Análise da qualidade dos materiais utilizados em sistemas de aterramento de linhas de transmissão, com úteis aplicações dos condutores bimetálicos

por Galeno Lemos Gomes

1-Introdução

No Setor Elétrico Brasileiro, a indisponibilidade de linhas de transmissão de 230kV por falhas transitórias, principalmente causadas por descargas atmosféricas (cerca de 70% considerando religamentos e cerca de 30% com desligamentos permanentes), é extremamente indesejável. Além de gerar altos prejuízos aos consumidores, também possibilita a incidência de multas e cobranças para as empresas do setor de transmissão de energia elétrica, quando ultrapassado o limite máximo de desligamentos por 100 quilômetros por ano de cada uma destas linhas. Com base nestas considerações, torna-se importante termos ferramentas e metodologias adequadas para estimar o desempenho destas linhas de transmissão, e também para mitigar este problema.

Relacionando os aspectos que devem ser normalmente considerados no estudo do desempenho das linhas de transmissão frente à incidência de descargas atmosféricas, as maiores causadoras dos indesejados desligamentos não programados são geralmente influenciadas por:

  1. a) Aspectos ambientais:

a.1) Densidade das descargas atmosféricas por quilômetro quadrado ao ano (Ng);

a2) Topologia da região;

a3) Características do solo;

a4) Parâmetros característicos das correntes associadas às descargas atmosféricas.

  1. b) Aspectos característicos de projeto e construtivos das linhas de transmissão:

b1) Altura e tipo da torre;

b2) Características de isolação da linha;

b3) Grau de proteção dos cabos guarda (cabos para-raios);

b4) Distância entre os condutores, bem como o acoplamento entre os mesmos e o(s) cabo(s) guarda;

b5) Geometria e o tipo dos materiais utilizados na execução do sistema de aterramento.

Sendo o item “b5” o foco das considerações da primeira parte deste trabalho, iniciaremos as análises e considerações pertinentes com duas questões:

2-Discussão

1) Qual norma brasileira está sendo utilizada atualmente, visando caracterizar as configurações dos sistemas de aterramento de linhas de transmissão, e quais são os materiais mais indicados?

2) Quais materiais estão sendo empregados atualmente na prática? A resposta à primeira pergunta:  A norma é a ABNT NBR 5422:1985 – Projeto de Linhas Aéreas de Transmissão de Energia Elétrica – procedimento (atualmente em revisão) [1].

A resposta à segunda pergunta pode ser iniciada com a transcrição do seguinte trecho do subitem 9.5 da norma citada: “(…) os materiais empregados nos aterramentos devem ser resistentes a corrosão.  Sua durabilidade no solo deve ser, sempre que possível, compatível com a vida útil da linha.”

Esta afirmação nos remete de imediato ao que está sendo normalmente executado na prática, no aterramento de linhas de transmissão de 230kV (contrapeso), e que deve ser melhorado o mais rapidamente possível,  para evitar não só trabalhos de manutenção, como também problemas de desligamentos indevidos pelos efeitos da corrosão destes elementos com consequente aumento da impedância do sistema de aterramento. A figura 1 é uma amostra deste tipo de instalação, onde o condutor de aço galvanizado é conectado através de parafuso a uma haste cantoneira de aço com revestimento de zinco.

Figura 1 – Sistema de aterramento típico de uma linha de transmissão de 230kV haste com revestimento de zinco e com seção transversal em cantoneira

De imediato, torna-se necessária uma análise comparativa entre os tipos de hastes usadas normalmente e as que são recomendadas para os sistemas de aterramento das linhas de transmissão de 230kV. Comparando em termos de vida útil as hastes do tipo cantoneira com revestimento de zinco e as de seção circular com revestimento de cobre, como mostradas na figura 2, poderemos facilmente chegar à conclusão de qual tipo melhor atende o item 9.5 da ABNT NBR 5422:1985.

Figura 2- Hastes de aterramento de seção cilíndrica com revestimento de cobre e espessura mínima de 254 microns.

