Por Márcio Sciamana
Edição 58 – Novembro/2010
Como um dos maiores movimentos associados à evolução tecnológica do setor elétrico, acompanhando tendências mundiais, a medição inteligente ou smart metering dá seus primeiros passos para se tornar uma realidade também no Brasil.
Preocupada com iniciativas até certo ponto desorganizadas e sem padronização, por parte das distribuidoras de energia elétrica, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) colocou em audiência pública no mês de outubro de 2010 um texto que procura definir requisitos mínimos associados à medição eletrônica para novas instalações e para substituições de rotina. Apesar de não tratar de questões relacionadas à infraestrutura de tecnologia da informação para interação remota com os equipamentos de medição e demais dispositivos acessórios, na realidade, os benefícios potenciais só se viabilizarão com a implantação do conceito de medição inteligente e/ou AMI (em inglês, Advanced Metering Infrastructure), muitas vezes, denominados também por smart metering.
Mas o que é a medição inteligente e o que motiva investimentos nesta área?
Existe uma definição aceita mundialmente: trata-se de um sistema composto por medidores com inteligência computacional embarcada, providos de portas de comunicação de dados e demais periféricos, suportado por uma infraestrutura de tecnologia da informação (telecomunicação, software e hardware), que permite a aquisição de dados remotamente em intervalos iguais ou menores que 1 hora, assim como o envio de informações e comandos remotos. Ou seja, o canal de comunicação deve ser mandatoriamente “bidirecional” com largura de banda adequada.
Apesar desta conceituação mais ampla, países como os Estados Unidos tiveram ciclos de investimentos em soluções inicialmente focadas apenas em leitura remota dos medidores, as denominadas AMR (Automated Metering Reading).
Estas soluções tiveram como motivadores os custos operacionais associados às leituras e aos possíveis erros e/ou retrabalhos no processo de faturamento. Para áreas urbanas, soluções compostas de medidores com rádios transmissores unidirecionais e dispositivos computacionais acoplados a rádios receptores foram adotadas por algumas Utilities. Estes dispositivos computacionais poderiam ser instalados em veículos (drive-by) ou em coletores portáteis (walk-by).
Para áreas rurais ou em regiões com baixa concentração de consumidores, tecnologias de transmissão de dados por meio da rede elétrica denominada PLC (Power Line Communication) tiveram uma grande aceitação, principalmente, entre as cooperativas de eletrificação
norte-americanas. O tipo de PLC escolhido foi o de largura de banda estreita, basicamente modulado sobre a frequência nominal da rede (50 Hz ou 60 Hz), por permitir o alcance a longas distâncias sem a necessidade de dispositivos adicionais para acoplamento de sinais/impedâncias entre a média e a baixa tensão.
Evolução do conceito: de AMR para Medição Inteligente (ou AMI)
Com o intuito de propiciar novas funções, como corte e religação remotos, e agregar maior valor aos investimentos realizados, as soluções existentes evoluíram e novas surgiram com comunicação bidirecional.
Em alguns países da Europa, considerando a grande concentração de unidades consumidoras por transformador de distribuição, soluções de PLC com concentradores por setor de transformação vêm sendo utilizadas. Estas soluções utilizam a modulação dos sinais de comunicação em frequências superiores, da ordem de kHz, permitindo uma maior largura de banda. Contudo, a transmissão destes sinais fica restringida à baixa tensão.
Novas soluções de RF (radiofrequência) surgiram com foco em transmissão remota de dados dos endpoints (medidores) até sistemas centralizados de coleta e tratamento das informações, eliminando definitivamente a necessidade de envio de técnicos ou leituristas a campo. Entre as soluções de rádio, a que está atualmente ganhando maior espaço no mercado é a Rede RF Mesh, uma rede que, dinamicamente, se auto-roteiriza, utilizando os rádios internos aos medidores como transmissores e também repetidores. Entre as vantagens desta rede, destaca-se exatamente esta reconfiguração automática da rede em eventos de indisponibilidade de um ou outro ponto (rádio) a um custo menor.
Medição inteligente e a realidade
É possível dizer que até 2004, os investimentos focaram leitura, corte e religação remotos essencialmente.
A partir de 2005, considerando a projeção de crescimento exponencial da demanda por energia elétrica em diversos países, uma discussão mais abrangente tomou forma, focando o estabelecimento de metas de eficiência energética/operacional e, por consequência, de redução de gases de efeito estufa (carbon footprint), com horizontes de dez a vinte anos. O conceito de smart grids foi estabelecido, sendo que, em diversos países, mecanismos de fomento ao desenvolvimento de projetos foram criados (incentivos, financiamentos, entre outros).
Com base neste cenário, a medição inteligente ou AMI passou a ter papel fundamental e foi considerada a “base” para a criação das redes elétricas inteligentes. Além dos requisitos básicos – leitura, corte e religação remotos – outros requisitos mais complexos passaram a compor o seu conceito, entre eles:
- Informações de tensão e corrente em tempo real, suportando atividades de operação do sistema elétrico;
- Informações de faltas de energia (power outages) e suas respectivas durações e abrangências (quantos consumidores foram atingidos, por exemplo), ou seja, informações da qualidade dos serviços;
- Gestão e controle das perdas não técnicas por meio de informações online de consumo e balanço energético por alimentador e/ou transformador de distribuição;
- Informações de qualidade da energia elétrica, suportando um planejamento dos sistemas elétricos de forma mais eficiente (qualidade do produto);
- Estabelecimento de novas modalidades tarifárias, por exemplo, a tarifa diferenciada por segmentos horários e/ou períodos do ano para consumidores conectados a baixa tensão, assim como o pré-pagamento de energia;
- Possibilitar a interação com cargas do consumidor, por exemplo, aparelhos de
ar-condicionado, refrigeradores, iluminação, etc. Associada a esta funcionalidade está o conceito de “demand response”, ou demanda responsiva, aplicado ao se controlar ativamente a demanda do sistema elétrico, por meio de desligamentos pontuais ou limitações da carga (load shedding), entre outros requisitos.
É possível observar que o potencial dos requisitos descritos anteriormente vai além da questão redução de custos operacionais. No Brasil, questões associadas às perdas não técnicas vêm viabilizando investimentos do setor em tecnologias de medição e de construção de redes que favoreçam a “blindagem” necessária. Contudo, são movimentos isolados, em empresas com grandes volumes anuais de perdas.
Para o avanço da medição inteligente no Brasil, faz-se necessário o estabelecimento de políticas públicas que definam diretrizes, metas e, principalmente, subsídios para os investimentos, de tal forma a não onerar o consumidor de energia elétrica. Como mencionado no início deste artigo, a agência reguladora já deu um grande passo, propondo uma regulamentação que defina os requisitos mínimos para a medição eletrônica. Outros passos, como definição de um horizonte para substituição de todo o parque de medidores e aplicação da infraestrutura avançada de medição devem ser brevement
e estabelecidos.
*Márcio Sciamana é responsável pela área de Arquitetura de Soluções em Smart Grid da Landis+Gyr