Resumo
Este artigo além contextualizar uma análise histórica, apresenta o potencial da Geração Distribuída (GD) solar fotovoltaica no Brasil, tecnologias atuais, perspectivas, desafios atuais após a vigência da Lei 14.300/22 e possível regulamentação futura do sistema de armazenamento de energia pela ANEEL. Com o advento atual de novas tecnologias e soluções disponíveis no mercado mundial, novos modelos de negócio tornaram-se atrativos para investidores e acessantes do sistema elétrico interligado nacional, possibilitando compatibilizar a GD fotovoltaica com sistemas de armazenamento distribuídos. A utilização desta fonte de energia renovável para o consumo residencial, comercial e industrial, além de viável economicamente, traz consigo redução de impactos sócios ambientais e ampliação da matriz energética. A expansão da fonte é promissora, seguindo uma tendência mundial com expectativas futuras de potência instalada total no Brasil em torno de 65 GWp até o final de 2025, representando aproximadamente 84,5 TWh de produção total, correspondendo a 26 % do total do País. Os sistemas de armazenamento de energia são fundamentais no contexto de transição energética brasileira, principalmente pela intermitência de fontes renováveis como solar e eólica, contribuindo para a redução das emissões de gases de efeito estufa e a melhoria da qualidade e confiabilidade do fornecimento de energia elétrica.
1. Introdução
A fonte de energia solar fotovoltaica é favorável no Brasil pelas condições climáticas favoráveis, com altos níveis de irradiação solar em grande parte do seu território. No entanto, alguns desafios atuais necessitam ser superados para que a energia solar fotovoltaica atinja o seu potencial proposto como fonte consolidada, tais como: custo de geração, armazenamento de energia, inversões de fluxo de potência, complexidade operacional, controle complexo de tensões, dificuldades de coordenação da proteção, violações de fator de potência, exaurimento de subestações e incapacidade de escoamento de energia em média tensão, os quais serão explanados com possíveis soluções ao longo deste trabalho técnico. O custo por watt pode ser reduzido aumentando-se a eficiência dos principais ativos envolvidos na geração (módulos e inversores) e reduzindo o custo de fabricação em toda a cadeia produtiva, o que pode ser impulsionado com a entrada de novas tecnologias do mercado mundial.
Com relação às anomalias atuais operacionais impeditivas de novas conexões no sistema elétrico, são necessários esforços conjuntos de todos os setores envolvidos no processo, que também serão explanados neste trabalho técnico. Tratando de pesquisas e inovações tecnológicas referentes às energias renováveis, a fonte solar tem-se destacado das demais nos últimos anos.
A utilização da energia solar para geração de energia elétrica traz benefícios ambientais e segurança energética, pois os ativos utilizados para esta finalidade além de simples aplicação, não geram ruídos bem como emissões de elementos poluentes durante a operação. Considerando as tecnologias atuais disponíveis no mercado, afirmamos que as mesmas são escaláveis, utilizadas em aplicações de pequeno ou grande porte, com baixa manutenção e considerável ciclo de vida útil. Além da questão do quesito sustentabilidade, a energia solar em conjunto com sistemas de armazenamento de energia elétrica pode ser um vetor de incentivo relevante para o desenvolvimento social, econômico e ambiental do País, com geração de rendas, investimentos, diversificação da matriz elétrica e benefícios sistêmicos.
O planejamento técnico financeiro eficiente das concessionárias de energia elétrica (conhecendo previamente o potencial solar em nas suas concessões) com obras estruturantes pontuais integradas ou não com sistemas de armazenamento de energia, norteará mais crescimento da matriz energética e consequente maior crescimento econômico do setor, que também será amplamente explanado neste artigo.