No caso das hastes com seção transversal em cantoneira, são hastes que possuem uma camada de zinco mínima especificada por norma que é de 95 microns com 636g/m² de massa. O formato cantoneira com arestas em número limitado, além de não facilitar a dissipação da corrente para o solo, tende a formar zonas anódicas e catódicas na própria cantoneira, facilitando sua “autocorrosão”.

Nas hastes com seção circular e revestimento de cobre, o cobre é depositado eletroliticamente sobre o aço 1010/1020, o qual é previamente revestido com uma camada de níquel para aumentar a aderência e para eliminar possíveis tensões eletroquímicas. A camada mínima de cobre é de 254 microns, as mesmas são de forma cilíndrica, isto é, com infinitas arestas que facilitam a dissipação das correntes para o solo.

O revestimento em zinco ou cobre tem como objetivo principal retardar a corrosão, com o objetivo de aumentar a vida útil da haste de aterramento. Portanto, quanto mais espesso for o revestimento, maior será a vida útil das mesmas.

A decisão técnica entre a utilização de uma haste de aterramento cantoneira revestida de zinco e uma haste de aterramento com seção circular revestida de cobre deve ser tomada com base no comportamento físico-químico dos metais, sempre buscando uma vida útil compatível com a vida útil do sistema no qual este eletrodo ou haste de aterramento será utilizado.

3) Comportamento físico-químico dos metais

3.1) Corrosão:

Quimicamente, podemos dizer que um sistema de aterramento composto pelas hastes e /ou condutores de aterramento constituídos por metais, silicatos e óxidos (os solos), água, carbono (produtos de decomposição vegetal, sais minerais) e outros componentes formam o eletrólito.

Este conjunto de metais e eletrólitos origina os processos de decomposição eletroquímica dos metais, que é a entrada em solução dos íons positivos com consequente circulação de corrente elétrica (corrente galvânica). Neste caso, podemos afirmar que estamos em presença da corrosão eletroquímica do metal.

A corrosão é definida como o processo de destruição ou degradação do metal provocado por uma reação com o meio que o envolve, no caso, o solo considerado como eletrólito.

Portanto, é seguro afirmar que a corrosão subterrânea afeta sobre maneira a vida útil dos sistemas de aterramento, agindo sobre as hastes, os condutores de aterramento e conexões, fazendo com que a resistência de contato aumente, levando a um consequente aumento da resistência de aterramento dos mesmos, afetando ou eliminando a continuidade elétrica e/ou a capacidade de condução de corrente projetada inicialmente para que um determinado sistema de aterramento atenda.

A menor ou maior “resistência” à corrosão tem relação direta com o potencial eletroquímico próprio do metal quando este é submerso em um eletrólito.

Este potencial próprio do metal, no caso das medidas eletroquímicas, tem como base o padrão do hidrogênio (potencial natural = zero). Quanto mais eletronegativo for o metal, com maior facilidade o mesmo irá se corroer. Por exemplo: o magnésio, cujo potencial natural é de (-2,34 V) dissolve-se de maneira espontânea na água, enquanto o ouro (+1,68V) não irá se corroer, mesmo que imerso no solo.

É importante observar, com base nestes conceitos, que o potencial natural do cobre (+ 0,34V) presente nas hastes de seção cilíndrica fabricada por deposição eletrolítica do cobre sobre o núcleo de aço, é bastante superior ao do zinco (- 0,76V) das hastes cantoneira com revestimento de zinco. A diferença entre o potencial destes dois metais, em módulo é de 1,10V, assim sendo, podemos concluir que o zinco tenderá a ceder elétrons (anodo) para o meio que o circunda, e o cobre tenderá a receber (catodo).

3.2) Vida útil

A vida útil está ligada à “resistência” do metal a corrosão. Esta afirmação está apoiada em diversos estudos feitos pelo “National Technical Information Service U.S Department of Comerce”, sobre a influência da ação química de diversos tipos de solo nos processos de corrosão do zinco, ferro, cobre e chumbo, alo longo de 17 anos, tendo sido usadas cerca de 35.500 amostras e 95 tipos de solo com características distintas. Os resultados desta pesquisa foram publicados através da circular “National Bureau of Standards 579” por Nelrin Romanoff, com o título de “Underground Corrosion” [2].

