De pai para filho

Edição 65 – Junho 2011
Por Flávia Lima

Eletricistas, de modo geral, aprendem o ofício em casa, mas formação técnica e atualizações profissionais são fundamentais para garantir o sucesso do trabalho e a segurança do trabalhador e do usuário da instalação

Basta uma rápida busca no Google e, voilá, mais de um milhão de resultados são encontrados para a pesquisa com as palavras “formação de eletricistas”. O retorno se dá, especialmente, com a oferta de inúmeros cursos direcionados para esses profissionais: presenciais, a distância, online, in company e até vídeos no YouTube. São diversas opções e para todos os bolsos: gratuitos, pagos e muito bem pagos. E, claro, há a escola da vida, na qual a maioria dos eletricistas se forma e aprende a exercer o ofício de lidar com serviços de eletricidade. Tendo em vista a importância e os riscos que este trabalho envolve, a questão que fica é: como anda a capacitação desse profissional?

Tradicionalmente no Brasil, o eletricista é aquele que aprende, desde muito jovem, a resolver problemas elétricos domésticos por curiosidade ou por herança paterna ou de parentes próximos. Por facilidade e oportunidade de mercado, ele acaba executando um ou outro serviço e, de repente, está imerso na área e se “profissionalizando” com o exercício diário.

De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, o eletricista é aquele que “monta ou repara instalações elétricas e equipamentos auxiliares. Suas funções consistem em: montar e reparar as instalações elétricas e os equipamentos auxiliares em residências, estabelecimentos industriais, comerciais, hospitalares e outros, assim como em veículos automotores; montar e reparar equipamentos elétricos de cenários e palcos”.

Mas nem sempre isso acontece e muitos profissionais de elétrica acabam exercendo funções que não estão dentro do seu escopo. A cultura do brasileiro de contratar o mais barato acaba conferindo ao eletricista uma série de atribuições que não é de sua alçada. “Vemos muitos profissionais que substituem componentes de uma instalação com base na prática de anos, mas sem nenhum critério; é o famoso ‘sempre fiz assim e deu certo’. Esta prática com certeza acaba criando insegurança para os usuários da instalação elétrica e também para ele próprio, que não conhece os requisitos de um trabalho seguro”, comenta o diretor da Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel), o engenheiro eletricista Edson Martinho.

O presidente da Associação Brasileira de Eletricistas (Abrael), Marcos Uchôa, concorda e explica que há diversos tipos de profissionais: aqueles que não misturam as funções de outras profissões, aqueles que são eletricistas nas empresas em que atuam, mas em casa e para os amigos são também encanadores, pintores e pedreiros. E há ainda os eletricistas que atuam como autônomo fazendo de tudo um pouco.

Um estímulo a essa confusão de atribuições é a falta de fiscalização, mas, na opinião do instrutor de práticas do Senai Orlando Laviero Ferraiuolo, o professor Walter Wanderlei Teixeira, já houve um avanço nesse sentido com a obrigatoriedade da NR 10 para os profissionais que atuam nessa área.

Boa parte dos eletricistas que atuam no Brasil acaba aprendendo a profissão na “escola da vida”, seja uma herança do pai (ofício que passa de pai para filho), seja por curiosidade ou necessidade. Para Uchôa, embora o ingresso destes profissionais na área seja informal, aqueles que atuam na construção civil ou na indústria acabam procurando uma formação mais séria. “Conheço muitos que foram crescendo na profissão e se viram na obrigação de buscar conhecimento técnico”, declara.

Já no caso dos autônomos, nem sempre ocorre o mesmo. Estabilizados, pois não falta trabalho, muitos preferem continuar como estão e utilizar técnicas ultrapassadas. E aí mora o perigo, considerando que muitos trabalhos feitos por esses profissionais acabam tendo de ser refeitos. Uchôa conta, por exemplo, que teve de refazer toda a instalação de um cliente, pois o eletricista anterior havia empregado na casa inteira fios de 2,5 mm, que são utilizados apenas na iluminação. Os fios não suportaram a carga e derreteram, e a instala&c

cedil;ão teve de ser toda refeita.

A questão é que, mesmo que o ofício seja passado de pai para filho, é fundamental que o filho busque um conhecimento técnico profissionalizante, considerando que as técnicas transmitidas pelo pai já estão ultrapassadas. “Quando eu comecei, por exemplo, a fiação era rígida, hoje empregamos a flexível”, ilustra Uchôa.

O fato de a profissão ainda não ser regulamentada contribui para que pessoas com algum conhecimento em elétrica se intitulem eletricistas. Mas o presidente da Abrael alerta que, para ter essa denominação, é preciso ter o curso de uma escola técnica reconhecida e colocar a atividade em prática por pelo menos dois anos.