2. Desenvolvimento
2.1 – Geração Distribuída (GD): Histórico da regulamentação atual
2.1.1 – Histórico da regulamentação da GD no Brasil
Desde a publicação da Resolução (RN) 687/2015 da ANEEL, que alterou sensivelmente a Resolução (RN) 482/2012, havia a previsão de fazer uma avaliação dos impactos desta resolução e promover a revisão até 31 de dezembro de 2019, levando a uma possível atualização. Entre 2018 e 2019, por meio de consultas públicas envolvendo diferentes segmentos da sociedade, ocorreram diversos debates sobre esta proposta apresentada pela Aneel. Como resultado do processo de debate na época, identificou-se a necessidade de assegurar ao mercado de geração distribuída o seu estabelecimento via lei federal, ou seja, pela criação de um marco legal no Brasil, por meio do PL (Projeto de Lei) 5.829/2019. Em paralelo a esta elaboração, a Aneel seguiu com seus trabalhos internos para a revisão definitiva da RN 482/2012 e publicou, no final de março de 2021, uma minuta da nova resolução normativa. A PL 5.829/2019 foi aprovada no senado federal no dia 16/12/2021, e no dia 05 de janeiro de 2022 o presidente da república sancionou o projeto de lei nº 5.829/2019 que institui o marco legal da GD através da Lei 14.300/2022. A Lei foi publicada no diário oficial dia 07 de janeiro de 2022. Em fevereiro de 2023 a Aneel regulou esta Lei, o que culminou na RN 1.059/2023 atualizando a RN 1.000/2021.
2.1.2 – Impactos importantes na GD com a vigência da Lei 14.300/22
As mudanças mais impactantes verificadas no setor após a data de vigência da Lei 14.300/2022 (07/01/2023), foram basicamente nos itens de potência instalada das usinas e valores de compensação anuais das injeções de energia elétrica. As tabelas 01 e 02 ilustram estas principais mudanças:
Tabela 1. Mudanças na potência instalada para GD após a Lei 14.300/2022
Tabela 2. Comparação antes e depois da lei 14.300/22: valores de compensação
2.2 – Geração Distribuída (GD) Fotovoltaica
Geração distribuída fotovoltaica de energia elétrica (fonte não despachável e potência instalada até 3MW) é constituída de micro geração (potência instalada menor ou igual a 75 KW) e mini geração (potência instalada superior a 75 kW e menor ou igual a 3 MW) com diversos arranjos de módulos fotovoltaicos, inversores e demais componentes, dimensionados e projetados de acordo com a potência demandada. Destacam-se no Brasil os sistemas de geração fotovoltaico conectado e hibrido:
- conectado: sistema conectado a uma rede de distribuição absorvendo e injetando energia elétrica (CA), conforme dinâmicas instantâneas da carga e da geração do sistema fotovoltaico.
- híbrido: sistema misto com a possibilidade de armazenamento de energia em uma bateria, para fornecimento de energia elétrica (CA) em caso de indisponibilidade de fornecimento através da rede de distribuição.
2.3 – O Potencial da Geração Distribuída Fotovoltaica no Brasil
O conhecimento do recurso solar é uma importante ferramenta para a difusão do uso desta fonte com fins energéticos, bem como para o correto dimensionamento do gerador e estimativa da quantidade de energia que o mesmo pode gerar anualmente. Uma considerada média anual de irradiação solar direta global é preponderante para o potencial fotovoltaico de uma determinada região. Baseado nestes quesitos, conclui-se que a geração fotovoltaica de energia elétrica tem um grande potencial no Brasil, destacando-se grande parte do norte/triângulo de MG e grande parte do nordeste do País. No local menos ensolarado, é possível gerar mais energia solar do que no local mais ensolarado da Alemanha, por exemplo.
