Minerais estratégicos para a transição energética – o caso do lítio

Nesta coluna, exploramos o papel crucial do lítio na transição energética. Considerado um mineral essencial para a transição energética, é utilizado principalmente na fabricação de baterias, especialmente para veículos elétricos e para armazenamento estacionário de energia. Abordamos aqui o panorama da extração do lítio no Brasil, onde o mineral é encontrado em áreas como o Vale do Jequitinhonha, e discutimos a distribuição global das reservas, majoritariamente localizadas na China, Austrália e Chile. Além disso, são examinados os desafios ambientais e sociais relacionados à extração do lítio, bem como as características e benefícios das baterias de íon-lítio, essenciais para a evolução tecnológica e sustentabilidade energética.

 Aproximadamente 90% do lítio mundial produzido provém da China, Austrália e Chile. A Bolívia, individualmente, possui uma das maiores reservas globais de lítio, mas enfrenta limitações de produção, tornando-se um ponto de disputa entre empresas chinesas e estadunidenses. Cerca de 75% das reservas mundiais conhecidas de lítio estão localizadas no Triângulo Andino, que abrange o Salar de Atacama, no Chile, o Salar de Uyuni, na Bolívia, e as Salinas Grandes, na Argentina.

No caso brasileiro, pode ser extraído de espodumênio em áreas como o Vale do Jequitinhonha e a província de Borborema, onde o mineral encontrado é de alta pureza. Além das baterias, o lítio é usado na produção de cerâmicas, vidros, lubrificantes e nas indústrias elétrica, eletrônica, farmacêutica e metalúrgica.

No Chile, a extração de lítio a partir de salinas, bombeando salmoura para a superfície, tem reduzido os níveis de água em uma região dos Andes já afetada recentemente por uma seca extrema, prejudicando a agricultura e a pecuária locais. Na China, a mineração de lítio na região de Yichun, responsável por 12% da produção mundial, foi suspensa em dezembro de 2022 devido à contaminação do rio que fornece água para várias cidades. Portugal registrou em 2022 e 2023 dezenas de protestos contra a prospecção de lítio em diversas aldeias do país.

Há de se destacar que as técnicas de extração de lítio de rochas, salmouras e argilas evoluíram pouco desde o século passado, e ainda dependem de processos mecânicos e químicos caros que demandam grandes quantidades de energia e água. Para extrair lítio, os minérios rochosos precisam ser aquecidos a até 1.100 °C e, em seguida, tratados com ácido a 250 °C. Depois, passam por seis reações químicas adicionais que requerem mais calor, reagentes e água. Dependendo da matéria-prima, a produção de uma tonelada de lítio consome 70 mil litros de água e emite entre 3 e 17 toneladas de dióxido de carbono – de 2 a 11 vezes mais do que a produção de uma tonelada de aço. Além disso, produz os resíduos do processamento acumulados em lagoas de evaporação, que contêm metais pesados como arsênio, tálio e cromo, bem como urânio e tório, que são elementos radioativos naturais encontrados nos minérios de lítio.

Em usos de armazenamento de energia, o lítio é fundamental para a produção da bateria de íon lítio, as atuais no mercado, que conseguem armazenar a maior quantidade de energia em um menor volume. O que nos faz voltar mais uma vez nesta coluna à noção-chave desta nossa trajetória – a densidade energética.

O Gráfico de Ragone é uma ferramenta importante para comparar o desempenho de diferentes tecnologias de armazenamento de energia, plotando a densidade de energia versus a densidade de potência. Este gráfico ilustra como as baterias de íon-lítio se destacam ao oferecer uma combinação excepcional de alta densidade energética e densidade de potência. Enquanto algumas tecnologias de armazenamento, como as baterias de chumbo-ácido, podem fornecer alta densidade de potência, elas falham em densidade energética, resultando em menor duração.

As baterias de íon-lítio, por outro lado, equilibram eficientemente ambos os aspectos, proporcionando longa duração e capacidade de fornecer energia rapidamente quando necessário. Isso as torna ideais para uma ampla gama de aplicações, desde dispositivos eletrônicos portáteis, dos quais esta sociedade é cada vez mais dependente, até veículos elétricos e sistemas de armazenamento de energia em larga escala no contexto da tentativa de transição das fontes de estoque (carvão, petróleo e gás), para as fontes de fluxo que são intermitentes (eólica, solar, etc.) e, em alguns casos, precisam de complementariedade pelo armazenamento. 

Assim, embora o lítio seja um elemento vital para a transição energética, impulsionando avanços significativos na tecnologia de baterias e contribuindo para a sustentabilidade, é essencial refletir criticamente sobre os desafios e impactos associados à sua extração e uso. A transição energética não é um caminho simples; continuamos a depender de minerais estratégicos como o lítio, cuja distribuição na crosta terrestre é desigual. Essa desigualdade perpetua questões geopolíticas complexas, já que poucos países controlam a maior parte das reservas globais, o que pode levar a tensões e disputas econômicas e políticas. Além disso, a exploração do lítio enfrenta questões ambientais e sociais significativas, como a possibilidade de degradação dos recursos hídricos, a contaminação ambiental e os conflitos locais.

A dependência de técnicas de extração intensivas em energia e água levanta preocupações sobre a sustentabilidade a longo prazo desse mineral, e a necessidade de desenvolvimento de rotas de reciclagem eficientes. Portanto, é imperativo também que nos empenhemos em desenvolver métodos de extração e processamento eficientes e menos impactantes, e em explorar alternativas que possam mitigar os impactos negativos. A reflexão sobre esses aspectos, analisando todo o ciclo de vida das tecnologias, deve guiar as políticas e investimentos futuros, atuando no sentido da redução da dependência dos fósseis.


Sobre o autor:

Danilo de Souza é professor na Universidade Federal de Mato Grosso, sendo membro do Núcleo Interdisciplinar de Estudos em Planejamento Energético – NIEPE, e é Coordenador Técnico do CINASE – Circuito Nacional do Setor Elétrico. Danilo também é Pesquisador no Instituto de
Energia e Ambiente da USP | www.profdanilo.com

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