Eficiência energética – somos enganados? Afinal, como avaliar os resultados?

Na edição de janeiro de 2016 de O Setor Elétrico, chamávamos a atenção para um disparate que ocorria em nosso mercado com a oferta de produtos tidos como “milagrosos” e que tinham o propósito de “também” economizar energia. A coluna publicada na oportunidade denominada “A eletrotécnica aviltada” apresentava em poucas linhas o estelionato que ocorria. De lá para cá, nada mudou e os tais placebos continuam a serem oferecidos no mercado sem freios técnicos ou legais para surpresa e indignação daqueles que defendem a física e a eletrotécnica como referências técnicas e a ética como ferramenta de trabalho. É importante lembrar que equipamentos e “aparatos” devem ser testados em laboratórios com certificações de resultados, além de outras providências.

Na edição de junho de 2016, apresentávamos a necessidade de que fossem seguidos os protocolos de medição e verificação (M&V) nos projetos e atividades de eficiência energética. Já em agosto de 2017 foram apresentados os resultados de uma experiência com lâmpadas a vapor de sódio aplicáveis em iluminação pública e a oportunidade de eficiência energética nestes sistemas, “enquanto o Led não vem”, que dava nome a esta outra coluna técnica. Na oportunidade, apresentávamos as medições do comportamento da potência consumida pelos conjuntos de lâmpadas e dispositivos auxiliares em função da tensão de alimentação, novamente, ora ilustrada na Figura 1, que apresenta algumas interessantes particularidades com uma excelente correlação entre a tensão de alimentação e a potência consumida, caracterizando a carga como praticamente de impedância constante. Este é o ponto proposto para discussão, evitando a aplicação de conceitos que induzem o pessoal técnico ao erro, levando bons projetos a reais fracassos e penalizando outros de boa qualidade por desvios de avaliação.

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Figura 1 – Comportamento da potência ativa com a variação da tensão – lâmpada a vapor de sódio 250 W. Fonte: Ação Engenharia e Instalações.

Análise temporal – “antes e depois”

O primeiro possível equívoco está relacionado à execução de uma simples análise temporal. Apesar de intuitivo e muito praticado, a tradicional ferramenta que compara o “antes” com o “depois” de uma ação de eficiência energética (AEE) em uma linha de tempo pode ser uma armadilha. Uma AEE é normalmente efetuada em sistemas e cargas que consomem energia em que o diagnóstico teria apontado potencialidades para se obter menor consumo de energia. De uma forma geral, consideram-se na maior parte dos diagnósticos as recomendações para adequação de sistemas de iluminação, climatização, ar comprimido, ventilação, aquecimento, outras ações, como a melhoria de motores, acionamentos e automação, além de aspectos de contratação de energia, mudanças de turnos de operação e mais recentemente geração distribuída.

Um ponto interessante a ser considerado trata de diferenças de comportamento operacional sem que as ações de eficiência energética fossem tomadas. Em outras palavras, a carga elétrica e o consumo de energia variam em função de demandas de operação e não se pode confundir este comportamento natural com ações de eficiência energética tomadas e, vice-versa, no caso em que fatores externos motivam o aumento ou a redução do consumo após a implantação de um projeto de eficiência energética, escondendo os reais resultados. A simples consideração de manutenção de perfil de consumo na linha do tempo quase nunca é verdadeira. Em outros casos, são comumente associados meses de anos consecutivos de forma a tentar “normalizar” a condição climática e, mesmo, de demanda por outras razões, também com desvios que podem ser consideráveis. A correção deve considerar a montagem da linha de base composta por cargas específicas em associação com variáveis independentes. O consumo de energia irá de fato depender destes meses em que o consumo ocorreu, mas, certamente, depende também da produção industrial, população de edificações, hospitais, hotéis, volume de fluido bombeado e até perfil de temperatura ambiente que possa ser diferente ao do mesmo mês do ano anterior.