Observa-se que a geração solar fotovoltaica tem um caráter bem pulverizado em todo o território brasileiro. Sua adoção é tanto mais viável quanto mais onerosa for a tarifa de energia da distribuidora local e quanto maior o índice de irradiação anual da região. A demanda crescente de energia elétrica vem alterando o perfil de consumo e demanda no Brasil. Ano a ano, de acordo com curvas de carga registradas pelo ONS (Operador Nacional do Sistema), os picos máximos de energia elétrica são registrados nos meses de verão no período entre 12 e 15 horas, coincidindo excelentemente com os índices máximos de irradiação solar para a geração fotovoltaica. Neste contexto, e por sua natureza distribuída, a geração solar fotovoltaica tem um grande potencial de contribuição para a redução dos picos de demanda dos sistemas de transmissão do SIN (Sistema Interligado Nacional).
Nos próximos anos, e com o aumento da penetração da geração solar fotovoltaica por todo o Brasil, a geração de energia elétrica próxima ao ponto de consumo deverá ser reconhecida pelo sistema elétrico como um dos seus principais atributos. Com a acentuada redução de custos experimentada pela tecnologia fotovoltaica nos últimos anos, o cenário vem ficando cada vez mais favorável à sua adoção em escala crescente.
2.4 – Atuais modelos de negócios fotovoltaicos no Brasil
Desde a publicação da RN 687/2015 que alterou sensivelmente a RN 482/2012, havia uma boa previsão por parte da Aneel de amplas possibilidades de negócios em micro e minigeração distribuída de energia, estabelecendo modelos de geração de energia solar própria e coletiva (consórcio, cooperativa e condomínio), além de manter o sistema de compensação. Consolidou-se, portanto, um mercado no qual um consumidor que gera mais energia do que consome, receba seus créditos de energia (em KW/h) e que podem ser utilizados dentro das modalidades geração local, auto consumo remoto, condomínios e geração compartilhada. A atratividade no atual mercado de GD se dá pelo fato de que o sistema de compensação permite que os créditos de energia sejam utilizados pelo próprio consumidor para o abatimento nas unidades consumidoras sob sua titularidade (incluindo matriz/filial), mesmo que seja em local diferente daquele onde o crédito foi gerado, bem como permite a reunião de consumidores para o desenvolvimento de um projeto de GD conjunto e compartilhar os benefícios de uma usina em comum, visando otimizar custos de acordo com sua participação percentual no projeto conjunto.
2.4.1 – Modelo de negócio em destaque atualmente no Brasil
Atualmente o modelo geração local se destaca fortemente com relação aos demais em todo o mercado fotovoltaico brasileiro com cerca de 75 % do total, devido a utilização otimizada da rede de distribuição da concessionária acessada, pela possível simultaneidade de geração própria/consumo, pagando desta maneira menos parcela da TUSD fio B (quanto maior a simultaneidade, menos uso da rede e pagamento menor da TUSD fio B).
2.4.2 – Impactos nos atuais modelos de negócio após a Lei 14.300/22
O acessante que solicitou a conexão (no modelo de compensação considerando todas as componentes da tarifa de energia, menos a TUSD Fio B) no sistema elétrico dentro do território brasileiro após 07/01/2023, teve que se enquadrar em um dos 4 modelos de negócios citados anteriormente, e seguir a regra de transição destacando neste quesito o pagamento parcial e gradativo da componente TUSD Fio B da tarifa, pelo período de 6 anos, chegando até 100 % em 2029, conforme tabela 03 a seguir:
Tabela 3. Linha do tempo de cobrança da TUSD Fio B, após a Lei 14.300/22
As regras de compensação a partir de 2029 irão depender de um estudo a ser realizado pela Aneel. Teve um período de transição para conexões entre 07/01/2023 e 07/07/2023, em que foi garantido a cobrança de 90% até 2030. Conclui-se que quanto mais antecipado se der a conexão do acessante ao sistema elétrico, mais atrativo será o investimento tanto com relação a payback quanto a TIR (Taxa Interna de Retorno) final. Para os casos de acessos ao sistema elétrico no modelo de compensação considerando 100% da TUSD Fio B + 40% da TUSD Fio A (para usinas auto consumo remoto ou compartilhada + 25% maior que 500 KW), não teve período de transição.
