Edição 124 – Maio de 2016
Reportagem: Capacitação profissional
Por Bruno Moreira
Capacitação adequada para profissionais que trabalham com alta tensão é importante não apenas para prestar um bom serviço, mas para manter a segurança dos colaboradores e do sistema de energia elétrica como um todo.
Um profissional devidamente habilitado e bem treinado é importante para qualquer atividade ou função a ser realizaseguda de maneira adequada. Em uma prestadora de serviços, por exemplo, a existência de uma equipe capaz de realizar o trabalho a que foi destinada traz benefícios não apenas para os clientes, que tendem a ficar satisfeitos por serem atendidos em seus desejos, como também para a empresa, que adquire prestígio por ser eficaz na solução dos problemas dos contratantes. Não obstante, quando se trata de eletricidade, mais especificamente de redes de alta tensão, um outro item deve ser levado em conta ao se pensar nas principais razões de se capacitar o profissional para a realização de serviços nesta área: a segurança.
Paulo Sérgio Pereira, diretor da Conprove, empresa especializada na fabricação de instrumentos para testes elétricos, consultoria, serviços, cursos e treinamentos na área elétrica, afirma que, neste segmento, o profissional deve estar ciente de que sua devida capacitação é importante no sentido de não comprometer vidas humanas, deles e de outros profissionais que estão envolvidos no trabalho, já que se atua com eletricidade em alta tensão e qualquer descuido pode ser fatal. Além disso, existe outro agravante: o profissional deve cuidar para não promover o desligamento indevido de uma subestação ou de uma rede de transmissão, por exemplo. Isto pode gerar sérios problemas ao funcionamento do sistema elétrico e acarretar prejuízo financeiro à prestadora de serviços, que pode ser multada, caso a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) entenda que a falha foi de responsabilidade da empresa.
São dois os tipos de treinamentos oferecidos pelas empresas dessa área – sejam elas concessionárias, indústrias ou prestadoras de serviços – para seus funcionários: a capacitação técnica propriamente dita e a capacitação obrigatória envolvendo segurança de trabalho estipulada pelo Ministério de Trabalho e Emprego (MTE). Normalmente, o curso de capacitação técnica é realizado pela própria companhia, mas o treinamento obrigatório de segurança no trabalho é terceirizado. É o que ocorre, por exemplo, com a MTX Engenharia, que fornece serviços de inspeção e manutenção na área. Por se tratar de uma empresa de menor porte, com um quadro enxuto de funcionários, ela delega este tipo de treinamento a uma consultoria, que conta com profissionais habilitados para ministrá-lo.
O engenheiro eletricista e de segurança no trabalho e consultor técnico, João José Barrico, afirma que o ideal seria as companhias contarem com profissionais especializados em segurança de trabalho. “Porém, a grande maioria de nossas empresas está na faixa de pequena ou média, atualmente lutando arduamente para sobreviver aos custos e carga tributária, de forma que não comportam manter um grupo com tal especialização”, diz. Barrico destaca que seria muito producente, no entanto, que as associações de empresas, os sindicatos patronais e outros órgãos mantivessem esse tipo de serviço, como ocorre com o Serviço Social da Indústria (Sesi), com o objetivo de tornar acessível essa evolução sob forma de uma melhoria contínua e sistematizada.
Capacitação para manutenção e inspeção em linhas vivas
Uma das entidades que atuam neste segmento de capacitação, estimulando as empresas do setor elétrico a treinarem seus profissionais e ela mesma ministrando cursos, é a Fundação Coge, instituição de caráter técnico-científico voltada para a pesquisa, ensino, estudo e aperfeiçoamento dos métodos, processos e rotinas do setor elétrico do Brasil. A entidade atua, por exemplo, na capacitação do eletricista de manutenção em linhas de transmissão, profissional habilitado a fazer manutenção e inspeção em linhas energizadas, as chamadas linhas vivas.
O gerente de Capacitação e Desenvolvimento da Funcoge, João Carlos Borges Moreira, explica que esta capacitação é realizada em duas etapas: primeiro, um treinamento básico em linhas desenergizadas, que, costumeiramente, é ministrado pela própria companhia, sob orientação da entidade e, posteriormente, um treinamento em linhas energizadas, este sim realizado pela Fundação. De acordo com o gerente, os profissionais só podem participar do curso de manutenção e inspeção em linhas vivas se tiverem feito o treinamento em linhas desenergizadas, sido avaliados e devidamente aprovados.
