Os regulamentos de eficiência energética se pagam?

Edição 98 – Março de 2014
Por Juliana Iwashita

Como as mídias vem divulgando nos últimos meses, 2014 começa com a possibilidade de novos apagões, crises de abastecimento de água e de energia e aumentos das tarifas. E o que estamos fazendo para minimizar esses riscos? Construção de novas usinas hidrelétricas como a polêmica Usina Belo Monte no Rio Xingu, prevista para ser a terceira maior hidrelétrica no mundo, aumento da matriz energética térmica, incentivos à geração de energias renováveis são alguns exemplos.

Sem dúvida alguma temos que aumentar e diversificar nossa matriz energética, porém, um esforço maior no uso eficiente de energia deveria ser uma estratégia a ser perseguida com muito mais afinco. A eficiência energética possibilita economizar energia e torná-la disponível para outros usos, sendo a forma mais barata para se “gerar” energia. Dependendo da fonte, o custo do MWh produzido pode ser de duas a três vezes mais caro que o custo da eficiência energética.

A eficiência energética e consequente redução do uso de energia traz benefícios a todos. Os proprietários economizam dinheiro, o país tem uma economia mais forte, o meio ambiente tem menos impactos negativos e a rede elétrica opera de forma mais confiável.

Visando levantar exemplos bem-sucedidos de políticas e regulamentos nessa área, este texto traz o exemplo do estado americano da Califórnia, considerado como uma referência para as políticas voltadas para eficiência energética nos Estados Unidos.

Em função da crise do petróleo na década de 1970, foi criada a Comissão de Energia da Califórnia (CEC) em 1975. A CEC é responsável por adotar e manter padrões de eficiência energética compulsórios para edifícios (residenciais e comerciais) e equipamentos (eletrodomésticos, máquina de gelo comercial, bombas de piscina, motores elétrico, carregadores de bateria portátil, etc.) na Califórnia. As primeiras normas de eficiência energética de eletrodomésticos foram adotadas em 1976 e as primeiras normas de construção em 1978.

Para se ter uma base de comparação, no Brasil, a Eletrobras iniciou a etiquetagem voluntária de equipamentos pelo Selo Procel em 1993 e o Inmetro tornou compulsória a avaliação de conformidade de níveis mínimos de eficiência energética de alguns equipamentos a partir de 2001, com a instituição do Comitê Gestor de Indicadores de Eficiência Energética (CGIEE), fórum interministerial criado pela Lei de Eficiência Energética.

No âmbito das edificações, o Programa Nacional de Eficiência Energética em Edificações (Procel Edifica) foi instituído em 2003 pela Eletrobras. Os regulamentos técnicos foram lançados de forma voluntária para edificações comerciais, de serviços e públicas em 2009 e para edificações residenciais em 2010. A compulsoriedade destes regulamentos está prevista para 2020.

Na Califórnia, as normas de construção são atualizadas a cada três anos, enquanto as normas de equipamentos são atualizadas conforme a necessidade. O gráfico da Figura 1 mostra o consumo de energia elétrica per capita entre a Califórnia e o restante dos EUA (sem a Califórnia) entre 1960 e 2009. Analisando o gráfico, pode-se perceber que, entre 1978 e 2008 (30 anos), o consumo de energia per capita para a Califórnia permaneceu relativamente estável em cerca de 7.000 kWh por ano, enquanto nos EUA cresce em quase 2,5% ao ano para cerca de 13.500 kWh por ano. Quase duas vezes mais.

Figura 1 – Consumo de energia per capita na California e no restante dos Estados Unidos. Fonte: U.S. Energy Information Administration. 

Durante o mesmo período de 30 anos, a economia da Califórnia continuou entre as dez maiores do mundo quando comparada a países como Alemanha, Japão, Canadá, França, Reino Unido, China, e sua população passou de 24 milhões (1980) para 37 milhões (2010).  A Califórnia também tem regulamentos ambientais rígidos, tais como o Global Warming Solutions Act (GWSA) instituído em 2006. O GWSA apela para redução das emissões de gases de efeito estufa aos níveis de 1990 até 2017, o que significa o corte de aproximadamente 30% em relação aos níveis de emissões projetados para 2020. Um dos componentes chaves do GWSA é a melhoria dos padrões de eficiência energética de equipamentos e de construções.

