A eficiência energética como fator de competitividade e alternativa de transição

por Dr. Roberto Musser – Especialista em Regulação e Gestão pela UFBA.

Em tempos de Geração Distribuída (GD), Smarts e Audiência Pública (AP) 001/2019 da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) sobre o sistema de compensação da micro e minigeração distribuída de energia elétrica (Portaria 482/12) fica latente a assimetria de informações entre os players. Cada um com a sua perspectiva de defesa de interesses, com polarizações que vão de pequenos empreendedores independentes até grandes corporações com discursos por vezes antagônicos e, por vezes, conciliadores.

Um leque de variedades e variações que, ao mesmo tempo em que preocupa pela complexidade do tema, traz uma excelente sensação da satisfação real em presenciar discussões em alto nível desse que é um tema estratégico para o país e para as futuras gerações.

Na rodada realizada em São Paulo em 14 de março num auditório cheio, com direito a “torcidas” que se manifestam por uma ou outra corrente, ficaram evidentes os que defendiam o solar, as redes (distribuidoras) e, nesse meio, junto e misturado, o pessoal bioenergético, acadêmicos, bancos, sistema S, Escos, fornecedores de equipamentos e serviços etc.

Essa efervescência transcorre por meio de um debate que envolve mitologia, história, instigação, respostas de forma madura, democrática e, principalmente, brasileira, e isso é muito bom!

A forma de condução do tema pela ANEEL merece destaque. Fica claro que, mesmo com todas as críticas à sua atuação, existe uma inteligência estruturada e competente com a clara percepção de que o novo cenário da energia elétrica já está aí e é irreversível.

Existem aprendizados de outros países que podem ser referência, mas são improváveis que obtenham os mesmos resultados ao implantar estes modelos. O benchmarking limita-se às práticas e ao entendimento de seus mecanismos de construção, mas é imprescindível uma adaptação, diria até uma “reconstrução” para a nossa realidade, pois temos uma característica específica dos nossos elétrons: federal, estadual, municipal e o mais novo de todos os elétrons, os empreendedores independentes.

Estes seres hoje habitam nos mundos cativo e livre, mas em essência são todos elétrons brincando e em movimento, e nisso o Brasil é diferente, pois traz à luz uma discussão político-econômico-social indissociável, o que a nossa multiplicidade de fontes permite.

Mas qual será o modelo? Certamente não será único nem tampouco estático.

Alguns conceitos podem e devem ser revisitados no sentido de tornarem-se mais holísticos, como, por exemplo, a eficiência energética.

De uma maneira geral, a “eficiência energética tradicional” no âmbito do sistema elétrico limita-se a ações de gestão de energia, formas de uso, ajustes e substituição de equipamentos, ou, a busca de um melhor perfil de consumo com base em hábitos e atualização tecnológica com foco na eliminação de desperdícios associado à melhoria de processos. Sem dúvida, essa é a forma menos onerosa de postergação de investimentos intensivos em capital para a geração de energia elétrica reduzindo uma sobrecarga significativa do Sistema Integrado Nacional (SIN).

Por outro lado, percebe-se a possibilidade de que formas alternativas para a conceituação eficiência energética sejam consideradas, como um entendimento plural de formas de produção e consumo de energia transpondo a barreira física necessária da existência da rede elétrica.

Pela regra do Programa de Eficiência Energética (PEE) da ANEEL concebidos por meio das leis 9.991/00 e 13.280/16 e regulamentado pela Resolução Normativa 380/18, existe uma série de avanços positivos em relação à obrigação regulatória do uso da Receita Operacional Líquida (ROL), como as Chamadas Públicas de Projetos (CPP), Projetos Pilotos, Grande Relevância, Baixa Renda, dentre outros.

Um novo cenário surge com a perspectiva de que a rede elétrica passe de essencial para acessória, mantendo a característica de ser o garantidor da energia elétrica firme. Essa é uma questão crucial, pois interfere diretamente no processo de investimentos atual, futuro e pretérito. É preciso um novo olhar sobre a Base de Remuneração Regulatória (BRR) e da remuneração do capital prudentemente investido, ou essa conta vai diretamente para os consumidores hoje chamados de cativos.

Outro aspecto importante, e que deve ser considerado, é a garantia de fornecimento em toda a área de concessão, com qualidade e preço, a um mercado cativo cada vez menor e menos confiável do ponto de vista de adimplência e perdas não técnicas. Neste sentido, vale observar que as ações de GD terão foco naqueles consumidores de maior poder aquisitivo e, consequentemente, de maior consumo e receita para a concessionária.

