodos de medição com o solo é um dos maiores inimigos deste tipo de medição, e está diretamente associada a solos de alta resistividade (> 1000 Ωm). Com certa frequência a gente torce para chover na véspera, ou é obrigado a alugar um caminhão pipa para molhar a linha de medição. Só não se deve fazer as medições com o solo empoçado.

O terrômetro é o equipamento padrão para medições em aterramentos?

Outro paradigma que já vem se despedaçando há algum tempo. Até a revisão de 2020 da NBR-7117, o resistivímetros era um ilustre desconhecido; amplamente utilizado pelos profissionais de geofísica, tem conquistado mais e mais adeptos em nosso meio. 

Levar em consideração a profundidade de cravação dos eletrodos de medição (nos arranjos de Wenner ou de Schlumberger) resulta em modelos geoelétricos mais acurados/precisos?

Mito, que ainda tem os seus adeptos. É um parâmetro usualmente estimado (e muito frequentemente considerado igual para todas as medições), com peso pequenos nas medições de menor espaçamento e peso irrisório nas de maior espaçamento, e que dadas as incertezas que permeiam o processo de medição e de modelagem geoelétrica, não agrega nenhuma precisão ou acurácia ao modelo original.

Na modelagem geoelétrica a minimização do desvio quadrático da curva média de resistividades aparentes vai sempre resultar no melhor modelo?

Mito, que ainda precisa ser quebrado. Considerando os erros e desvios inerentes ao próprio parâmetro resistividade do solo, ao processo de medição e às restrições de modelagem, é normal que o modelo obtido por esta minimização não seja o mais representativo da estrutura de subsuperfície.

Aterramentos podem ser projetados com modelos de solo homogêneos e metodologias de cálculo simplificadas?

Mito, que já vem se despedaçando nas últimas décadas, mas que ainda tem alguns adeptos. Solos homogêneos não existem na natureza. É sempre possível, a partir da simulação de uma malha com um modelo geoelétrico multicamadas, achar o modelo homogêneo que reproduz o mesmo valor de resistência; porém é impossível obter um modelo homogêneo que seja capaz de, simultaneamente, reproduzir a resistência da malha e as tensões de passo e de toque.

O dimensionamento da malha de aterramento de uma subestação vai ser sempre conservativo se forem desconsideradas outras malhas próximas a ela interligadas (caso típico de plantas industriais e de usinas fotovoltaicas)?

Mito, ainda amplamente tido como verdade. Trata-se de uma premissa que simplifica os cálculos, sendo assim, confortável para o projetista. Porém, quando confrontada com a alternativa de considerar os efeitos de proximidade e de eventual interligação com malhas próximas, frequentemente vai revelar-se como uma opção otimista.

Em medições de aterramento de torres de linhas de transmissão com os chamados terrômetros de alta-frequência, a corrente de medição flui para o solo pelos contrapesos em sua quase totalidade, e não foge pelos cabos para-raios?

Mito, que caiu com a revisão de 2023 da norma de projeto de aterramentos de torres de LTs (NBR-17.140). No item sobre medições de aterramentos, esta norma alerta que no caso de cabos para-raios de aço-alumínio, de alumínio ou OPGW, uma parcela significativa da corrente de medição vai embora por estes condutores, resultando na medição de um valor de resistência mais baixo do que o real, especialmente em torres localizadas em solos de resistividades mais elevadas.

É possível medir a resistência de aterramento e mapear as tensões de passo e de toque em malhas de subestações com um terrômetro de alta-frequência?

Mito, que ainda tem os seus adeptos. As respostas de uma malha a sinais em 60 Hz e 25 kHz são significativamente diferentes, especialmente no caso dos gradientes de potenciais no solo (e consequentemente, nos valores das tensões de passo e de toque).

Medições de resistências de aterramento somente devem ser feitas após 7 dias sem chuvas?

Mito, que ainda tem os seus adeptos. A complexidade deste tipo de medição em uma subestação, resulta que o solo úmido é a menor das preocupações. Aliás, a chuva vai contribuir para que se obtenha uma corrente de medição mais elevada. Considerando que este tipo de medição pede uma linha de corrente que seja 5x a maior dimensão da malha, tem-se que a corrente de medição vai penetrar mais profundamente no solo, abaixo da profundidade afetada pela chuva. Para um cálculo estimativo – uma SE com diagonal de apenas 70 m, a profundidade de penetração da corrente é da ordem de 5 x 70/6 ≈ 60 m; profundidade bem superior à que é afetada pela sazonalidade das chuvas.

Uma medição sempre vai dar resultados mais precisos/acurados do que uma simulação?

Mito, bastante arraigado no setor, que tem a ilusão que o simples apertar de um botão resulte em uma verdade absoluta. O procedimento e equipamentos de medição, a modelagem adotada e o software utilizado na simulação devem ser objeto de avaliação crítica.

Vamos explorar cada um dos itens acima nos artigos desta coluna nos próximos meses.

Sobre o autor:

Paulo Edmundo Freire da Fonseca é engenheiro eletricista e Mestre em Sistemas de Potência (PUC-RJ). Doutor em Geociências (Unicamp), membro do Cigre e do Cobei e também atua como diretor na Paiol Engenharia.

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