Estresses eletromecânicos em transformadores causados por curtos-circuitos

Edição 69 – Outubro de 2011
Por Rosentino Junior A. J. P., Saraiva E., Delaiba A. C., Guimarães R., Lynce M., De Oliveira J. C., Fernandes Jr. D., Neves W., Baltar F. J. A.*

Modelagem e análise da relação entre as elevadas correntes de curto-circuito “passantes” que ocorrem nos enrolamentos do transformador e os estresses mecânicos, os quais podem reduzir significativamente a vida útil do equipamento

As simulações foram realizadas utilizando-se um pacote computacional 3D, no domínio do tempo, baseado na técnica de elementos finitos. Para avaliar a potencialidade do modelo e do programa computacional, foi utilizado um transformador trifásico experimental de 15 kVA. Este foi submetido, em simulação, a um curto-circuito trifásico equilibrado “passante”. As modelagens e as simulações computacionais foram obtidas considerando a geometria dos enrolamentos, com e sem deformação. O trabalho apresenta o efeito mecânico em transformadores quando este é submetido a um dos indicadores da qualidade de energia elétrica, ou seja, transitórios eletromagnéticos.

Transformadores de potência são dispositivos essenciais aos sistemas elétricos e também um de seus componentes de maior custo. Quando estes equipamentos apresentam algum tipo de falha, o seu reparo demanda altíssimos custos financeiros, tanto pelo seu alto custo comercial, bem como pelas multas aplicadas devido à sua indisponibilidade e perda temporária da capacidade de transmissão de energia elétrica.

As falhas destes equipamentos devem-se principalmente ao enfraquecimento do isolamento dos seus condutores/bobinas causado pelos fenômenos eletroquímicos do líquido de resfriamento (óleo), pelas vibrações produzidas pelas forças eletromecânicas durante a sua operação normal e também pelas deformações dos enrolamentos causadas pelas altas correntes de curto-circuito.

Este artigo tem por objetivo apresentar os resultados de uma investigação dos estresses eletromecânicos. A ideia consiste em utilizar uma modelagem do transformador baseada no método dos elementos finitos, a fim de calcular as correspondentes forças radiais e axiais. O software utilizado é o flux 3D.

Este pacote computacional possibilita avaliar os estudos relacionados ao efeito das correntes de curto-circuito nas forças mecânicas que ocorrem nos enrolamentos do transformador. Para ilustrar as ferramentas computacionais deste programa, foi utilizado um transformador experimental de 15 kVA para investigar a relação entre as correntes de curto-circuito e seus efeitos. Este transformador é do tipo “núcleo envolvido” com núcleo ferromagnético de três colunas e dois enrolamentos concêntricos de dupla camada. Foram estudados dois casos, comparando-se as condições dos enrolamentos com e sem deformação. Os resultados das simulações computacionais foram validados por meio da comparação com os valores calculados analiticamente ou, em alguns casos, com medições em laboratório.

Falhas eletromecânicas em transformadores

Sob condições normais de operação, as forças eletromecânicas, bem como os campos magnéticos de dispersão no transformador, são relativamente pequenas e, por conseguinte, os esforços são perfeitamente suportáveis pelas estruturas mecânicas de suporte dos enrolamentos. No entanto, sob condição de curto-circuito, os campos de dispersão associados às elevadas correntes alcançam valores relativamente altos e, por conseguinte, os esforços decorrentes podem destruir total ou parcialmente o transformador, caso os condutores não estejam adequadamente sustentados pelas estruturas mecânicas.

Forças radiais

As forças radiais são oriundas da componente de fluxo (indução magnética) de dispersão axial e produzem efeitos diferenciados nos enrolamentos externo e interno dos transformadores. Para transformadores do tipo “núcleo envolvido”, a tendência dos esforços eletrodinâmicos é comprimir (estresses de compressão) o enrolamento interno e expandir (estresses de tração) o enrolamento externo.

A ocorrência da deformação radial no enrolamento interno é mais comum que no enrolamento externo e é caracterizada por duas maneiras distintas. Uma delas, chamada de “curvatura forçada” (forced buckling), ocorre quando o enrolamento interno está firmemente sustentado por espaçadores localizados na direção axial com os condutores. Isso acontece quando o valor do estresse mecânico excede o limite elástico do material condutor. A outra forma de deformação é chamada “curvatura livre” (free buckling), com o condutor se deformando livremente nos dois sentidos radiais em um ou mais pontos da espira do enrolamento. Esses tipos de falhas estão ilustrados na Figura 1.