Além disso, a Delegacia Regional do Trabalho (DRT) fiscaliza o cumprimento da Norma Regulamentada n°10 (NR 10). De acordo com a norma, toda e qualquer empresa só pode ter em seu quadro de funcionários, eletricistas qualificados ou habilitados com registro profissional. Isso significa que, para exercer a função de eletricista, é obrigatória a conclusão em um curso específico, reconhecido pelo MEC e pela Secretaria de Educação do Estado.

Não há um levantamento preciso de quantos eletricistas existem no País devido à quantidade de profissionais autônomos. Apesar disso, segundo o levantamento divulgado pelo Ministério do Trabalho e Emprego em 2008, feito por meio da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), mais de 114 mil profissionais em todo o País trabalhavam com carteira assinada, com remuneração média de R$1.400, valor que varia conforme qualificação e aperfeiçoamento.

Para o professor Walter Teixeira, a prova de que a profissão ainda é muito procurada e que esses profissionais estão mais capacitados é que as unidades do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) de todo Brasil já registraram mais de 240 mil matriculas profissionais na área de eletricidade.

Nesse sentido, é importante que as empresas estimulem seus funcionários e consumidores que são eletricistas a se credenciarem para que a profissão ganhe reconhecimento. Da mesma maneira, os profissionais devem buscar atualização profissional – com cursos, palestras, feiras, workshops e revistas técnicas especializadas – a fim de conhecerem as novas tecnologias disponíveis e normas técnicas lançadas.

Segurança do trabalho

Todo trabalho com eletricidade requer cuidados especiais, considerando que qualquer deslize com energia elétrica pode ser fatal para os usuários e equipamentos. Pensando em segurança do trabalho, a Norma Regulamentadora nº 10, publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (TEM), estabelece os requisitos e condições mínimas objetivando a implementação de medidas de controle e sistemas preventivos, de forma a garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores que, direta ou indiretamente, interagem em instalações elétricas e serviços com eletricidade.

A aplicação dessa norma dá-se em todas as fases de geração, transmissão, distribuição e consumo, incluindo as etapas de projeto, construção, montagem, operação, manutenção das instalações elétricas e quaisquer trabalhos realizados nas suas proximidades. E, no sentido de contribuir para a segurança desses trabalhadores, a norma determina que estes realizem cursos de segurança – básico e/ou complementar, de acordo com a sua classificação: habilitado, qualificado, capacitado ou autorizado (veja quadro a seguir).

Na opinião de Marcos Uchoa, da Abrael, ter conhecimentos em NR 10 é fundamental para o eletricista, especialmente se ele tem a intenção de trabalhar como empregado. O engenheiro Edson Martinho concorda e diz que a maioria desses profissionais não está buscando atualização profissional, mas cursando apenas o treinamento em segurança do trabalho preconizado na NR 10 para que possam trabalhar em empresas.

Na opinião de Uchôa, o que acontece é que os profissionais estão encontrando dificuldades para fazerem o curso. “Diversas escolas técnicas não estão mais oferecendo o curso e algumas empresas cobram muito por ele”, comenta. Algumas empresas, entretanto, aproveitam o ensejo e oferecem valores agregados aos treinamentos, encarecendo seu custo. Ele lembra que recebeu, há poucos dias, um e-mail marketing de um curso da NR 10, fornecido por uma empresa de engenharia reconhecida, com café da manhã, almoço e café da tarde, por mais de R$ 600, o que, segundo ele, é um preço elevado para o curso oferecido e para o bolso do eletricista.

Sobre este assunto, o professor Teixeira diz que muitos profissionais imaginam que as dificuldades giram em torno da formação escolar e da condição financeira, mas o que se tem que pensar é no investimento, buscando aperfeiçoamento, qualificação, voltando a estudar. “Certamente, esse profissional terá reconhecimento e, automaticamente, um retorno financeiro bem maior do que foi investido”, completa.

O uso de vestimentas de segurança também é outra preocupação, já que nem sempre os eletricistas demonstram cuidado ao se protegerem contra os riscos da eletricidade. Edson Martinho diz que os profissionais que atuam em empresas acabam cedendo pelo risco de serem penalizados, mas não vê preocupação deles no dia a dia ou em

locais em que o rigor não existe.

Culturalmente, o brasileiro deposita no eletricista toda a responsabilidade sobre a instalação elétrica, delega a ele o projeto, a definição da instalação, a execução, a verificação e a manutenção, mas eles não têm atribuição para isto e a maioria não tem o conhecimento necessário para assumir esta responsabilidade. Martinho conta que, com isso, se coloca em risco os usuários de eletricidade e ele mesmo que acaba trabalhando de forma perigosa. “É necessário mudar a cultura deste país para que se valorizem os profissionais em suas aptidões. Assim, um projeto será executado por um profissional habilitado para esta função, o executor será especializado neste assunto e quem fará a manutenção ou verificação terá conhecimentos necessários para tal”, conclui.

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