Conforme Moreira, o curso em linhas desenergizadas apresenta duração de 300 horas, durante as quais os participantes recebem treinamento em segurança, treinamento conceitual e aulas de educação física. A parte referente à segurança começa com treinamentos em primeiros-socorros, o chamado suporte básico da vida. Na sequência, os profissionais são apresentados às normas regulamentadoras que regem as práticas de segurança no setor: a NR 6, sobre o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI); a NR 35, que estabelece os requisitos mínimos e as medidas de proteção para o trabalho em altura; e a NR 10, que estabelece os requisitos e condições mínimas para se trabalhar com segurança em instalações elétricas e com serviços com eletricidade. “São três normas fundamentais para este treinamento”, afirma o especialista.
No treinamento conceitual, o participante recebe uma aula rápida sobre física, matemática, eletricidade e mecânica, conceitos básicos a serem aplicados na manutenção e inspeção em linhas de transmissão. “Quando o eletricista vai trabalhar e leva peso para a torre, ele precisa ter noções de física, por exemplo a parte de roldanas e plano inclinado, para fazer o menor esforço possível na realização do trabalho”, explica o gerente da Funcoge. Durante este período, nos intervalos das exposições conceituais, os alunos recebem aulas de educação física, visando melhorar a resistência aeróbica, a resistência muscular e o condicionamento físico de uma maneira geral.
Entre as práticas aprendidas pelos profissionais durante o curso, estão: dar nó em corda, manuseio dos equipamentos de trabalho, como o cinto de segurança; técnica de escalar uma torre de transmissão com segurança; substituição de isoladores e espaçadores; deslocamento nos cabos condutores; uso dos equipamentos de proteção; responsabilidade sobre os instrumentos, equipamentos e ferramentas; desenvolvimento de planejamento, organização e ritos de trabalho.
Por sua vez, o treinamento em manutenção de linhas de transmissão energizadas dura aproximadamente 80 horas e nele os participantes aprendem quais são os materiais e as ferramentas utilizadas na manutenção (bastões, cordas, vestimentas e botas condutivas); a terminologia utilizada; o cuidado com os materiais; a testar bastão e roupas, o que deve ser feito antes e depois de sua utilização; os diferentes compostos de cadeia de isoladores, pois cada empresa utiliza um tipo de equipamento; entre outros cuidados. O profissional é treinado também a controlar o tempo de descida da torre de transmissão com segurança, caso haja algum imprevisto, e como se posicionar na estrutura para trabalhar de maneira segura. Assim como no treinamento em linhas desenergizadas, o aluno é ensinado a planejar seu trabalho. “Ele não pode chegar lá e ver o que vai fazer. Ele precisa planejar antes de iniciar o trabalho”, diz. O participante é, então, orientado pelos instrutores a elaborar um plano de trabalho, neste caso, um documento chamado Análise Preliminar de Risco (APR), no qual são considerados pontos como a identificação do problema, os recursos necessários, o plano de trabalho, o tempo de segurança, etc.
As aulas contam ainda com considerações elétricas, como distância de segurança baseada na tensão da linha de transmissão; efeitos do campo elétrico; limites da corrente de fuga dos materiais isolantes, etc.; e considerações mecânicas, tais como verificação das cargas mínimas dos materiais, ferramentas e bastões isolantes.
Não obstante os treinamentos ministrados para que os profissionais atuem em redes de transmissão energizadas, o engenheiro eletricista João Barrico enfatiza que o trabalho com linha viva deveria ser considerado uma excepcionalidade e aplicado apenas em condições extremas de impedimento de trabalho em condições desenergizadas. Por esse motivo, que tais linhas precisam passar por reparos, é que há, em um sistema interligado, caminhos alternativos, permitindo que a via tradicional seja desligada momentaneamente.
Contudo, de acordo com Barrico, as redes alternativas não suportam atender à demanda isoladamente. Ou seja, nem sempre é possível desligar um circuito para serviço e passar a operação para outro (reserva) porque ele está subdimensionado para essa finalidade. “Assim se faz o trabalho sem desligar e isso já se tornou habitual e muito familiar, sem deixar de ser extremamente perigoso”, destaca. “De qualquer forma, o treinamento eficiente, a prática, o conhecimento e os procedimentos de trabalho são fundamentais para garantir a segurança dos operadores”, conclui.
