Mitigação dos distúrbios no sistema elétrico causados por correntes geomagnéticas induzidas em transformadores de potência – Parte II

*por Wilerson Calil e Adriana Venceslau Calil

Resumo

Os distúrbios geomagnéticos, que resultam distorções no campo magnético terrestre, podem causar  problemas  severos  nas  redes  elétricas  como:  confiabilidade,  blackout  e danos a equipamentos críticos ou vulneráveis. Este artigo, cuja primeira parte foi publicada na edição anterior, apresenta os efeitos causados pelas correntes induzidas geomagneticamente em transformadores de potência que estão conectados às redes elétricas de alta tensão, bem como as necessidades de se projetar um equipamento confiável para tais situações, para que não ocorram alterações significativas afetando assim, a qualidade de energia na transmissão. Simulações computacionais utilizando o método de elementos finitos foram aplicadas em duas condições, sendo uma delas com efeitos    de correntes geomagnéticas induzidas e a outra em condição normal de operação. Os efeitos dessas correntes e qualidade de energia são correlacionados neste artigo. Confira a segunda e última parte do artigo a seguir.

 

Corrente geomagnética induzida

As correntes geomagnéticas induzidas são resultados de interações entre as ejeções solares e o campo magnético terrestre. O fluxo magnético gerado pelas tempestades solares geram um campo magnético quasi-estático. Quando esse fluxo encontrar uma espira, irá gerar uma tensão induzida, de acordo com a Lei de Faraday.

A Figura 3 apresenta um modelo esquemático na qual um sistema elétrico de potência é afetado transversalmente por um fluxo magnético proveniente de tempestades solares.  A espira é formada pelo seguinte circuito: transformador elevador com seu enrolamento conectado em estrela aterrado, linha de transmissão, transformador abaixador aterrado e o  planeta  terra.  Portanto,  fica  evidente  que linhas de transmissão mais longas criam um loop maior e concatenam mais fluxo, levando a uma tensão induzida mais alta. Esta tensão, de acordo com o tipo e a intensidade do fenômeno, pode gerar de 1 a 100 V/km [6].

Conforme a Figura 3, aparecerá uma fonte de tensão induzida que irá gerar uma fonte de corrente contínua ou quase-estática. Esta corrente irá circular por este loop, passando pelos transformadores com grupo de ligação em estrela com neutro aterrado. A corrente contínua gerada pelo fenômeno é chamada de Corrente Induzida Geomagneticamente (GIC) e causa influências indesejadas como saturação em núcleos de transformadores de potência e distorção da corrente, prejudicando a qualidade de energia ou podendo ocasionar falhas em equipamentos do sistema de transmissão de energia.

Outros efeitos adversos que podem ocorrer nos transformadores são as correntes de magnetização assimétricas, que aumentam as perdas e criação de pontos de quentes no núcleo, nos enrolamentos e nas partes da estrutura metálica. Além disso, o aumento da demanda de energia reativa e a falta de operação de relés de proteção ameaçam a rede de energia e a qualidade da mesma. Danos em grandes transformadores de potência e blackouts em redes ocorreram devido ao GIC e foram publicados em artigos anteriores nos quais são referenciados neste artigo.

O GIC, embora quasi-estático, em alguns casos possui naturezas transitórias que podem ser importantes, tanto do ponto de vista dos próprios transformadores, quanto da proteção da rede de energia. Esses transitórios são geralmente de baixa frequência em sistemas de energia que podem levar alguns segundos até horas. Na Figura 4, a tendência da corrente GIC durante uma tempestade solar é apresentada, em relação ao tempo (em minutos).

Tal fenômeno possui uma duração média de 60 minutos, podendo chegar a uma corrente de 100A por fase, o que resultaria uma saturação muito significativa do núcleo do transformador, distorcendo a forma de onda da corrente e atuando as proteções.

 

Corrente de magnetização do transformador

Como apresentado na literatura, a corrente contínua no neutro do transformador leva a um deslocamento no fluxo magnético saturando o núcleo. Um diagrama apresentado na Figura 5 mostra o fenômeno que ocorre na indução do transformador.

A Figura 5 apresenta dois tipos de indução senoidal encontrados no núcleo, sendo a curva azul em operação nominal e a curva laranja com a influência da componente DC do GIC de 30A por fase. Com o aumento significativo no fluxo magnético, o núcleo do transformador irá trabalhar próximo ou acima do joelho da curva.

A Figura 6 apresenta uma informação mais detalhada do que ocorre na corrente de magnetização quando houver uma sobre- indução, ou seja, é possível observar que a corrente de magnetização distorce devido a operação ter passado pelo joelho da curva.

Essa distorção gerada pelo fenômeno descrito  pode  causar aumento das perdas e geração de gases no óleo do transformador devido às temperaturas elevadas, resultando na diminuição da vida útil do equipamento.

 

Formulação numérica

O processo de simulação numérica por elementos finitos acoplado a circuitos elétricos por método computacional envolve  algumas  etapas  como:   modelagem   da   estrutura de interesse; pré-processamento, onde serão definidas as propriedades dos materiais, fontes externas e condições de contorno; geração de  malha de  cálculo; simulação numérica   e pós  processamento  onde  serão  analisados  os  resultados e conclusões. Neste projeto foi utilizado um software de elementos finitos de simulações de campos eletromagnéticos tridimensional acoplado ao circuito elétrico imposto.

Para o cálculo da indução no núcleo foi utilizada a chapa de aço silício de grão orientado M5 e de baixas perdas com 0.30mm de espessura, tipicamente utilizada em transformadores deste porte.