Em 2008, a Califórnia adotou o Plano Estratégico de Eficiência Energética de Longo Prazo. Este Plano define um “roadmap” para maximizar a obtenção de eficiência energética de menor custo entre 2009 e 2020. Entre as metas do Plano Estratégico está a implantação do conceito “Zero Net Energy” (ZNE) para todas as novas construções residenciais até 2020, e todas as novas construções comerciais a partir de 2030. O ZNE refere-se ao equilíbrio entre energia consumida e gerada na edificação. A quantidade de energia gerada localmente por fontes renováveis de energia deverá ser igual à quantidade de energia usada pelo edifício ao longo de um período de um ano.

Para que a Califórnia atingisse seus objetivos e regulamentos de eficiência energética, os padrões de eficiência energética do edifício residencial e não residencial foram ficando progressivamente mais rigorosos. Em 2013 novas exigências foram estabelecidas. Dentre elas, na área de iluminação, destaca-se:

Regulamentos para edificações não residenciais

  • Reatores dimerizáveis para a iluminação interna. Os reatores devem ter três níveis intermediários de controle além do liga-desliga ou serem dimerizáveis.
  • Controles de iluminação devem ter pronta resposta à demanda. A potência de iluminação em edifícios com mais de 929 m2 deve ser capaz de ser reduzida automaticamente em resposta a um sinal de controle de demanda. O controle de pronta resposta à demanda é uma redução de curto prazo do uso de energia por parte dos consumidores em resposta às mudanças de preços da energia elétrica ou de incentivos da concessionária.
  • Controles de iluminação automatizados para armazéns e bibliotecas. Requer a instalação de sensores de presença em corredores de armazém e espaços abertos e em corredores de bibliotecas.
  • Controles de iluminação automatizados multinível para hotéis e edifícios multifamiliares. Requer a instalação de sensores de presença nos corredores e escadarias.
  • Controles de iluminação automatizados para estacionamentos. Requer a instalação de sensores de presença e controles de iluminação natural.
  • Controles de carga de circuitos conectados em edifícios de escritórios. Exige controles automáticos de circuitos elétricos plugados, incluindo a iluminação da tarefa.
  • Controles de ocupação para os sistemas de iluminação em hotéis e motéis em quartos de hóspedes. Requer a instalação de controles de ocupação para todos os dispositivos elétricos de iluminação, incluindo iluminação plug-in.
  • Redução do limiar de quando alterações do sistema de iluminação devem estar de acordo com as normas vigentes. Em casos de retrofit e reformas de edifícios existentes, a construção deverá atender aos requisitos dos regulamentos quando 10% ou mais das luminárias forem substituídas. Anteriormente a 2013, esta exigência era apenas para os casos onde 50% ou mais das luminárias fossem trocadas.

Regulamentos para edificações residenciais

  • Luminárias Led devem ter um índice mínimo de reprodução de cores (IRC) de 90.
  • É exigido eficácias luminosas mínimas (em lm/W) de luminárias Led integradas ou de “light engines”. Os valores estão definidos na tabela a seguir:

     

  • Reatores para lâmpadas fluorescentes de potências superiores ou igual a 13 W deverão ser eletrônicos e ter uma frequência de saída não inferior a 20 kHz.

A longa história de promoção da eficiência energética na Califórnia resultou em quase US$ 74 bilhões em redução de contas de energia elétrica, ajudou a evitar a construção de cerca de 40 usinas de energia e evitar a emissão de mais de 20 milhões de toneladas de dióxido de carbono (o equivalente a 4,3 milhões de carros não dirigidos por ano) desde o final dos anos 1970.

O consumidor e o meio ambiente na Califórnia colhem benefícios significativos devido à implementação de normas e políticas compulsórias de eficiência energética em equipamentos e edificações. Exemplos como este podem inspirar novas políticas a serem adotadas no Brasil. A economia de energia não deveria ser lembrada apenas nos momentos de crise e não deveria ser relacionada às práticas de racionamento. As políticas de eficiência energética devem ser planejadas a longo prazo como medidas para beneficiar a sociedade e o meio ambiente.

 


 

Esta coluna contou com a colaboração do engenheiro. J. Carlos Haiad, que participou da implementação das políticas de eficiência energética pela Southern California Edison por mais de 15 anos. Atualmente, é consultor independente na Exper Soluções Luminotécnicas na área de diagnósticos energéticos.


 

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