2.5 – Tendências e inovações tecnológicas para sistemas fotovoltaicos e armazenamento de energia
Quando se trata de pesquisas e inovações tecnológicas referentes às energias renováveis, as fontes de origem solar fotovoltaica tem-se destacado das demais nos últimos anos. As pesquisas focam o aprimoramento dos componentes com objetivos de tornar, principalmente os módulos e inversores, mais eficientes e com diminuição de custos de produção. Diversos fatores são favoráveis à energia solar fotovoltaica, tais como: alto rendimento energético por hectare (cinco vezes maior que a eólica e dez vezes maior que a cana-de-açúcar) e a alta eficiência termodinâmica. Além disso, fotovoltaicos são silenciosos, modulares, utilizam combustível gratuito e possuem baixo custo operacional e de manutenção (OPEX). A utilização da energia solar para geração de energia elétrica também traz benefícios ambientais e segurança energética, pois os ativos utilizados para esta finalidade além de simples aplicação, não geram ruídos bem como emissões de elementos poluentes durante a operação. Ao longo dos anos, principalmente a partir de 2020 com o desenvolvimento e advento de novas tecnologias e incentivos fiscais, a evolução da fonte solar fotovoltaica vem crescendo no Brasil, sendo atualmente a segunda em potência instalada do total da matriz elétrica nacional. Com o crescimento exponencial no Brasil de novas conexões de micro e mini geração fotovoltaica, torna-se essencial no momento a integração desta fonte de energia com sistemas de armazenamento de energia de pequeno e grande porte.
2.5.1 – Novas tecnologias de módulos fotovoltaicos
O investimento em geração fotovoltaica pode ser reduzido aumentando-se a eficiência das células solares individuais e consequentemente dos módulos, e/ou reduzindo o custo de fabricação. Assim, novas tecnologias primordialmente necessitam ter simultaneamente alta eficiência e baixo custo. Historicamente, o silício cristalino (C-Si) tem sido usado na maioria das células fotovoltaicas, após um processo de purificação e tratamento químico visando a produção de energia elétrica, com o efeito fotovoltaico. Este material representa 90% do mercado fotovoltaico, pois são estáveis, eficientes (20% a 24%), além de utilizar tecnologia desenvolvida na indústria de microeletrônica. A principal novidade na construção de módulos fotovoltaicos atualmente consiste no aumento gradual das células ao longo dos anos, principalmente após a consolidação da tecnologia Half Cell: a indústria mundial está lançando neste ano células de tamanho de 282 e 210 mm, alterando parâmetros elétricos importantes da geração, como corrente e potência elétrica na entrada dos inversores.
2.5.2 – Novas tecnologias de inversores fotovoltaicos
A evolução tecnológica dos inversores no mercado mundial se dá em caráter continuo, com os fabricantes procurando atender todas as novas necessidades do setor, bem como o aumento da eficiência energética. Com relação a atualização tecnológica constante de todas as categorias de inversores, destacam-se os híbridos on-grid/off-grid com novos diferenciais de integração utilizando banco de baterias com tensão segura, compatível com as tecnologias de lítio e de chumbo-acido. Os atuais novos inversores já possuem tempo de transferência rede-backup menor de 10 ms, não necessitando de quadro de transferência externo para cargas prioritárias: quando ocorre uma falta na rede, atuam de fato como backup enviando e recebendo informações usando “bits” (fluxos de informações) para gerenciar “watts” (fluxos de energia). Todo o elo de geração-transmissão-armazenamento-distribuição-consumo é visível, gerenciável e controlável. utilizando os módulos fotovoltaicos e banco de baterias para alimentar a carga. Outras novas tecnologias como a Smart String ESS, adotam uma arquitetura distribuída e design modular: o gerenciamento inteligente digital otimiza a energia no nível da bateria e controla a energia no rack, resultando mais energia na descarga, segurança e confiabilidade durante todo o ciclo de vida do sistema, otimizando também CAPEX e OPEX. São desafios atuais que impulsionam novas tecnologias nos inversores.