A simulação computacional foi realizada no modo transitório considerando o material do núcleo não linear conforme apresentado na Figura 7 a fim de encontrar a densidade de fluxo para duas situações distintas, operação padrão e com corrente contínua pelo neutro.

A curva B x H do material possui uma natureza extremamente não linear, o que dificulta a simulação computacional e  tempo de processamento.

 

Transformador submetido ao GIC

Os transformadores possuem  um  circuito  magnético  que é formado pelo núcleo e os enrolamentos, que combinados formam a parte ativa. O circuito magnético é  regido pela curva B x H, intrínseca ao material utilizado para construção. Os transformadores utilizam placas de grão orientado para diminuir perdas magnéticas e melhorar a eficiência do equipamento tanto para perdas em vazio quando para corrente de excitação.

A Figura 8 ilustra os resultados obtidos pelas simulações numéricas em um transformador monofásico com uma coluna principal e duas colunas  de  retorno  de potência monofásica de  100  MVA  com  a  baixa tensão conectada em  delta e  a alta tensão conectada à rede elétrica em estrela aterrada.

A Figura 8A apresenta o mapa de cores onde representa densidade de fluxo magnético de um núcleo operando conforme especificado, em condições normais. A Figura 8B apresenta o mesmo equipamento, porém com 30A de corrente contínua injetada no neutro do enrolamento conectado à terra.

Como o transformador é um elemento passivo para o sistema elétrico, caso algum fenômeno ocorra, como sobretensão, afundamento de frequência e até mesmo o GIC, pode levar o equipamento à saturação, caso este não tenha sido projetado para atender tais requisitos.

O equipamento pode entrar em saturação de meio ciclo e produzir harmônicos para a forma de onda de corrente alternada gerando transmissão de energia ineficiente e possível falha de operação das proteções envolvidas.

 

Qualidade de energia & GIC

A qualidade de energia distribuída por uma rede afetada pelo efeito do GIC pode ser comprometida. Os medidores de qualidade de energia poderá sofrer alterações com interrupções, como a DEC (Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora) que indica o número de horas em média que um consumidor fica sem energia elétrica durante um período.

Um transformador de potência, como já foi abordado neste artigo é um equipamento de difícil substituição, logo, deverá ser projetado para tal situação, além disso, a FEC (Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora) indica a quantidade de vezes que ocorreu interrupção na unidade consumidora e, caso o sistema elétrico de alta tensão seja submetido ao GIC, poderá ocorrer desligamento não programado devido à atuação de relés de proteção dos transformadores, prejudicando o FEC.

 

Observações finais

Elevados níveis de correntes geomagnéticas induzidas podem causar saturação parcial do núcleo. Isso resulta em um pulso de pico de corrente de magnetização de curta duração. Devido à natureza de curta duração do efeito estudado, sobreaquecimento nas partes metálicas estruturais internas do transformador não prejudiciais ao equipamento não foram relatadas na maioria das vezes [6]. Durante a tempestade solar que ocorreu  no ano de 1989, alguns transformadores apresentaram superaquecimento em partes metálicas, os quais foram relatados na literatura.

Altas temperaturas em transformadores geram gases no óleo devido à decomposição do material isolante sólido e do óleo. Esta geração de gás poderá alarmar ou retirar o transformador de operação do sistema elétrico, indisponibilizando o equipamento e prejudicando os fatores de qualidade de energia.

Foi observada a importância de uma especificação técnica de alta qualidade que informe pontos importantes no momento da aquisição do equipamento, para evitar qualquer tipo de falhas futuras por fenômenos como o GIC.

Os fabricantes de transformadores devem apresentar durante o processo de revisão de projeto os cálculos obtidos e validados por normas técnicas atuais [9].

 


Referências

  • Calil, J.C. Mendes, J.Zacharias, P.Mundim, “Simulações Numéricas Aplicadas ao Projeto Avançado de Transformadores e Reatores de Alta Tensão” – Workspot Cigre A2 – 2010 – Foz do Iguaçu, Paraná.
  • Girgis, K. Vedante, K. Gramm, “Effects of Geomagnetically Induced Current on Power Transformers and Power Systems,” CIGRÉ A2-304, 2012.
  • Girgis. “Effects of GIC on Power Transformers and Power Systems” IEEE, St. Louis, MO, USA.
  • Lahtinen, J. Elovaara, “GIC Occurrences and GIC Test for 400 kV System Transformer” IEEE TRANSACTIONS ON POWER DELIVERY, VOL. 17, NO. 2, APRIL 2002.
  • NASA, acesso 20/04/2019 às 23h54. https://www.nasa.gov/mission_pages/sunearth/ news/solarcycle-primer.html
  • A. Mousavi, “Electromagnetic Modelling of Power Transformers for Study and Mitigation of Effects of GICs”, Doctoral Thesis, STOCKHOLM, SWEDEN 2015.
  • Furnas, “Correntes Geomacnéticas Induzidas e seus efeitos no Sistema Elétrico”, Workshop Cigré, 05/04/2016
  • Gurevich, Protection of Power Transformers Against Geomagnetically Induced Currents, SERBIAN JOURNAL OF ELECTRICAL ENGINEERING Vol. 8, No. 2, November 2011, 333-339
  • IEEE Std. C57.163-2015 – IEEE Guide for Establishing Power Transformer Capability while under Geomagnetic

 


Wilerson Calil é engenheiro eletricista e, atualmente, é expert engineer da Hitachi Abb Power Grids.

Adriana Venceslau Calil é Project Manager Internship da Schneider Electric.

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