Os modelos de medição, de acordo com o protocolo de M&V, consideram algumas importantes definições:

  • Fronteira de medição: define os pontos que serão considerados no levantamento inicial e verificação posterior da economia, delimitados pela colocação dos medidores. A fronteira pode ser um circuito ou mesmo um interruptor alimentando algumas luminárias, ou ainda um medidor da concessionária de uma indústria, dependendo do desenvolvimento do projeto.  É importante discutir as incertezas envolvidas desta escolha.
  • Opções de medição: se a opção de medição for isolada, como no caso do circuito de iluminação acima, a opção será tipo A (com medição dos parâmetros chave do consumo na alimentação) ou B (com a medição de todos os parâmetros incluindo de produção como  volume bombeado, carga térmica ou outro), e se for escolhido o medidor da concessionária, será a opção tipo C. Há ainda a opção D, que é aplicada em simulações de modelos normalmente em instalações novas, ainda em fase de projeto e planejamento.

 

Caso de iluminação pública

Explorando a Figura 1, observa-se que a potência consumida por cada conjunto de iluminação depende da tensão de alimentação. Em uma análise adequada de possível AEE e mesmo retrofit destes sistemas, as considerações, como o perfil de tensão de alimentação dos circuitos, períodos de operação, a situação de lâmpadas com meia vida e aquelas queimadas interferem no consumo estimado na situação de antes da AEE. Seja qual fosse esta AEE (poderia ser até a instalação de um regulador de tensão no circuito), a estimativa do “consumo de energia antes das intervenções” ou “ex-ante” como alguns autores gostam de abordar o tema seria equivocada sem estas considerações.

Na fase ex-post (medição para comprovação da economia após a implantação do projeto), as mesmas considerações devem ser realizadas e o cálculo da eficiência energética deve necessariamente ser efetuado em função da linha de base inicial e mesmo a final para projetos semiconcluídos ou com outras fases ou ações corretivas a serem implantadas. Neste caso, seria necessário conhecer o perfil de tensões antes da AEE: Quantas lâmpadas ou sistemas estariam queimados ou em condições diferentes da prevista? Por quanto tempo o sistema operaria por ano (horas de uso) em função da eventual automação existente? O atual sistema estaria adequado as prescrições de normas? A linha de base sofreria que tipo de ajuste? Na fase seguinte devem ser refeitas estas considerações, porém, relacionadas ao novo sistema implantado, considerando-se então as variáveis associadas ao novo projeto. Será que o comportamento da tensão teria o mesmo impacto no consumo de energia? Será que a automação traria mais oportunidades de eficiência energética em função da operação? O novo sistema concebido estaria atendendo as normas? Quais seriam os outros ganhos associados, como redução de manutenção e outros custos operacionais?

Desta avaliação é possível, então, traçar a avaliação temporal com o comportamento das cargas e linha de base antes e depois da AEE e, finalmente, contabilizar as vantagens confrontando-se a energia economizada aos investimentos necessários para que o projeto se viabilize.

Quais variáveis avaliar

É bom e saudável que se insista que os projetos de eficiência energética têm o objetivo de reduzir o consumo de energia em kWh ou outra variável equivalente associada à quantificação de energia ativa (como BTU ou kcal), além de redução de demandas (em geral na ponta) em kW. Portanto, os resultados são todos contabilizados em kWh ou kW, sendo cada qual associado aos seus custos relativos dos investimentos necessários para a implantação do projeto.

Outras variáveis elétricas, como potência aparente, potência reativa, correntes elétricas fundamentais, harmônicas ou fator de potência, estão associadas ao tema e variam conforme as ações que são implantadas. Contudo, recomenda-se muita cautela na análise individualmente, mesmo que possa haver pequena influência na eficiência energética, em geral, relacionada à redução de perdas elétricas. Neste caso, vale desconfiar de números superiores a 3% de redução de consumo em kWh.

Da mesma forma, aspectos pouco claros e que não se combinem aos conceitos da física clássica e da eletrotécnica não podem ser aceitos. Aqueles relacionados às “fontes ou energias uníssonas, pulsantes, transcendentais, quânticas, multifrequenciais, correntes harmônicas que são aterradas, aparatos magnéticos, ou a energia intrínseca dos neutrinos” não são aderentes a programas sérios de eficiência energética.

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Neste caso, melhor seria tentar consultar o personagem do legendário Leonard Niroy, o Dr Spock. Bem oportuno, aliás, iniciar 2018 com as incríveis palavras do personagem: “Vida longa e próspera a todos”. E, por que não, sem falcatruas!

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