2.5.3 – Sistemas de armazenamento de energia com baterias
Os sistemas de armazenamento de energia com baterias são diversificados, pela flexibilidade, qualidade de energia e adequado para diversas aplicações. O crescimento e sua projeção no mercado mundial destacam-se principalmente em países desenvolvidos, com destaque para China, EUA e Alemanha, conforme gráfico ilustrado a seguir:
Esta evolução mundial fundamenta-se principalmente pelos fatores listados a seguir:
- maior confiabilidade do sistema elétrico: redução do tempo de exposição a riscos sistêmicos.
- melhora da segurança e flexibilidade operativa: mitigar aberturas de LT’s e “CURTAILMENT” (principalmente nas Gerações Centralizadas).
- estabilidade do sistema elétrico: intermitência diária da solar e eólica (função de carga e geração).
- descarbonização: redução de emissão de gases – eliminação do diesel em regiões remotas (principalmente no Agronegócio).
Com relação ao mercado brasileiro, percebe-se uma evolução anual no MWh acrescido anualmente, conforme figura 2 a seguir, justificado talvez pelo CAPEX mais atrativo do investimento pela queda contínua dos preços das baterias, diminuindo consideravelmente o payback para os projetos futuros de armazenamento.
2.5.3.1 – Otimização de grandes despachos de energia
No despacho otimizado de geração, os armazenadores de energia podem praticar um papel fundamental para deslocamento de fontes mais baratos ao longo do horizonte de análise (dia, semana, mês e ano). O custo de geração do sistema varia ao longo do tempo com horários fora de pico normalmente com custos marginais mais baixos. Armazenadores de energia podem ser carregados nesses períodos e descarregados durante períodos de alto custo, reduzindo os custos operacionais de todo o sistema, podendo postergar ou eliminar novos investimentos em geração de energia. Neste contexto, o agente armazenador poderia receber pela diferença entre os custos marginais de carregamento e descarga da energia, além de uma receita mínima requerida para recuperar o investimento.
2.5.3.2 – Serviços anciliares de grande porte
2.5.3.2.1 – Suportes de tensão
Os sistemas de armazenamentos através dos conversores eletrônicos podem controlar a energia reativa e/ou a tensão de forma a otimizar a operação das fontes renováveis. Embora potência reativa e controle de tensão não necessitam de armazenamento de energia, a não ser para teoricamente suprimir as perdas do conversor, os conversores para as fontes renováveis podem ser programados para manterem um nível adequado de tensão a medida que suprem energia ativa para a rede, ou carregam baterias de um sistema de armazenamento.
2.5.3.2.2 – Black start
Capacidade do sistema para recompor frente a uma falha que gere apagões totais ou parciais. Segundo a REN 697/15 da ANEEL, o ONS identifica as unidades geradoras que prestam serviços de auto restabelecimento integral, com estas recebendo anualmente receita integral. Normalmente estes agentes necessitam de baterias para poder dar partida nos geradores tanto na recomposição fluente como assistida.
2.5.3.2.3 – Load following
Este serviço gerencia a diferença entre a saída do gerador agendada para o dia a frente, a atual saída do gerador e a demanda atual. O armazenamento de energia é adequado para essa aplicação pelos seguintes fatores:
- a maioria dos tipos de armazenamento podem operar com saída parcial com boa performance.
- a maior parte dos tipos de armazenamento apresentam uma resposta rápida comparado a diversos tipos de geração.
- o armazenamento pode ser utilizado efetivamente tanto no aumento quanto na redução de carga, por meio dos processos de descarga e carregamento.
