Por Flávia Lima
Edição 58 – Novembro/2010
Baixa qualidade de ensino das disciplinas de matemática e física no ensino médio dificulta ingresso e conclusão dos alunos nos cursos de engenharia do País, que, por sua vez, apresenta grande demanda e pouca oferta de profissionais. Confira.
Diferentemente de muitas profissões em que a concorrência acirrada é praticamente inerente ao mercado, o mundo da engenharia parece transitar por caminhos bem menos sinuosos. Isso porque o País sofre uma carência de profissionais qualificados nessa área e, ao mesmo tempo, um boom na demanda de pessoas capacitadas para atuar em projetos de infraestrutura.
A engenharia brasileira pode não dar conta do volume de investimentos planejados para os próximos anos, já que, de acordo com a Federação Nacional dos Engenheiros (FNE), são formados apenas cerca de 20 mil engenheiros por ano. O fato é que a falta dessa mão de obra pode afetar o desenvolvimento do País, considerando que os engenheiros estão na base de qualquer grande projeto, especialmente, da construção civil. O professor do Departamento de Construção Civil e Planejamento Urbano (DCC) da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Marcos Mendonça, cita como exemplo a Coreia do Sul, um país que era mais atrasado que o Brasil há poucas décadas, mas que, atualmente, 22% dos graduandos são engenheiros. “No Brasil, são somente 8% e isso é um atraso preocupante”, avalia.
Um dos agravantes para este problema é a grande evasão nos cursos de engenharia. “No momento, apenas 20% dos alunos que entram em um curso de engenharia obtêm o diploma”, revela o professor e diretor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP) José Roberto Cardoso. Segundo ele, a razão para este alto grau de desistência está relacionada à pouca base de matemática e física do ensino médio e, no caso das universidades privadas, agrega-se o elevado custo das mensalidades.
Para o professor Cardoso, a carência de engenheiros, entretanto, pode ajudar a diminuir a evasão dos alunos de engenharia. Isso porque o estudante passa a enxergar um futuro adequado aos seus interesses. “Para tanto, ele deverá superar as dificuldades do ensino médio, dedicando-se um pouco mais às disciplinas de matemática e física, pois esta exigência não mudará”, aconselha.
O professor e coordenador do curso de engenharia elétrica da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), José Carlos Grilo Rodrigues, também concorda com a pouca preparação com que os estudantes chegam às universidades e acrescenta que é necessária uma solução de compromisso entre a formação de um número de engenheiros que possa suprir a demanda do mercado e a manutenção da qualidade do conhecimento e da ética destes novos profissionais formados.
Grade disciplinar
“A observação da estrutura curricular e da grade disciplinar das escolas de engenharia é suficiente para constatar que elas ousam pouco, mantendo-se fiéis a um estilo de formação ortodoxo que talvez tenha funcionado durante algum tempo, mas que não responde às demandas da sociedade do conhecimento do final do século XX e que deverá ser a tônica do século XXI”, declararam os professores Adalberto Fazzio e Armando Milione, reitor e
vice-reitor da Universidade Federal do ABC (UFABC), respectivamente, no artigo “Do ensino da engenharia no Brasil”.
Segundo eles, essa constatação é preocupante na medida em que diz respeito ao tipo e ao número de engenheiros que está sendo formado, principalmente diante da carência desse profissional, que se constitui em um sério gargalo ao crescimento sustentável nos próximos anos.
Nesse sentido, acrescenta o professor Rodrigues, é importante que uma escola de engenharia seja permanentemente revista de modo a torná-la a mais adequada possível às necessidades da indústria e do setor de concessionárias, que são os principais empregadores de engenheiros recém-formados.
Ocorre que, nas últimas duas décadas, diversas tecnologias foram introduzidas sem que as discutissem nos cursos. O professor Cardoso cita a energia eólica, o Tratado de Bologna como acontecimentos importantes que não foram devidamente abordados nas salas de aula.
Algumas universidades, porém, vêm fazendo alterações significativas na estrutura dos seus cursos para minimizar a evasão dos alunos e contribuir para a formação dos novos engenheiros.
Na Universidade Federal do ABC, por exemplo, todos os alunos passaram a cursar, nos três primeiros anos, um bacharelado comum em ciência e tecnologia (BCT). Ao seu término, com mais dois anos de estudo, cada aluno pode concluir pelo menos uma das oito modalidades de engenharia.
A Escola Politécnica da USP também tem uma das grades mais recentes, datada do final dos anos 1990. Entretanto, a grande dificuldade do ensino da engenharia é a formação básica dos alunos em matemática e física oriunda do ensino médio. E para que se faça uma boa engenharia, na opinião do professor Cardoso, é necessária uma sólida base nestas disciplinas, caso contrário, os professores não podem avançar em apresentar algo mais sofisticado que se pratica na engenharia moderna.
Outros problemas rondam ainda os cursos de engenharia – e de outras áreas também. A não exigência da titulação acadêmica acarreta um contingente muito grande de professores sem formação acadêmica de quarto grau (mestrado e/ou doutorado), os quais, em geral, tendem a ensinar o que se pratica no mercado no momento e não prepara os alunos para questões futuras.
Nesse caminho, observa-se que os cursos tradicionais são pouco afetados pelas regras do mercado. No entanto, o mesmo não ocorre com os demais cursos “não tradicionais”, que não se preocupam muito com a qualidade de seus programas. O professor Cardoso cita como exemplo o número excessivo de cursos de engenharia de petróleo e de engenharia de minas que foi criado recentemente. “Escolas sem a mínima tradição neste campo se aventuram em ministrar estes cursos, simplesmente pelo sabor dos ventos do momento”, opina.