Desafios das redes do futuro

Edição 54 – Julho de 2010
Por Henrique de Oliveira Henriques*

Ter uma ideia do que vai acontecer no futuro é de vital importância para o planejamento estratégico de empresas, principalmente as de venda de produtos e de prestação de serviços. Entretanto, antever o futuro, se preparar para as mudanças e direcionar os investimentos para novos produtos não é mais uma questão de concorrência, mais sim de sobrevivência.

 

No exercício de futurologia, é importante saber separar previsão de ficção. A diferença sucinta é que a previsão reúne todas as condições hoje para que o futuro tenha possibilidade de acontecer, a ficção não. Para se ter a percepção que essas condições existem, devem-se identificar e analisar os vetores de transformação presentes no nosso cotidiano e analisá-los de forma crítica e imparcial.

 

Para verificar as transformações que cada um desses vetores pode trazer para o futuro, uma análise resumida é estruturada da seguinte forma:

– Histórico;
– Motivos pró;
– Motivos contra;
– Perspectivas de mercado;
– Alterações no sistema de distribuição;
– Conclusões.

Veículos elétricos

Histórico

28% dos 4.192 carros produzidos nos EUA em 1900 eram elétricos. Entretanto, no final dos anos 1920, o carro elétrico era um produto comercialmente morto. O carro movido à gasolina havia conquistado todo o espaço de mercado pelos seguintes motivos:

  • Na época, a autonomia do carro à gasolina era de 70 milhas (± 100 km). Isso representava mais que o dobro da autonomia de um carro elétrico, que era de 30 milhas (± 50 km).
  • O investimento inicial dos automóveis elétricos (de US$ 1.250 a US$ 3.500) era maior que o necessário para adquirir os movidos à gasolina (de US$ 1.000 e US$ 2.000).
  • O custo operacional de um carro à gasolina era de US$ 0,01/milha passando para a faixa de US$ 0,02/milha a US$ 0,03/milha para um carro elétrico.

Motivos pró

O carro elétrico é silencioso, altamente eficiente, tem excelentes características de torque versus velocidade, não é poluente e os modelos criados recentemente apresentam os produtos com um design moderno.

A China, por meio da montadora BYD (Build your dreams, do inglês Construa seus sonhos), espera colocar no mercado 700 mil carros elétricos em 2010 e tem como meta elevar sua produção anual para oito milhões de unidades até 2025, sendo a metade para exportações a preços accessíveis, de acordo com informações da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE). Se os demais fabricantes tiverem intenções de permanecer no mercado, terão de fabricar automóveis com preços competitivos como esses praticados pelos chineses.

Motivos contra

A limitação fundamental dos carros elétricos continua sendo o uso das baterias como fonte de armazenamento de energia. O conjunto de baterias armazena baixa densidade de energia e a quantidade necessária de unidades aumenta substancialmente o peso do carro elétrico, se comparado com o movido à gasolina:

  • Gasolina: 12.500 Wh/kg versus Bateria de chumbo-ácido: 25 Wh/kg.
  • A autonomia do carro elétrico ainda é pequena, não mais de 200 km (lítio);
  • As baterias ainda demoram um tempo significativo para serem recarregadas. As de carga mais rápida encarecem substancialmente o carro.

O custo de aquisição do carro elétrico atualmente ainda é muito alto, como pode ser percebido nos exemplos a seguir:

  • Chevrolet Volt: US$ 32.000 (Estados Unidos, em 2010);
  • Mitsubishi iMiEV: US$ 47.000;
  • Nissan Leaf: US$ 30.000;
  • No Brasil, já está à venda o indiano Reva com preço em torno de R$ 55.000.

Fonte: Site Planeta Sustentável, em Outubro de 2009

Perspectivas de mercado e principais concorrentes

Veículos a gás natural

Embora não exista ainda um preço definido pelo metro cúbico de gás produzido por meio da exploração da camada pré-sal, é difícil concluir que venha a ser competitivo com as importações provenientes da Bolívia e Venezuela. Entretanto, as negociações com esses países têm sido conturbadas, devido à instabilidade política, e isso pode afetar a continuidade de envio do gás ao Brasil.

Além disso, a Petrobras, segundo o presidente da empresa, José Sergio Gabrielli, declarou que deve gastar em torno de R$ 100 milhões para que cada poço entre em atividade. O anúncio foi feito em 6 de outubro de 2009, durante uma audiência pública na Câmara dos Deputados.

De concreto, o Centro de Estudos de Petróleo da Unicamp (Cepetro), que tem sob sua gestão sete projetos relacionados com a demanda do pré-sal, mostra o tamanho do problema: o primeiro poço do pré-sal custou em torno de US$ 240 milhões; enquanto um poço no mar, dos comuns, custa entre US$ 10 milhões e US$ 20 milhões para entrar em operação.

Os maiores competidores no consumo do gás natural são as usinas térmicas, que têm prioridade sobre o consumo veicular. Em função de secas, de déficit de energia ou de escassez do produto no mercado, a maior parte do gás é reservada para o consumo nas usinas, provocando falta do produto no varejo.