2.5.3.3 Sistema de armazenamento de grande porte integrado com geração fotovoltaica: BESS (Battery Energy Storage System)
Consiste basicamente de um conjunto de baterias eletroquímicas e equipamentos de processamento de energia de grande porte, capazes de armazenar energia para permitir a flexibilização da gestão de energia produzida e/ou comprada com inteligência, possuindo estes componentes principais:
- BMS – sistema eletrônico inteligente para gerenciamento da bateria e sua vida útil, situado geralmente próximo ao conjunto de células eletroquímicas que compõe a bateria principal: controle de nível de temperatura, permissão de carga e descarga etc.
- EMS – sistema controlado por computador para tomada de decisões quanto ao controle e otimização de fontes de geração e rede elétrica: decisão do melhor momento para cada fonte de energia e controle de demanda.
- PCS – conversores de potência responsáveis pelo tratamento e processamento da energia.
2.5.3.4 – Tipo de sistemas de geração fotovoltaica de pequeno e médio porte integradas com armazenamento em baterias
2.5.3.4.1 – Backup
Função de restabelecimento imediato de energia em interrupções de fornecimentos em uma instalação completa ou somente em cargas previamente selecionadas, provendo segurança e conforto para os consumidores em geral, conforme mostrado na figura 4 a seguir.
2.5.3.4.2 Peak shaving (controle de demanda)
Solução para clientes do grupo A (média tensão) que ultrapassam a demanda contratada em determinados períodos do dia, ocasionando multas por ultrapassagem de demanda. O sistema elimina os picos de consumo acima da demanda contratada em horários previamente estabelecidos, com o descarregamento de energia através de baterias, e nos períodos de demanda reduzida o sistema de armazenamento é carregado novamente.
2.5.3.4.3 – Time shift (controle do horário de consumo)
O sistema funciona com uma solução para diminuir ou substituir a energia consumida em períodos de maior valor de tarifa. Nos períodos de maior valor de tarifa (horários de ponta). o fornecimento de energia é suprido pelo sistema de armazenamento de baterias, previamente já carregado pelo sistema de energia fotovoltaica no período fora ponta.
2.5.4 – Regulamentação atual do armazenamento de energia segundo a ANEEL
A ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) está em andamento no processo de regulação do armazenamento de energia elétrica, demandando atividades regulatórias para o tratamento da inserção de sistemas de armazenamento na transmissão, distribuição e consumo na próxima revisão de sua agenda regulatória, referente a 2025 e 2026. A segunda fase da consulta pública terminou no dia 30 de janeiro de 2025 e a terceira fase está na análise das sugestões recebidas, visando elaborar a nota técnica e a futura norma prevista para publicação ate o final de maio/2025.
Dentre os resultados da análise das contribuições da primeira fase, destacam-se:
- incentivar projetos de pesquisa e projetos-piloto: propõe incentivar a realização de projetos individuais de PDI e realizar soluções de pontos críticos de carga/escoamento do sistema.
- aproximar equipes técnicas de referência: buscar estabelecer cooperação com órgãos nacionais e internacionais do setor elétrico para desenvolvimento de estudos conjuntos, compartilhamento de experiências, e capacitação das equipes no que tange ao sistema de armazenamento de energia.
- ampliar o conhecimento sobre os sistemas de armazenamento de energia elétrica: buscar promover capacitações em relação ao tema.
- combinar agendas entre instituições e publicá-las: criar agenda institucional conjunta entre diversas entidades de modo a regular o tema de forma mais abrangente, com foco nos resultados e prazos.
2.6 – Impactos de desafios do sistema elétrico com a expansão da geração fotovoltaica no Brasil
O crescimento, principalmente da minigeração distribuída fotovoltaica no Brasil, tem impactado de alguma maneira o sistema elétrico das concessionárias de energia, especialmente sob alguns aspectos operacionais e de proteção, dos quais se destacam:
- inversão do fluxo de potência no posto de transformação da distribuidora ou no disjuntor do alimentador, ocasionando violação dos limites de carregamento dos ativos da rede, bem como ultrapassagem dos limites operativos dos módulos de tensão nos barramentos, causando instabilidade no sistema elétrico.