Treinamento para manutenção em subestações
A Conprove é uma das empresas da área de engenharia elétrica que possui profissionais capazes de fornecer, além de cursos técnicos, treinamentos na área de segurança do trabalho. O foco da empresa, porém, segundo seu diretor, Paulo Sérgio Pereira, tem sido na manutenção de subestações, pois curso voltado para linhas vivas “é um tipo de treinamento que as empresas do setor elétrico, normalmente, possuem equipes próprias para realizar”.
Como consultor da área, Pereira afirma que as prestadoras de serviços de manutenção em subestações devem exigir de seus funcionários exames médicos e requisitos plenos de saúdes, que são contemplados através de exames médicos e psicológicos; treinamento em segurança NR 10 e Sistemas Elétricos de Potência (SEP); e que os profissionais estejam plenamente capacitados nos fundamentos dos equipamentos e conhecimento dos procedimentos dos diferentes tipos de equipamentos.
O curso de NR 10 tem duração de aproximadamente 40 horas, assim como o de SEP, que se trata de um treinamento complementar para os profissionais que atuarão no sistema elétrico de alta tensão. Profissionais que se mantêm trabalhando devem fazer periodicamente, a cada dois anos, a atualização destes treinamentos. Nestas ocasiões, o curso apresenta uma carga horária de cerca de 24 horas.
Quanto à capacitação técnica, Pereira declara que a Conprove oferece cursos específicos, com foco nos fundamentos dos equipamentos, suas especificidades, conforme a classe de tensão, nos procedimentos de manutenção e cuidados para o trabalho e na análise dos resultados dos testes de manutenção. De acordo com o diretor da Conprove, os treinamentos oferecidos pela companhia se complementam, “com o objetivo de que atendam tanto às equipes responsáveis pelos serviços de comissionamento, quando da entrada de uma subestação, como às equipes que devem realizar à manutenção periódicos dos equipamentos que devem ocorrer com diferentes periodicidades”.
Entre os cursos oferecidos e relacionados a subestações, estão: subestações de média e alta tensão (SE), em que são apresentados os fundamentos gerais de uma subestação; comissionamento de subestações de média e alta tensão, que trata do recebimento dos equipamentos que estão iniciando a vida em uma subestação, visando definir e explorar os testes que devem ser feitos antes do equipamento entrar em serviço; e manutenção de equipamentos elétricos, útil aos profissionais que estão começando a trabalhar nessa área, pois trata um pouco de todos os equipamentos, permitindo que os profissionais tenham uma visão geral dos requisitos de testes dos diferentes equipamentos instalados em subestações.
Já a MTX Engenharia conta com uma equipe de funcionários reduzida. Neste sentido, a capacitação oferecida pela própria companhia restringe-se à parte técnica, que, do mesmo modo que a da Conprove, é voltado para trabalhos em subestações. O gerente técnico comercial da empresa, Éder Ricardo de Souza Freitas, explica que, após a contratação do profissional, o primeiro passo é a aplicação de um teste, a fim de verificar o conhecimento que cada contratado possui. Reconhecidas as dificuldades, parte-se para um treinamento individualizado com o colaborador. Conforme Freitas, a empresa costumava oferecer um curso de capacitação comum a todos os profissionais, já que faltava mão-de-obra, fazendo-se necessária a contratação de profissionais sem muita experiência. “Na atualidade, a disponibilidade de mão-de-obra, inclusive mão-de-obra com mais experiência na área, cresceu bastante”, diz.
Os treinamentos específicos são imprescindíveis, pois nem todos os profissionais chegam à MTX Engenharia partilhando do mesmo conhecimento profissional. Na realidade, o treinamento é um nivelamento técnico. Junte-se a isso o fato de a empresa ser de menor porte, tornando preciso que seus colaboradores realizem serviços em diversos tipos de equipamentos. Conforme Freitas, em outras companhias maiores, cada funcionário se responsabiliza por um equipamento específico e quando são contratados pela MTX precisam se adaptar. “Eles têm que fazer um pouco de tudo, o que é bom para empesa e para o colaborador também”, avalia.
Sobre as dificuldades apresentadas pelos profissionais contratados, Freitas cita como exemplo um colaborador que não contava com conhecimentos suficientes para realizar ensaios em equipamentos utilizando instrumentos de teste como o megômetro e microhmímetro, e outro que não estava familiarizado com serviços em relés de proteção. Como a MTX realiza atividades nestas áreas, eles tiveram que ser treinados para trabalhar com estas ferramentas.