Carros a etanol (cana-de-açúcar)

Além de serem ambientalmente corretos, os carros a etanol estão no mercado há alguns anos, desde o lançamento do Programa Brasileiro de Álcool (Pró-Álcool), em 1975. Por isso e por outros motivos, estes já possuem uma tecnologia dominada e madura.

O etanol gera eletricidade, com o bagaço da cana, além da produção de açúcar e vinhaça fertilizante. Quando há escassez de açúcar no mercado externo, as usinas passam a produzir esse produto em detrimento do álcool. A consequência é a falta do combustível no mercado interno e o aumento dos preços, ficando mais caro do que a gasolina.

Veículos a biodiesel

A história do biodiesel é semelhante à do carro elétrico, em relação aos veículos movidos à gasolina. O biodiesel surgiu há muito tempo, mas foi preterido pelo baixo custo da opção mineral. A utilização de óleo vegetal no motor diesel foi testada por solicitação do governo francês com a intenção de estimular a autossuficiência energética nas suas colônias do continente africano, minimizando os custos relativos às importações de carvão e combustíveis líquidos.

Para se ter uma ideia, o motor diesel, produzido pela companhia francesa Otto, movido a óleo de amendoim, foi apresentado na Exposição de Paris, em 1900. No Brasil, várias tentativas de lançamento de um programa de utilização do biodiesel nas décadas de 1970 e 1980 foram frustradas, sobretudo pela concorrência do gás e do etanol. O biodiesel retornava à pauta das discussões tecnológicas sempre que algum evento provocava a alta do petróleo. Mas nunca houve uma política de longo prazo para desenvolvimento do combustível como alternativa para o derivado de petróleo.

Entretanto, acompanhando o movimento mundial de iniciativas favoráveis ao combate do efeito estufa, foi introduzido, a partir de 2005, o biodiesel na matriz energética brasileira com as condições de mercado e a produção regulamentadas pela Lei nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005.

Deve-se levar em consideração que um litro de biodiesel equiva

le, em capacidade energética veicular, a 2,5 litros de álcool etílico. O uso diversificado da biomassa é uma vocação do Brasil, que possui água, sol e terra em abundância.

Por fim, à medida que o custo do barril de petróleo aumenta, a mistura de biodiesel no diesel mineral aumenta. Quando o preço abaixa, o percentual da mistura diminui. Há necessidade de se investir em pesquisa para baixar mais o custo da produção.

Veículos a hidrogênio (células combustíveis)

As células combustíveis estão sendo consideradas possibilidades reais para a substituição das baterias nos veículos elétricos. Já existem, inclusive, diversas aplicações em ônibus e carros. Mas há, contudo, alguns problemas a se considerar. Os dois principais problemas técnicos das células combustíveis são a baixa taxa de reação química, que conduz a reduzidas intensidades de corrente e baixa potência por área, e o fato de o hidrogênio não ser um combustível prontamente disponível, pois este se encontra na natureza sempre associado a outros elementos químicos.

As células combustíveis produzem energia em corrente contínua (CC), com uma variação de tensão considerável conforme a solicitação de potência, o que raramente será satisfatório para ligação direta a uma carga elétrica. Dessa forma, algum tipo de condicionamento da saída de potência é necessário, tais como um regulador da tensão ou um conversor CC/CC. No caso de se pretender fornecer a carga em corrente alternada (CA), é necessário um inversor de CC/CA, o que representa uma parte significativa dos custos do sistema.

A utilização desta fonte combustível em automóveis incorre em alguns outros problemas, como: a falta de infra-estrutura para a produção, transporte e armazenamento de hidrogênio e as poucas que existem estão direcionadas para a indústria química em geral; o fato de a produção do hidrogênio necessitar de um uso intensivo de energia, muitas vezes derivada de combustíveis fósseis; e o fato de o combustível precisar estar livre de determinados contaminantes, senão as células podem ter a performance reduzida, podendo, em casos extremos, deixarem de funcionar.

Os processos de obtenção de hidrogênio são tecnologicamente simples, porém de custos elevados. A Figura 1 apresenta um sistema de abastecimento de hidrogênio para ônibus implantado em 2000, na cidade de São Paulo, em um projeto financiado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta época, o custo operacional por quilômetro rodado, conforme mostrado na Tabela 1, chegava a ser 33% maior do que no ônibus e passava para 43% se comparado o trólebus ao ônibus à diesel.

Tabela 1

Custo operacional comparativo entre ônibus movidos a hidrogênio e diesel

Veículo

Custo operacional (R$/km)

Trólebus hidrogênio

2,37

Ônibus diesel

1,66

Ônibus hidrogênio

2,21

Fonte: Folha de São Paulo, 10 de dezembro de 2000,“O poder do hidrogênio”.

Estudos atuais demonstram que os processos de obtenção de hidrogênio do gás natural e do etanol anidro têm custos bem mais baixos do que da eletrólise.