- complexidade operacional: a operação do sistema elétrico em circuitos com geração distribuída é desafiadora para a concessionária de energia devido ao efeito do fluxo reverso, principalmente observados em manobras de transferências.
- controle complexo de tensão do sistema: influência do fator de potência em determinados pontos da conexão.
- dificuldade de coordenação da proteção: mais uma fonte de energia no sistema contribuindo para o curto-circuito, dificulta a coordenação dos respectivos ativos.
- possível violação do fator de potência em alguns pontos de conexão.
- exaurimento de subestações transformadoras e da capacidade de escoamento de energia em redes de média tensão.
- elevação das perdas na rede devido à distância da conexão as subestações de energia.
Alguns outros aspectos também devem ser considerados com relação às conexões fotovoltaicas em sistemas elétricos de distribuição:
- normalmente a maioria das conexões fotovoltaicas são realizadas em alimentadores tipicamente residenciais.
- conexões em pontos insuficientes tecnicamente do sistema tem se mostrado inviável devido as variações de tensão impostas pelas variações de geração.
- unidades geradoras com potências de até 1 MW tendem a contribuir mais com a redução das perdas elétricas da rede, e consequentemente com o aumento da eficiência do sistema de distribuição.
- unidades geradoras com potências entre 2,5 MW e 3MW de potência ativa tendem a contribuir para a elevação das perdas elétricas.
- quanto maior o montante de injeção e mais distantes das subestações de energia, maior a tendência de elevação das perdas na rede.
Portanto, torna-se mais viável técnica e economicamente tanto para a concessionária quanto para o acessante, uma conexão, principalmente de minigeração distribuída fotovoltaica, mais próxima a uma subestação transformadora ou em algum tronco de alimentador com capacidade de potência disponível. A concessionária CEMIG em MG desenvolveu uma ferramenta online para informar a disponibilidade de novas conexões de GD, indicando a capacidade do sistema elétrico de uma região para receber novas cargas oriundas de micro e minigerações. O Mapa de disponibilidade contempla todas as mais de 400 subestações da CEMIG no Estado, além de indicar as futuras a serem instaladas, ver figura 7 a seguir:
3. Conclusão
Ao longo deste artigo explanamos tendências de expansão da energia solar fotovoltaica no Brasil com base principalmente nos seguintes fatores:
- média anual de irradiação solar totalmente favorável e preponderante para o potencial fotovoltaico, destacando-se grande parte do triângulo mineiro e norte de MG, bem como centro oeste e nordeste do País.
- revisão da REN 482/2012 proposta pela ANEEL, que regulamentou definitivamente as regras gerais de conexão das centrais de geração distribuída em sistemas de distribuição, tornando novos modelos de negócios mais atrativos para os acessantes em geral.
- redução dos picos de demanda em sistemas de transmissão do sistema interligado nacional (SIN), principalmente com a possibilidade de geração de energia elétrica próxima ao ponto de consumo.
- redução dos custos de tecnologia fotovoltaica nos últimos anos, contribuindo para um cenário cada vez mais favorável à sua adoção em escala crescente.
- conscientização dos consumidores, principalmente aqueles relacionados a questões ambientais, influenciando cada vez mais o processo de tomada de decisão para um determinado produto ou serviço, bem como contribuindo para adoção de práticas sustentáveis e maior qualidade de vida.
- pesquisas constantes em todo mundo com foco no aprimoramento das tecnologias, objetivando aumentos de eficiência e diminuição dos custos de produção dos principais componentes do sistema fotovoltaico.
