Um aspecto frequentemente negligenciado é que, mesmo sistemas baseados em tecnologia de corrente contínua de alta tensão (HVDC), que permitem a interconexão de diferentes regiões e o transporte de grandes quantidades de energia, não contribuem para a inércia do sistema. Ainda que os sistemas HVDC estejam conectados às máquinas girantes, a energia transmitida por esses sistemas não apresenta o amortecimento inerente das máquinas síncronas. Isso significa que, em situações de falhas ou perturbações, a frequência da rede pode variar de forma mais abrupta que em sistemas sem HVDC, aumentando ligeiramente o risco de desligamentos.
Nesse cenário, o caso do Reino Unido é particularmente relevante como um estudo de caso. A rápida transição para fontes de baixo carbono, especialmente a expansão das energias eólica e solar, levou a uma redução significativa na inércia da rede. Ao longo da última década, políticas de incentivo às fontes de baixo carbono resultaram em um declínio constante na participação de geradores síncronos, como usinas a carvão e nucleares, que anteriormente forneciam níveis elevados de inércia. Esse fenômeno também é observado em países nórdicos, onde a combinação de energia hidrelétrica com crescente participação eólica trouxe desafios semelhantes. Em ambos os casos, os operadores de rede foram forçados a adotar soluções emergenciais, como a ativação de geradores de reserva e a implementação de novos mercados de serviços auxiliares.
Para mitigar a perda de inércia, tecnologias emergentes estão sendo desenvolvidas. Os antigos compensadores síncronos se colocaram novamente como importantes, agora por simularem também o comportamento de inércia em máquinas síncronas, sem, necessariamente, gerar energia reativa. Além disso, sistemas de baterias têm sido amplamente discutidos como uma alternativa para oferecer “inércia sintética” e resposta rápida para estabilizar a frequência. No entanto, essas tecnologias ainda enfrentam limitações técnicas e econômicas. Compensadores síncronos, por exemplo, requerem investimentos elevados e espaço físico considerável, enquanto baterias dependem de avanços na eficiência e redução de custos.
Ainda, outro recurso utilizado em alguns sistemas é a implementação de mercados de reservas de frequência rápida (FFR), que permitem uma resposta mais ágil a variações repentinas. Essas reservas podem incluir turbinas hidráulicas de resposta rápida, baterias e até mesmo ajustes nos sistemas de controle de turbinas eólicas. Essas medidas demandam investimentos significativos e uma coordenação cuidadosa entre operadores de sistemas e reguladores. Além disso, é necessário considerar os desafios técnicos e operacionais associados à integração dessas tecnologias em larga escala, especialmente em sistemas que já operam próximos de seus limites técnicos.
Vale salientar que a importância de manter a inércia vai além de garantir a estabilidade da frequência. Sistemas com alta inércia também oferecem maior resiliência a falhas, permitindo que os operadores da rede tenham tempo adicional para implementar medidas corretivas em situações de emergência. Assim, consequentemente, redes com predominância de fontes de baixo carbono, com baixa inércia, são mais suscetíveis a colapsos rápidos, nos quais pequenos desequilíbrios podem se transformar em falhas sistêmicas antes que intervenções sejam possíveis. Dessa forma, é necessário ampliar o debate sobre as soluções que preservem ou substituam as funções essenciais da inércia. E, neste contexto, a tecnologia grid forming surge como um paliativo neste momento, pois possibilita que inversores eletrônicos em fontes renováveis, como solar, eólica e baterias, não apenas sigam a frequência da rede, mas também ajudem a estabilizá-la, atuando como fontes de referência de tensão e frequência, semelhantemente às usinas convencionais com turbinas síncronas.
Nos países nórdicos, algumas iniciativas têm sido implementadas como estudo de caso, para enfrentar os desafios impostos pela baixa inércia. Por exemplo, mercados de reserva de frequência (serviços ancilares) para fornecer suporte rápido em caso de perturbações. Esses mercados combinam recursos de diversas tecnologias, incluindo baterias, geradores hidráulicos e até turbinas eólicas modificadas para resposta dinâmica. Apesar desses avanços, os custos associados ao gerenciamento de redes com baixa inércia continuam aumentando, exigindo soluções mais eficientes e escaláveis no futuro. Ou mesmo a reinserção das nucleares e outras fontes que utilizam máquinas síncronas.
Sobre o autor:
Danilo de Souza é professor na Universidade Federal de Mato Grosso, sendo membro do Núcleo
Interdisciplinar de Estudos em Planejamento Energético – NIEPE, e é Coordenador Técnico do
CINASE – Circuito Nacional do Setor Elétrico. Danilo também é Pesquisador no Instituto de Energia e
Ambiente da USP | www.profdanilo.com