Com base em todos esses trabalhos, pode-se concluir que a intensidade da corrosão depende dos metais empregados e da composição do solo em que os mesmos estão instalados. A vida útil para hastes de aterramento com revestimento de zinco é de aproximadamente onze (11) anos em solo alcalinos e argilosos. De oito (8) anos para solos turfosos com alto índice de sulfato e de até quatro (4) anos para solos ácidos e muito alcalinos.

O benefício de uso para hastes de aterramento com revestimento de cobre é muito superior ao revestidas com zinco.

Assim, uma haste cilíndrica com revestimento de cobre de 254 microns poderá alcançar uma vida útil estimada em aproximadamente sessenta (60) anos, enquanto uma com revestimento de zinco, com seis imersões, poderá alcançar dez (10) anos.

Concluindo, podemos dizer que é esperado uma vida média de trinta e cinco (35) anos para o revestimento de cobre e de oito (8) anos para o revestimento de zinco.

Com base nas considerações anteriores, é recomendável a utilização nos sistemas de aterramento de linhas de transmissão, de uma maneira geral, hastes de seção circular (infinitas arestas) com um revestimento de no mínimo 0,254mm de cobre depositados por eletrodeposição sobre o núcleo de aço, e que atendam a norma ABNT NBR 13571:1996 [3].

4) Condutores de aterramento

Podemos estender a análise em relação a qualidade dos materiais, aos condutores de aterramento típicos utilizados nas linhas de transmissão como contrapesos, que se estendem por quilômetros de distância, percorrendo solos com diversos valores de resistividade própria (figura 3). Para decidirmos sobre os materiais que são mais recomendados, os tópicos relativos à vida útil devem ser levados

em consideração, analisando novamente aspectos em relação à heterogeneidade do eletrólito (solo) em que estão imersos.

Figura 3- Cabos contrapesos (aterramento de linhas de transmissão) uma das
configurações típicas.

Retomando as conclusões já aferidas anteriormente,  quando na análise do tipo de hastes de aterramento mais adequadas, os condutores de cobre ou bimetálicos com núcleo de aço e revestimento de cobre (figura 4),  são novamente recomendados  para  uso nos contrapesos das linhas de transmissão, como  cabo(s)  guarda (cabos para-raios das  linhas de transmissão) e também em malhas de subestações.  Os condutores bimetálicos são indicados pois além de ter um valor comercial muito baixo, é impossível a separação do cobre do aço, desestimulando o furto tão comum quando são utilizados condutores de cobre. Outra vantagem é sua durabilidade que chega a ser seis (6) vezes maior do que a aço zincado normalmente utilizado nos contrapesos e cabos guarda em linhas de transmissão. Ou seja, os condutores bimetálicos tem uma durabilidade de 40 a 50 anos, enquanto um condutor de aço zincado tem duração de oito a 10 anos, dependendo do pH do meio.

Figura 5 – Dados técnicos dos condutores bimetálicos.

5) Conclusões

Com base nas análises técnicas e considerações feitas anteriormente, podemos concluir:

5.1) Que as hastes  a serem utilizadas nos sistemas de aterramento de linhas de transmissão em geral, deverão ser hastes de aterramento com seção circular,  com  no mínimo 254 microns de revestimento de cobre depositado eletroliticamente sobre o núcleo de aço 1010/1020, atendendo

Figura 4 – Condutores bimetálicos.

 


*Galeno Lemos Gomes é engenheiro eletricista e de Segurança do Trabalho, MsD em Educação Técnica pela Universidade de Oklahoma USA, sócio gerente técnico da empresa Galeno Gomes Engenharia Consultoria e Treinamento Ltda. Professor dos cursos: Sistemas de Aterramento Projeto, construção, medições e manutenção (ABNT), Aterramento e Sistemas de proteção Contra Descargas Atmosféricas e de equipamentos Eletromecânicos Sensíveis (ETI) segundo a ABNT NBR 5419:2015 (Instituto de Engenharia de São Paulo), ex-professor Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e Escola Técnica Federal de o Paulo.

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