Porém, o País ainda necessita avançar principalmente com relação a políticas públicas efetivas para investimentos de pesquisa e inovação, viabilizando a implantação e aprimoramento de novas tecnologias que possam garantir a utilização desta fonte em larga escala, integradas com sistemas de armazenamento de energia, o que já ocorre em relação em outros países desenvolvidos. Como nossa matriz energética atual já é consideravelmente limpa, tem-se a falsa impressão que não é urgente para o país investir em renováveis, eficiência energética e na descarbonização. Talvez este fato possa explicar o atraso regulatório referente ao estabelecimento do sistema de compensação (ocorrido apenas em 2012) e a realização de leilões de energia, que apenas passaram a incluir a fonte solar a partir de 2014. A política energética brasileira deve constituir-se em um planejamento de longo prazo, guiado pela necessidade de crescimento econômico sustentável (observada portanto sob o ponto de vista holístico) abrangendo aspectos ambientais, de pesquisa, de política industrial e de difusão de conhecimento.
Com base na tendência atual de crescimento substancial da fonte de geração fotovoltaica no Brasil, o que pode impactar o sistema elétrico de distribuição do ponto de vista operacional e de proteção, é imperativo neste momento o planejamento também eficiente de integração desta fonte com sistemas de armazenamento de energia de pequeno, médio e grande porte. Além de desempenhar também um papel importante na transição para a sustentabilidade e desenvolvimento de toda a cadeia produtiva em geral.
As expectativas relacionadas ao uso de sistemas de armazenamento e diversas fontes são altas, pois podem aumentar a quantidade de serviços que podem ser prestados dentro do setor elétrico. Portanto, além de questões técnicas e econômicas, é preciso discutir aspectos regulamentares, que já está no programa regulatório da ANEEL. Pesquisas já mostram projetos com viabilidade econômica e outros podem com a modernização do marco regulatório do setor, bem como com o avanço tecnologia.
O planejamento deve acompanhar a evolução dessas soluções, levando em consideração o potencial de mudanças revolucionárias na forma como todo o setor elétrico opera. Do ponto de vista socioambiental, o potencial das baterias para contribuir com a redução da intensidade de carbono da matriz elétrica brasileira é grande, pois permitem aumento da participação das fontes de energia renováveis. Além disso, devido à flexibilidade de localização e opções de serviço disponíveis, as baterias podem ser instaladas com menor sensibilidade socioambiental e impacto de implantação de linhas de transmissão e distribuição. Por fim, oferecem outras oportunidades ao gerar novos empregos em toda a cadeia de fomento do desenvolvimento econômico.
No entanto, os desafios de segurança se destacam em toda a cadeia produtiva principalmente com relação ao descarte ambientalmente adequado de baterias usadas. Para isso é importante assegurar condições adequadas de armazenamento, transporte, operação e disposição final que minimizem os efeitos e o risco de acidentes e poluição. Nesse sentido, a implementação da economia circular é essencial e passa desenvolver uma estrutura de cobrança para implementar a logística reversa, além de incentivar para reutilização e reciclagem. Vale a pena notar que os sistemas de armazenamento têm a possibilidade de reutilização da bateria. Recomenda-se mapear as diversas possibilidades de aplicação e requisitos de serviço para potencializar esse tipo de sinergia.
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MENEZES, RAISSA, Sistemas de armazenamento de energia utilizando baterias para melhoria da geração de energia de usina fotovoltaica/R.M.M. São Paulo, 2022.
Sobre o autor:
Edmilson Dias é engenheiro eletricista com mais de 30 anos de experiência no setor elétrico, com sólida atuação na CEMIG, onde desenvolveu projetos e liderou equipes nas áreas de redes de distribuição aéreas e subterrâneas, iluminação pública e operação do sistema elétrico de distribuição. Atualmente, atua como consultor técnico autônomo em soluções e inovações para engenharia de redes. É pós-graduado em Engenharia Elétrica com ênfase em Gestão de Projetos e em Geração Distribuída com Energias Renováveis pela PUC Minas.