A busca pela descarbonização no segmento de mobilidade tem impulsionado grandes empresas e instituições em todo o mundo, que realizam pesquisas e projetos pilotos que viabilizem a transição energética sustentável neste segmento. Além da indústria de veículos híbridos e elétricos, uma alternativa que vem sendo buscada no Brasil e em outros países do mundo é a conversão de veículos à combustão em carros elétricos ou híbridos.
Com mais de 120 milhões de veículos em circulação, sendo apenas cerca de 7% deste total de veículos elétricos e híbridos, a conversão de automóveis movidos à combustão em veículos elétricos/híbridos surge como uma alternativa promissora para acelerar a descarbonização deste importante segmento nacional.
Em busca de contribuir para o desenvolvimento sustentável e a redução da dependência de combustíveis fósseis, visando uma transição energética segura e viável, a CELESC (Centrais Elétricas de Santa Catarina), por meio o programa de Pesquisa e Desenvolvimento e Inovação da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), deu início, em 2020, ao projeto “Converte – Conversão de veículos para tração elétrica”.
Com o apoio operacional da FEESC (Fundação Stemmer para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação), o projeto Converte desenvolveu sistemas de conversão de veículos a combustão para tração elétrica, resultando na implementação bem-sucedida de quatro protótipos: A Fiat Fiorino Elétrica, Fiat Strada Elétrica, o Renault Kwid Híbrido e o Renault Kwid Elétrico com powertrain nacional.
Um modelo Experimental – com os mesmos benefícios dos veículos elétricos comerciais
O motor não ronca, mas o coração acelera! A experiência sensorial é intensa: a resposta ao acelerar é imediata – torque instantâneo -, e a ausência de vibração mecânica redefine a conexão entre condutor e máquina. A Fiorino convertida – de gasolina para elétrica – se destaca pelo alto torque, maior potência, boa autonomia e principalmente, com zero emissões .
O furgão, antes era um utilitário de entregas, que foi doado pela Receita Federal ao IFSC – Instituto Federal de Santa Catarina para ser utilizado no projeto de conversão. Obsoleto, poluente e com destino certo para o descarte, este veículo foi completamente transformado, ganhando um moderno sistema de tração elétrica e se tornando um modelo experimental que carrega consigo o lema do projeto “Uma nova vida sem emissões”.
A Fiorino Elétrica recebeu um powertrain importado de 60 kW, enquanto a Strada Elétrica foi equipada com um powertrain nacional WEG de 46 kW (CVW-500), ambos de ímã permanente. A banco de baterias de 40 kW – 350V equipa tanto a Fiorino quanto a Strada e foi totalmente construído no laboratório de mobilidade elétrica do IFSC – EMoL, com células N.M.C (Níquel, Manganês, Cobalto).
A Inovação – O primeiro Kwid híbrido do Mundo
Já os veículos do tipo Kwid tinham outro propósito – a busca por um veículo elétrico de baixo custo. O veículo Kwid foi escolhido devido ao seu peso ser baixo em relação aos outros carros vendidos no Brasil – aproximadamente 800 kg.
O Kwid totalmente elétrico, com powertrain nacional, foi concebido com motor indução WEG de 29 kW e uma bateria de 150 V (LifePO4) que garante uma autonomia de aproximadamente 120 km, ou seja, um veículo urbano.
Outro grande desafio do projeto Converte foi o desenvolvimento do primeiro Kwid híbrido do mundo com a inserção de dois motores – tipo axial – nas rodas traseiras. Com pico de potência de 16 kW em cada motor, a nova tração traseira permite que o Kwid arranque no modo elétrico e ande até uma velocidade de 60 km/h. Após esta velocidade o sistema passa automaticamente para a tração a combustão.
Deste modo, o Kwid híbrido possui três motores – um à combustão na frente (Flex – etanol e gasolina) e dois elétricos nas rodas traseiras. A bateria de 10 kWh permite uma autonomia no modo elétrico de até 70 km e o veículo foi concebido no modo Plug-in, ou seja, com carregamento da bateria direto de eletropostos além da regeneração tradicional.
