Compartilhamento de responsabilidades harmônicas via processos de mudança de estado: tendências e desafios

*por Ivan Nunes Santos, José Carlos de Oliveira, Andréia Crico dos Santos e Bárbara Morais Gianesini

A presença crescente de componentes não-lineares em instalações consumidoras industriais, comerciais e residenciais ocasiona a intensificação das distorções harmônicas presentes nas redes elétricas, com subsequentes impactos sobre a qualidade da energia suprida. Neste cenário de aumento da presença de harmônicos, há ainda de se reconhecer a contribuição da popularização de fontes de energia renováveis não- convencionais, como a  geração  eólica  e a fotovoltaica. Diante dessa situação, é evidente a necessidade de se estabelecer limites para os níveis individuais e totais das distorções de tensão, conforme especificado em vários documentos normativos e padrões nacionais e internacionais. Como motivadores para tais medidas é possível citar diversos impactos causados pela presença de harmônicos em sistemas elétricos, como operações anômalas de equipamentos, sobreaquecimentos e sobretensões. Estes fenômenos estão fortemente correlacionados com a confiabilidade, segurança e vida útil dos mais diversos equipamentos elétricos.

Uma vez constatadas distorções acima dos valores preconizados, medidas mitigadoras se fazem necessárias, a exemplo do emprego de soluções baseadas na filtragem harmônica por meio de compensação passiva ou ativa. Tendo  em mente que tais dispositivos são tecnicamente eficazes, mas demandam significativos custos de investimento, surge a necessidade de se investigar, entre as partes envolvidas no processo, a questão das responsabilidades compartilhadas. Neste sentido, ganha relevância o questionamento de como determinar, em um sistema constituído por supridores e consumidores diversos, as parcelas de responsabilidade sobre as distorções harmônicas encontradas em um barramento de acoplamento comum. Essa questão, que apresenta alta relevância para a área, tem sido tema de muitas investigações ao longo dos últimos 20 anos. Seguindo distintas linhas de pesquisa, nota-se a proposição, pela comunidade científica, de várias estratégias com o intuito de estabelecer metodologias sólidas e factíveis de implementação em campo. Todavia, até o momento não se reconhece nenhuma proposta que seja consensual ou, em outras palavras, o desafio de compartilhar responsabilidades harmônicas ainda se encontra em aberto.

Dentre as investigações relatadas na literatura, o Método da Superposição, que fora publicado nos anos 2000 [1], certamente é o procedimento que recebe maior destaque até os dias de hoje. Por ser fundamentado em princípios básicos de solução de circuitos elétricos, essa metodologia é consistente, porém encontra fortes obstáculos para sua implementação prática. O motivo central para tal limitação está no fato de o processo matemático requerer várias grandezas próprias ao sistema elétrico, a  exemplo das impedâncias harmônicas dos agentes envolvidos, as quais não se encontram, na grande maioria dos casos, disponíveis.

Buscando meios para contornar os entraves mencionados, uma alternativa concebida em nível nacional foi denominada por  Método  da  Impedância   Dominante  ou  Método  da  Superposição  Modificado [2]. O princípio estabelecido se mostrou efetivo ao dispensar a necessidade de conhecimento das impedâncias harmônicas das partes constituintes do sistema elétrico. O fundamento físico desta alternativa  está no emprego  de  um  dispositivo  passivo que ofereça uma impedância dominante sobre as demais envolvidas no processo,  fato este  conseguido  através  da  definição e inserção de filtros harmônicos passivos multissintonizados. Não obstante ao desempenho promissor  desta  metodologia, é notório que a inclusão de componentes outros à topologia original da rede, pode trazer impactos sobre o desempenho do sistema na sua frequência fundamental. Trata-se, pois, de uma metodologia com processo invasivo, e a alteração nas condições operacionais da rede elétrica pode ser um fato indesejável.

Avançando nesta área de pesquisas, trabalhos mais recentes apontam para uma direção embasada no princípio da mudança controlada de estado da rede elétrica. Nesse campo, algumas  pesquisas  se destacam, a saber: Método do Chaveamento de Capacitores [3], Método da Injeção de Corrente Harmônica [3] e o Método do Isolamento Harmônico [4]. Apesar das distintas terminologias utilizadas, todos estes procedimentos possuem um ponto em comum: seus princípios encontram sustentação na técnica de “mudanças de estado controladas”. Através de duas ou mais situações operacionais distintas, uma sendo a original e as demais advindas de alterações operacionais controladas da rede, são estabelecidas equações que correlacionam as grandezas envolvidas e conduzem à solução desejada para o compartilhamento da responsabilidade entre os agentes, quando de sua estrutura original.

Embora a fundamentação seja comum, vale ressaltar que cada um dos procedimentos mencionados possui suas peculiaridades. O método do chaveamento de capacitores, por exemplo, utiliza a variação de potência proporcionada pela inclusão e/ou remoção de estágios de bancos de capacitores, para determinação dos estados necessários à metodologia. Por outro lado, os métodos da injeção de corrente harmônica e o baseado no isolamento harmônico por meio do emprego de filtros ativos são estratégias embasadas na injeção de correntes harmônicas controladas para viabilização das mudanças de estado.

É verdade que os trabalhos investigativos que envolvem mudança de estado são ainda embrionários, contudo, os resultados obtidos até o momento se mostram promissores. Estas estratégias apresentam as vantagens de poderem assumir caráter pouco invasivo e dispensarem informações próprias aos sistemas, a exemplo das impedâncias harmônicas das  partes.  Neste cenário, os autores se encontram altamente compromissados com pesquisas adicionais, envolvendo, principalmente, estudos experimentais em laboratório e em campo, com o intuito de consolidar um procedimento que venha a oferecer meios seguros e confiáveis para se atingir respostas aos desafios aqui estabelecidos.


RefeRência

  • Xu e Y. Liu, “A method for determining customer and utility harmonic contributions at the point of common coupling,” IEEE Trans. Power Deliv., vol. 15, no. 2, pp. 804–811, 2000.
  • N. Santos, “Método da Superposição Modificado como uma Nova Proposta de Atribuição de Responsabilidades Sobre Distorções Harmônicas,” Universidade Federal de Uberlândia (Tese de Doutorado), 2011.
  • C. dos Santos, “Compartilhamento de Responsabilidades Harmônicas: Análises, Contribuições e Proposições,” Universidade Federal de Uberlândia (Tese de Doutorado), 2019.
  • F. C. Véliz, S. L. Varricchio, C. de O. Costa, O. A. da Cunha, e R. C. Amaral, “Metodologia Baseada em Medições e no uso de Filtros Ativos para a Determinação das Responsabilidades sobre as Distorções Harmônicas Relativas à Conexão de Novas Instalações ao SIN,” em Seminário Nacional de Produção e Transmissão de Energia Elétrica (XXIV SNPTEE), 2017.

Ivan Nunes Santos é professor e pesquisador na Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Uberlândia (FEELT/UFU) e coordenador do Núcleo de Qualidade da Energia Elétrica (NQEE) – www.nqee.com.br

José Carlos de Oliveira é professor aposentado pela FEELT/UFU. Atualmente é colaborador do Programa de Pós-Graduação FEELT/UFU e pesquisador do NQEE.

Andréia Crico dos Santos é professora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro (IFTM) e pesquisadora do NQEE.

Bárbara Morais Gianesini é mestranda pela FEELT/UFU e pesquisadora do NQEE.

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