Com base no atual cenário, este consumidor passa à condição de  prosumidor diminuindo a receita da concessionária e, mais que isso, continuando a consumir a energia elétrica firme e garantida em continuidade e qualidade em horários de maior demanda e maior valor.

Substantivamente, a concessionária terá de aprender a atuar em um novo ambiente muito diferente e adverso, no qual terá como missão sobreviver conciliando as restrições do lado da demanda, fortemente impactadas pela GD, e da oferta de financiamento – mais desafiadores e incorporando riscos que se contrapõem à necessidade imposta da modicidade tarifária.

Esses são os fatores que exigirão aprimoramento na viabilização de financiamentos de longo prazo confiáveis a um custo compatível.

Nesse contexto, a pedra angular da política energética é a Eficiência Energética através da promoção de um melhor uso dos ativos já existentes em benefício do coletivo e, ao mesmo tempo, agregando novas tecnologias de pesquisa aplicada aos ativos, além de transpassar a agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.

Dessa forma, a eficácia da Eficiência Energética impacta na redução do consumo de energia e a eliminação do desperdício energético assume cada vez mais o papel de protagonista. Metas arrojadas na redução do consumo médio anual passarão a ser instrumentos políticos importantes, desde que sejam reconhecidas não apenas como uma forma de aprovisionamento de energia sustentável, mas também de contribuir com a redução das emissões de gases com efeito de estufa e promover a competitividade econômica.

Um primeiro passo é a rotulagem e a aferição em todas as fases do modo de produção energética, iniciando com um planejamento eficaz para o aprovisionamento energético e a utilização eficiente da energia por parte dos consumidores, acopladas à concepção ecológica dos produtos, serviços e infraestruturas.

É preciso também que seja introduzida uma pluralidade de avaliações e mensurações menos restrita a organizações e organismos específicos e que a efetividade seja mensurada por meio de dados mercadológicos reais aferidos pela concessionária em medições, com a contrapartida da obrigatoriedade do contrato de desempenho para todas as tipologias de clientes contemplados em programas de eficiência energética.

Observa-se que é necessário uma alteração muito além das fronteiras de uma concessionária, e uma contribuição importante nesse sentido é a Nota Técnica no 27/SRM/SGT/SPE/SRD-2019/ANEEL que busca compreender e introduzir as bases para de um ambiente regulatório competitivo e sustentável pelo instrumento da consulta pública (CP 003/2019).

Mas ainda é imprescindível, no escopo desta discussão, que todos os stakeholders sejam envolvidos e suportados num cenário que destaque os aspectos diretivos de serviços energéticos, cogeração e desempenho energético. O objetivo é possibilitar os meios de tornar eficientes as infraestruturas (incluindo edificações), produtos (incluindo eletrodomésticos e automóveis) e os sistemas energéticos com base no consumo de energia primário ou final, vinculados aos consumidores finais e aos fornecedores de energia.

Portanto, observa-se que o nosso elétron precisa ser reinterpretado e enquadrado em um novo ambiente, onde consigam conviver com as diversas mudanças de estado,  de forma a atender aos diferentes interesses.

Outro aspecto importante é um repensar fundamental sobre a questão da incidência de tributos, encargos, impostos etc. sobre o nosso patriótico elétron inserido no modo energético de produção, ou naquilo em que agrega valor para a competitividade do país, ou seja, onde incidir, se na cadeia produtiva ou no produto final. Mas isso é uma outra questão ainda mais complexa, porém inevitável.

Percebe-se que a fase de transição é delicada, porém fundamental para a sobrevivência de estruturas de negócio como as concessões e seus significativos investimentos em infraestrutura de capital intensivo e as novas formas de tecnologias de geração distribuída e armazenamento.

Com certeza, a transição é um momento fundamental para um futuro sustentável e requer um processo gradual e seguro ao mesmo tempo em que considera a possibilidade dos novos empreendedores e as causas de sustentabilidade e meio ambiente.

A ANEEL está atenta a estes movimentos, mas poderia repensar uma alternativa à nova política para a Eficiência Energética, pois  inevitavelmente irá convergir mais cedo ou mais tarde, com o mercado cativo e as ações de energia renovável e alternativas.

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