Nos últimos anos, a sociedade brasileira tem presenciado uma série de sinistros envolvendo subestações de energia elétrica, destacando-se o incêndio ocorrido em 9 de janeiro de 2025 na subestação da Enel em Fortaleza (CE) [1], o incêndio em 23 de outubro de 2024 em Pindamonhangaba (SP) [2], outro registrado em 5 de fevereiro de 2024 na subestação da Energisa em Campo Grande (MS) [3], o princípio de incêndio em 23 de maio de 2024 na subestação de Canoas (RS) [4], e, mais recentemente, o incêndio ocorrido na subestação do shopping Rio Anil em São Luís (MA) [5]. Esses eventos levantam uma questão crucial: o que está acontecendo? Por que tantas ocorrências em subestações de energia elétrica?
A confiabilidade e a segurança do sistema elétrico de potência são pilares essenciais para o progresso de uma sociedade moderna, garantindo estabilidade, eficiência e suporte às crescentes demandas por energia. Nesse cenário, as subestações desempenham um papel estratégico na infraestrutura de geração, transmissão e distribuição de energia. Contudo, as atividades relacionadas à instalação, comissionamento e manutenção desses sistemas vão muito além de procedimentos básicos, exigindo o cumprimento rigoroso de normas e regulamentações específicas. Esse cuidado não apenas garante a integridade dos equipamentos e sistemas, mas também assegura a proteção das vidas e garantia da incolumidade pública.
A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) estabelece diretrizes detalhadas para a operação e manutenção de transformadores, equipamentos essenciais para o funcionamento das subestações elétricas. A ABNT NBR 17048, por exemplo, é dedicada aos transformadores de potência do tipo seco, com tensão de até 36,2 kV, e abrange todas as etapas, desde o recebimento, instalação e operação até a manutenção, determinando que tais atividades sejam realizadas exclusivamente por profissionais qualificados. De maneira semelhante, a ABNT NBR 7036 regula o transporte, a instalação e a manutenção de transformadores de distribuição imersos em líquidos isolantes, também com classe de tensão de até 36,2 kV, reforçando a importância de profissionais devidamente habilitados para assegurar a segurança e a eficiência nos procedimentos. Complementando, a ABNT NBR 12454 especifica as características elétricas e mecânicas de transformadores aplicáveis às redes de distribuição, incluindo aqueles com potência igual ou superior a 500 kVA, consolidando a necessidade de expertise técnica em todas as etapas relacionadas a esses equipamentos.
Além dessas normas específicas da ABNT, a Norma Regulamentadora NR-10, que estabelece diretrizes para segurança em instalações e serviços em eletricidade, determina, em seu item 10.2.7, que os Prontuários de Instalações Elétricas devem ser elaborados por profissionais legalmente habilitados, bem como os Projetos Elétricos, conforme disposto no item 10.3.8. A NR-10 também prevê que tanto os procedimentos relacionados às medidas para desenergizar instalações elétricas, como as medidas necessárias para manter a desenergização, podem ser alterados, substituídos, ampliados ou eliminados, dependendo das peculiaridades de cada situação, desde que haja justificativa técnica e que tais ações sejam conduzidas por profissional habilitado e autorizado, conforme estabelece o item 10.5.3. Essa regulamentação demonstra de forma inequívoca a necessidade de engenheiros para assegurar a execução das atividades em conformidade com normas técnicas e para garantir a proteção e segurança da sociedade, alinhando-se aos princípios fundamentais que regem a engenharia e a legislação vigente no setor elétrico.
O transformador é um componente essencial das subestações, pois é responsável por ajustar os níveis de tensão dentro do sistema elétrico de potência. Contudo, sua operação envolve riscos significativos, como a geração de surtos de tensão perigosos durante interrupções abruptas do funcionamento. Esse fenômeno pode ser explicado pela equação vL = L (di/dt), onde vL representa a tensão em uma carga indutiva, L a indutância e di/dt a variação da corrente ao longo do tempo. A equação demonstra que, ao interromper bruscamente o funcionamento de uma subestação, ocorre uma rápida variação de corrente, o que pode levar a surtos impulsivos de tensão. Por isso, a operação e manutenção em subestação de energia elétrica devem ser executadas e supervisionadas por engenheiros devidamente habilitados, para que se opere dentro dos requisitos técnicos de segurança.
As atividades de instalação, comissionamento e manutenção de subestações de energia elétrica são complexas e exigem competências exclusivas dos engenheiros eletricistas devidamente habilitados. Essas atribuições abrangem o planejamento, projeto, análises, avaliações, vistorias, perícias, pareceres e divulgação técnica, experimentação, ensaios, fiscalização, direção, execução e produção técnica especializada em sistemas de geração, transmissão, distribuição e utilização de energia elétrica. Incluem-se também o trabalho com equipamentos, materiais, máquinas elétricas e sistemas de medição e controle elétricos, como determinado pelos artigos 1º, 7º e 27 ‘f’ da Lei Federal nº 5.194/1966 c/c art. 8º da Resolução CONFEA nº 218/1973 e arts. 5º e 7º da Resolução CONFEA nº 1.073/2016. Cabendo esclarecer que geração, transmissão, distribuição e utilização da energia elétrica, equipamentos, materiais e máquinas elétricas, e sistemas de medição e controle elétricos constam do rol das atribuições iniciais do engenheiro eletricista, conforme estabelecido pela legislação e regulamentação profissional da engenharia brasileira [6,7,8].
Eventos como os mencionados evidenciam a necessidade urgente de fiscalização mais rigorosa e da conscientização sobre a importância do cumprimento das normas técnicas e regulamentações. A segurança da infraestrutura elétrica brasileira depende, em grande parte, da atuação de profissionais habilitados para garantir que os sistemas operem de maneira eficiente e segura, reduzindo os riscos de acidentes e garantindo a confiabilidade do fornecimento de energia. O que fazer para reduzir esse número alarmante de sinistros? O primeiro passo é conscientizar a sociedade de que quem entende de engenharia é o Engenheiro e, por isso, é indispensável cumprir as recomendações técnicas emitidas por esses profissionais, e abandonar o exercício ilegal da engenharia como prática de solução barata e viável. Além disso, é essencial priorizar investimentos em inspeção e manutenção preventiva, inspirando-se em países, como os Estados Unidos, que reconhecem que proteger vidas deve ser a maior prioridade [12]. Afinal, que medidas tomaremos para evitar novas tragédias?
Sobre o autor:
Rogerio Moreira Lima Silva é Engenheiro Eletricista, Mestre e Doutor em Engenharia Elétrica com ênfase em Telecomunicações. Também é Diretor de Inovação da ABTELECOM, 1º Secretário da ABEE-MA e membro efetivo da Academia Maranhense de Ciências. Paralelamente, desempenha atividades como professor na Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).