Comparação de custos

A Figura 2 mostra o gráfico dos custos de combustíveis concorrentes à energia elétrica para a região Sudeste. O valor do gráfico corresponde ao custo do consumo do combustível para se gerar 1.000 kcal de energia calorífica. A Tabela 2 mostra quantos litros do combustível são necessários para gerar as 1.000 kcal de energia. Analisando mais de perto os resultados da Figura 2, conclui-se que, a partir de 2007, houve crescimento do custo do GNV, com tendência de se igualar ao diesel. Outro fato importante é o custo quase constante do óleo diesel e da gasolina a partir de 2006.

Figura 2 – Comparação de custos entre os principais combustíveis.

Em 2009, o custo do álcool alcançou o da gasolina e a partir daí ficou mais caro.

Tabela 2

Consumo dos combustíveis para gerar 1.000 kcal

1.000 kcal

Litros

Álcool

0,1929

Diesel

0,1081

Gasolina

0,1185

GNV

121,7878

Eletricidade

1,1641 (kWh)

Alterações no sistema de distribuição

Acreditamos que as alterações no sistema de distribuição, devido à entrada de carros elétricos no mercado, dependem do grau de aceitação do veículo pelo público e de um programa de subsídios do governo. Além disso, para que essa situação ocorra, as residências deverão ser dotadas de conexão com a rede elétrica (plug in) com tensão de 240 V CA, pois esta é a tensão mais frequente das baterias de carros importados.

Caso exista tarifa especial para o carro elétrico, devem ser criados postos de abastecimento com medidores individuais por tomada. Um exemplo que podemos citar de uma aplicação real é a existente em Portugal. O país dispõe de uma rede de abastecimento de carros elétricos, sendo esta uma das primeiras da Europa. Conforme veiculou a Agência Lusa, em 29 de junho de 2009, a estimativa é que Portugal termine o ano de 2010 com 320 locais de abastecimento e já tenha 1.300 locais em 2011 (Figura 3).

Para uma recarga rápida, a corrente na tomada deve ser alta. Existe ainda a variação de o motor ser de corrente contínua ou alternada. De qualquer modo, para uma avaliação inicial da carga a ser prevista, recomenda-se utilizar o valor de 6,6 kW/carro em uma tomada de 240 V. Se em um cenário inicial houver uma venda de 5 mil carros elétricos na cidade suprida pela concessionária, isso significa atender a um parque de 35 MW. A potência de recarga, evidentemente, dependerá da quantidade de postos disponíveis e nem todos estarão ligados sim

ultaneamente e nem no mesmo lugar.

Figura 3 – Posto de abastecimento do carro elétrico.

Caso exista uma tarifa diferenciada por faixa horária de utilização, deve-se incentivar carregar as baterias quando a energia elétrica é mais barata e usar essa energia nas horas de pico, quando é mais cara.

As baterias podem ser recarregadas a partir de outras fontes renováveis. Podem se tornar parte integrante de sistemas de energia elétrica do futuro. As Figuras 4 e 5 mostram um posto solar inaugurado na Dinamarca em setembro de 2009 e que irá fornecer 2.000 kWh anuais.

 

Mas para tudo isso acontecer, para os veículos elétricos serem popularizados e para gerar investimentos por parte das concessionárias de energia, algumas condições, em nossa opinião, devem ocorrer nos próximos dois anos. Porque, caso contrário, o aumento de carga imposto pelo carro elétrico continuará sendo desprezível. Estas condições foram descritas nas conclusões a seguir.

Conclusões

Para haver no curto prazo um aumento de carga devido à proliferação e à inserção no mercado do carro elétrico, que obrigue as concessionárias a investir antecipadamente em um aumento de suas capacidades instaladas, as seguintes condições devem estar presentes:

  • Carros flex (álcool/gasolina e eletricidade) tipo plug in, pequenos (de dois lugares) com custo de até R$ 15.000, para competir com os veículos chineses;
  • Garantia das baterias de, no mínimo, cinco anos;
  • Plano de financiamento para compra do carro de, no mínimo, 36 meses;
  • Tarifa diferenciada (desprovida de taxas) para carro elétrico a um custo de 1.000 kcal aproximado ao do etanol;
  • Tempo de recarga da bateria que varie entre 30 minutos e uma hora.

Essas condições foram avaliadas pelo poder aquisitivo de uma família de renda mensal entre R$ 3.500 e R$ 4.000, líquido, cujo custo operacional somado à prestação do carro elétrico não ultrapassem a 25% do orçamento familiar.

 

*HENRIQUE DE OLIVEIRA HENRIQUES é engenheiro eletricista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tem especialização em engenharia de distribuição de energia pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE), da UFRJ, mestre em computação aplicada e automação pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutor em engenharia elétrica pela COPPE/UFRJ. Trabalhou na Light, de 1978 a 2002, em atividades relativas a planejamento, gerenciamento e supervisão de redes de distribuição de energia elétrica. Atualmente, é coordenador do laboratório de estudos de transmissão e distribuição (LETD/UFF).

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