Forças axiais

As forças axiais são oriundas da componente de fluxo (indução magnética) de dispersão radial e produzem o efeito de comprimir os enrolamentos. Sob a ação desse tipo de força, os condutores dos enrolamentos podem curvar-se entre os espaçadores isolantes localizados radialmente ou inclinar-se entre si. A ocorrência deste último fenômeno é uma das características nos enrolamentos do tipo disco geralmente utilizados em grandes transformadores. Esses tipos de falhas estão ilustrados na Figura 2.

 

Ressalta-se que o desalinhamento axial dos enrolamentos e o uso de derivações (tapes) contribuem consideravelmente para o aumento das forças axiais nas bobinas.

Análise computacional

As simulações computacionais foram realizadas com o pacote computacional FLUX, em sua versão 3D. Este software foi pioneiro no desenvolvimento de formulações baseadas no método de elementos finitos (FEM). Os módulos básicos do FLUX incluem o pré-processamento (geometria, definição das propriedades físicas e construção das malhas), processamento (resolução de problemas) e pós-processamento para análise dos resultados.

Características construtivas do transformador

A título de ilustração, a Figura 3 apresenta algumas características geométricas e físicas do transformador modelado. O equipamento é trifásico, 15 kVA, com dois enrolamentos de dupla camada por fase, conectados em estrela, com tensão nominal e

m cada enrolamento de 127 V. Cada enrolamento possui duas camadas com 33 espiras, totalizando 66 espiras por bobina.

Com base nas características geométricas e elétricas do transformador (Figura 3), foram simuladas duas condições, em que os enrolamentos eram representados com e sem deformações, ambas submetidas às correntes de curto-circuito “passante”.

Caso 1: Análise do transformador com enrolamentos sem deformação

A Figura 4 apresenta o modelo implementado no software FLUX, em que cada detalhe geométrico e físico foi devidamente inserido. Além disso, observa-se que apenas ¼ do transformador foi inserido. Esta técnica é muito utilizada em aplicações baseadas no método de elementos finitos, pois diminui o tempo de processamento da simulação. O software completa automaticamente o que falta para totalizar o objeto, considerando a sua simetria.

A Figura 5 mostra a distribuição do fluxo (indução magnética) de dispersão no transformador para a condição de curto-circuito trifásico. Observa-se que a maior intensidade de indução magnética se situa entre os enrolamentos (intensidade amarela), indicando que nesta região é onde ocorrem as maiores forças e estresses eletromecânicos.

A Figura 6 identifica os valores dos estresses eletromecânicos nos enrolamentos interno e externo do transformador. Pode-se observar que as maiores intensidades, conforme a distribuição de cores na Figura 6, tanto no enrolamento interno quanto no externo, estão localizadas nas camadas próximas à região de maior indução magnética.

Para validar os resultados obtidos pelo programa computacional FLUX 3D, foram realizadas comparações entre as grandezas oriundas das simulações com as obtidas em medições laboratoriais e também por meio de metodologias analíticas. Tomaram-se como base duas situações: as medições obtidas no ensaio com o transformador em vazio e os cálculos na condição de curto-circuito.

Os resultados para o ensaio com o transformador em vazio, considerando os enrolamentos conectados em estrela com neutro isolado, estão apresentados na Tabela I.

Tabela I – Valores de pico das correntes de magnetização e perda no núcleo obtido em medição e simulação – condição com o transformador em vazio

A Tabela III apresenta os resultados analíticos e computacionais dos esforços eletromecânicos para a condição de curto-circuito “passante”. As diferenças nos valores podem ser explicadas por algumas simplificações e limitações na metodologia analítica.

Com base nos resultados apresentados, as medições e os cálculos analíticos apresentam uma boa aproximação com os valores oriundos das simulações computacionais.

Caso 2: Análise do transformador com enrolamento interno da coluna central deformado

Neste caso, o enrolamento interno da coluna central do transformador foi modelado com uma deformação, conforme ilustrada pela Figura 7. Esta situação é apresentada na Figura 1, a qual é conhecida por free buckling. Analogamente ao caso anterior, um curto-circuito trifásico foi aplicado ao transformador.

As Figuras 8 e 9 mostram, respectivamente, a distribuição do fluxo de dispersão e os valores dos estresses eletromecânicos nos enrolamentos interno e externo do transformador para esta situação. Observa-se novamente que as maiores intensidades de indução magnética, conforme mostrado pela distribuição de cores, estão localizadas na região entre enrolamentos. Consequentemente, os maiores estresses ocorrem para ambas as camadas dos enrolamentos próximas à região de maior indução magnética.