Kwid Híbrido com motor axial nas rodas traseiras
Bateria de 10 kWh, um veículo urbano de baixo custo
Parcerias – fundamentais para o sucesso
Foram parceiros do projeto à Assembleia Legislativa de Santa Catarina (ALESC) e o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), neste quesito o projeto atendeu o objetivo de democratizar e incentivar a utilização de veículos elétricos na frota pública. Vale salientar que na época de execução do projeto (2020-2023) ainda não havia o efeito BYD no mercado de veículos elétricos do Brasil. Este fato demonstra o pioneirismo do projeto Converte.
Pelo seu impacto na economia verde e sustentável, o Projeto Converte foi destaque internacional, sendo convidado a participar da 28ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP28), realizada em novembro de 2023, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, onde a CELESC apresentou o projeto na área de eficiência energética e contribuição a transição energética.
Diversas empresas contribuíram para a execução do projeto, dentre elas vale destacar a participação da WEG Drives & Controls – Automação e a Fueltech.
Infraestrutura e Treinamento – Bancadas Didáticas de Mobilidade Elétrica
Um marco importante no desenvolvimento do projeto foi a aquisição e instalação de bancadas didáticas de mobilidade elétrica. Esses equipamentos representam um avanço significativo na capacitação de profissionais para o setor de mobilidade elétrica, permitindo treinamentos técnicos avançados em sistemas elétricos veiculares.
Baseadas na tecnologia da Beifang – maior empresa chinesa de treinamento em automobilística da China, as bancadas possibilitam a realização de estudos práticos sobre motores elétricos, inversores, gerenciamento de baterias e infraestrutura de recarga.
Além do impacto direto na formação acadêmica, essas bancadas fortaleceram as atividades de pesquisa e desenvolvimento do IFSC, apoiando novos projetos de Ensino, Pesquisa e Extensão.
Bancadas Didáticas Beifang. Adquiridas pelo Projeto Converte – IFSC/ CELESC / ANEEL
Inovação continuada – Produção Nacional
Atualmente, o laboratório EMoL desenvolve o projeto Converte II, fruto da também da parceria entre CELESC/ANEEL, IFSC e FEESC. O projeto Converte II visa validar a conversão de veículos para aplicações comerciais leves tipo 2, assegurando desempenho, durabilidade e viabilidade econômica em condições reais de uso.
Com previsão para término em 2027, dois veículos operacionais usados na manutenção de redes de energia da CELESC serão convertidos para 100% elétricos, enquanto um terceiro veículo será convertido para um sistema híbrido.
O Converte II tem como objetivo fornecer dados concretos sobre a viabilidade técnica e econômica da eletrificação de frotas operacionais das concessionárias de energia elétrica, servindo como referência para outras empresas.
Uma Contribuição e Opção para Transição Energética Brasileira
Além da conversão veicular, o laboratório EMoL-IFSC tem como visão contribuir para o desenvolvimento da mobilidade elétrica no Brasil, integrando pesquisa acadêmica e inovação industrial. Com o apoio da CELESC/ANEEL e de diversos parceiros institucionais e comerciais, o projeto Converte demonstrou na prática que “sim”, é possível converter veículos à combustão para tração elétrica com custos economicamente viáveis se feitos em produção de larga escala. O exemplo a se seguir é o ramo de conversão de veículos para “gás natural” que atualmente atende a uma demanda de mais de 90 mil conversões ano. A certeza principal é que o futuro é elétrico, cabe a nós brasileiros encontrarmos a melhor maneira de fazer a transição energética dentro das características e peculiaridades deste país continental chamado Brasil.
Sobre o autor:
Adriano de Andrade Bresolin é professor titular do Instituto Federal de Santa Catarina, possui doutorado em engenharia elétrica e coordena o laboratório de mobilidade elétrica – Emol