A relação entre inovação e regulação.

Costuma-se dizer que a tecnologia vem antes da regulação. Ou seja, sempre teremos o agente regulador correndo atrás da tecnologia na formulação de normas técnicas do setor elétrico, mas também na regulamentação e parametrização de novas tecnologias.

Essa dinâmica e velocidade diz muito sobre o avanço da inovação em um país. No caso brasileiro, ainda estamos fortemente ligados a um passado formador do nosso sistema elétrico e que tem sido tema recorrente nesta coluna, ou seja, centralizado e unidirecional.

A premissa fundamental na formação do nosso Sistema Interligado Nacional (SIN) é a geração de energia e operação de forma centralizada (feita pelo ONS – Operador Nacional do Sistema) com preços formados por modelos matemáticos que consideram, predominantemente, o regime de chuvas e nossa capacidade de acumulação de água.

Neste sentido, a governança centralizada e a formação de preços feita por médias semanais (ou mensais) de previsões de geração e que não refletem as particularidades diárias e horárias de oferta e demanda de energia, inibem em certa medida a implementação de algumas tecnologias já existentes de digitalização e eficientização do setor. Os sinais econômicos seriam mais claros para geradores e consumidores e a amplitude de informações seria maior. 

Por razões estruturais, que vão desde a avaliação de risco de suprimento (posto que a geração é centralizada e fortemente hidráulica) e impossibilidade de contratações em volumes diários de energia, o mercado brasileiro de energia encontra-se estagnado em investimentos e com aversão a inovações. O reflexo disso é uma baixa capacidade de inovação e assimilação de novos conceitos alinhados com tendências tecnológicas hoje predominantes mundialmente: digitalização e descentralização.

Novas tecnologias (energia solar, baterias e veículos elétricos) batem todo dia a porta de consumidores interessados em redução do custo de energia e maior controle sobre seu consumo (e geração de energia). Somos hoje um país com imensas potencialidades na inovação para o setor elétrico.

A Consulta Pública ANEEL nº 7/2025 surge em um momento crucial para o setor elétrico brasileiro, com propostas que podem impactar profundamente o mercado e abrir caminho para inovações importantes (e necessárias) no setor. O objetivo principal é dinamizar o ambiente de negócios atual, em que a falta de clareza e regulação gera insegurança no mercado. São inúmeras as áreas que podem se beneficiar dessa discussão. Vejamos. 

A referida consulta abre espaço para o Open Energy (já tratado nesta coluna), que permitirá ao consumidor acessar e compartilhar seus dados, com consentimento, com agentes do mercado. Como a Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei 13.709/2018), exige transparência no compartilhamento de dados, mas a REN 1.000/2021 não tem regras claras sobre como esses dados devem ser compartilhados no setor elétrico. As propostas incluem a criação de Comitê Gestor do Open Energy (COGE) para gerenciar o compartilhamento de dados no setor elétrico e o uso de interfaces de programação de aplicativos (APIs) padronizadas para garantir que os dados possam ser compartilhados de forma segura e eficiente entre os sistemas.

A proposta inclui também a criação de fatura única de energia com uma estrutura única, simplificando a compreensão e garantindo transparência no pagamento da fatura de energia com o detalhamento de custos regulatórios, tarifas e tributações. As faturas deverão especificar claramente os custos envolvidos, proporcionando maior visibilidade para o consumidor.

Estes avanços pretendidos abrem espaço para inovações importantes em aplicações para (i) novos modelos de formação e (ii) monitoramento de preços de energia, (iii) gestão de faturas de energia, (iv) gestão de geradores e (v) avaliação de riscos operacionais (curtailment), além de oportunidades em diversas outras áreas com a abertura e incentivo a Implementação de sandboxes regulatórios, que são ambientes de testes para novas tecnologias e metodologias, permitindo ajustes e aperfeiçoamentos antes de sua implementação ampla.

¹ Nosso mercado utiliza o DESSEM, DECOMP e NEWAVE, que são modelos computacionais aplicados para otimizar a operação do sistema e determinar preços de energia. O DESSEM (Despacho Hidrotérmico de Curto Prazo) é um modelo de otimização que realiza a programação diária da operação do sistema elétrico. Ele considera um horizonte de até duas semanas, com discretização de meia hora, e é usado para calcular o preço horário da energia para o dia seguinte. O DESSEM é especialmente útil para integrar fontes intermitentes, como energia eólica e solar, e para representar detalhadamente as características das usinas hidrelétricas e térmicas. O DECOMP (Despacho Hidrotérmico de Médio Prazo) é utilizado para o planejamento da operação em um horizonte de médio prazo, geralmente semanal, e considera 3 patamares de carga. Ele busca otimizar o uso dos recursos hídricos e térmicos, levando em conta as condições hidrológicas e a aversão ao risco. Para o planejamento da operação de sistemas hidrotérmicos de médio prazo (até 5 anos), é utilizado o modelo computacional Newave. Fontes: https://see.cepel.br/manual/libs/latest/modelos_computacionais/modelo_dessem.htmlhttps://www.cepel.br/linhas-de-pesquisa/dessem-saibamais/ e https://www.ccee.org.br/precos/conceitos-precos 

² https://www.gov.br/aneel/pt-br/assuntos/noticias/2025/aprovada-consulta-para-aperfeicoar-regras-dos-servicos-de-distribuicao-em-consequencia-da-abertura-do-mercado-para-consumidores-do-grupo-a#:~:text=Em%20reuni%C3%A3o%20da%20diretoria%20colegiada,institu%C3%ADda%20pela%20Portaria%20MME%20n%C2%BA

³ https://www.gov.br/aneel/pt-br/empreendedores/sandboxes-tarifarios/regulamentacao-e-governanca



Sobre o autor:

Frederico Boschin é Diretor Executivo da Noale Energia e Sócio da Ferrari Boschin Advogados. Conselheiro da ABGD; Conselheiro Fiscal do Sindienergia RS e Professor dos Cursos de MBA da PUC/RS e PUC/MG.

Compartilhe!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Próximo evento

Evento: Energy Summit
Data: 24/06/2025
Local: Rio de Janeiro
00
Dias
00
Horas
00
Min.
00
Seg.
Evento: Intersolar South America
Data: 26/07/2025
Local: Expo Center Norte, São Paulo
00
Dias
00
Horas
00
Min.
00
Seg.
Evento: CINASE
Data: 06/08/2025
Local: Belo Horizonte / MG
00
Dias
00
Horas
00
Min.
00
Seg.
Evento: FIEE 2025
Data: 09/09/2025
Local: São Paulo Expo
00
Dias
00
Horas
00
Min.
00
Seg.

Controle sua privacidade

Nosso site usa cookies para melhorar a navegação.