A Tabela IV mostra as variações de alguns dos parâmetros elétrico, magnético e mecânico no transformador, com o intuito de ressaltar a efeito da deformação considerada no enrolamento interno.

À luz dos resultados apresentados anteriormente, é evidenciado que a deformação no enrolamento interno causou variações nos parâmetros elétrico, magnético e eletromecânico. Observa-se que a variação das forças radiais e estresses no enrolamento interno foi maior do que no enrolamento externo. Isso pode ser atribuído ao fato de que a deformação foi aplicada ao enrolamento interno e, consequentemente, a distribuição do fluxo de dispersão neste enrolamento teve uma maior variação.

Além disso, nas extremidades dos enrolamentos, pode ser notado que as forças axiais se mantiveram praticamente constantes. Este fato pode ser explicado, em específico a esta deformação, pela distribuição do fluxo de dispersão na direção radial (causa da força axial) variar menos e ser mais irregular que na direção axial (causa da força radial). Finalmente, a pequena redução na indutância de dispersão pode ser atribuída pela redução do ducto de resfriamento entre enrolamento interno e externo, devido à deformação aplicada.

Conclusão

Neste artigo foram mos

trados os resultados da investigação sobre a relação entre alguns parâmetros elétrico, magnético e efeitos eletromecânicos no transformador, com o enrolamento em condições simétricas e assimétricas, sob ocorrência de correntes de curto-circuito, e seus impactos nas forças mecânicas axiais e radiais. Os resultados das simulações, utilizando-se um programa computacional de elementos finitos no domínio do tempo, mostraram que as deformações nos enrolamentos podem aumentar o estresse eletromecânico nos enrolamentos, indicando a possibilidade de danificá-los.

As deformações exemplificadas neste artigo são geralmente oriundas de pequenas deformações nos enrolamentos acumuladas ao longo da vida útil do transformador, as quais aumentam gradualmente as forças eletromecânicas entre os enrolamentos, a cada novo curto-circuito “passante”. Como o transformador torna-se mais fragilizado ao longo de sua vida útil, existe um risco razoável de o transformador vir a falhar, mesmo ocorrendo estresses com valores aquém da suportabilidade eletromecânica de projeto, mas suficientes para desmantelar o transformador.

Atualmente, diante das dificuldades impostas pela regulamentação do setor elétrico brasileiro, 

torna-se praticamente antieconômico a retirada de operação de transformadores e outros componentes. Este fato aumenta a importância em se conhecer as condições físicas de um dado transformador tal que não seja o motivo de uma interrupção do fornecimento de energia.

Referências

– ROSENTINO JR, A. J. P. “Estimativa dos esforços eletromecânicos em transformadores submetidos a um curto-circuito trifásico”. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Uberlândia, Julho 2010.

– WATERS, M. “The short-circuit strength of power transformers”. 5. ed. Macdonald and Co., London, 1966.

– ROSENTINO, A.; SARAIVA, E.; DELAIBA, A. C.; BRONZEADO, H. S.

– OLIVEIRA, J. C.; CHAVES, M. L. R. “Estresse eletromecânico em transformadores causado por curtos-circuitos trifásicos”. The 8th Latin-American Congress on Electricity Generation and Transmission. CLAGTEE, Ubatuba, out. 2009. Working Group 12.19 CIGRE. “The Short Circuit Performance of Power Transformers”. Brochure 209, Aug. 2002.

– BJERKAN, E. “High frequency modeling of power transformers – stresses and diagnostics”. Doctoral Thesis – Faculty of Information Technology, Mathematics and Electrical Engineering, Trondheim, May 2005.

– DOBLE. “The life of a transformer. Seminar and industry expo”. Florida Febr. 19-25, 2006.

Working Group A2.26 Cigre. “Mechanical-condition assessment of transformer windings using frequency response analysis (FRA)”. Brochure 342, Apr. 2008.

– SARAIVA, E.; CHAVES, M. L. R.; CAMACHO, J. R. “Modelagem de um transformador de
15 kVA no FEMM e metodologia para cálculo dos entreferros”. VIII Conferência Internacional de Aplicações Industriais – Induscon. Poço de Caldas, ago. 2008.

Este trabalho foi baseado em trabalho apresentado durante a IX Conferência Brasileira sobre Qualidade da Energia Elétrica (CBQEE), realizada em Cuiabá (MT) entre os dias 31 de julho e 3 de agosto de 2011. 

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