Quod nimium est laedit (O que é excessivo prejudica)

Edição 65 – Junho 2011
Por João José  Barrico de Souza

Durante o desenvolvimento da versão inicial da NR 10, que norteou os trabalhos do Grupo Técnico Tripartite (GTT-10), o qual, por sua vez, avaliou as contribuições da sociedade para definir o texto final, uma preocupação constante foi a de respeitar as demais normas vigentes, tanto as regulamentadoras, quanto as normas técnicas vigentes, nacionais e internacionais, de forma que ao final fosse gerado um texto harmônico, enxuto e compatível com a realidade.          Por este motivo, ela pode ser qualificada como uma “norma ética”, que esteve atenta à seara específica da segurança com eletricidade, ao seu propósito, tendo seus “autores” em função de suas atribuições e conhecimentos e tomando o cuidado de não afrontar o disposto nas demais normas.

Logicamente, foram observadas diversas inadequações nessas disposições, motivo pelo qual o texto de encaminhamento da última versão da NR 10 aventou a necessidade de o MTE atualizar tais normas, de forma a atender aos requisitos julgados necessários. Assim, a NR 10 não especificou equipamentos de proteção individual porque este é um atributo confiado à NR 6. Da mesma maneira, não se aprofundou nos assuntos de sinalização porque são objetos da NR 26; não se deteve em propor medidas relacionadas à proteção contra incêndios porque este assunto cabe à NR 23; comentou-se a necessidade de que os locais de trabalho tenham iluminação adequada e que as posições de trabalho permitam as mãos livres, entre outras coisas, mas referiu-se à NR 17, que trata de ergonomia, respeitando-a; referiu-se à consideração dos riscos adicionais, mas não se aprofundou neste assunto, visto ser objeto da NR 9.

Outro aspecto a se observar é que os conceitos utilizados na NR 10 procuraram respeitar o entendimento vigente e normatizado, seja no conteúdo da norma, seja no glossário, buscando sempre a coerência. Mesmo na área técnica específica de eletricidade, o texto normativo não especificou nem impôs metodologia que impedisse alternativas técnicas específicas, cuja aplicação compete, aliás, aos especialistas em eletricidade. Em resumo, valorizou o técnico, atribuindo-lhe o poder de decisão, naturalmente, junto à responsabilidade própria da habilitação que recebeu.

Houve, é verdade, uma definição divergente, que é o caso da alta e da média tensão e que se deve à alteração do nome e à abrangência da ABNT NBR 14039, ocorridas no ano em que a que a NR 10 já havia sido discutida, aprovada e estava em fase de “latência”, aguardando a publicação.

Pode-se considerar, pelo exposto, que essa harmonia tenha sido um fator importante na aceitação e reconhecimento da NR 10.

Recentemente, foram publicadas várias outras atualizações de normas regulamentadoras. Em maior ou menor grau, tais normas têm enveredado pelo caminho da especificação técnica, confrontando outras normatizações, criando incerteza, desconforto e desconfiança por quem tem que obedecê-las, fugindo do seu foco, extrapolando seu mister e dando o mote para o título da coluna neste mês, pois se está exagerando no detalhamento e na competência específica da norma em estudo.

Quando a norma regulamentadora engessa a técnica, faz um grande desserviço tanto à técnica, à criatividade quanto à própria segurança dos ambientes de trabalho, atingindo os trabalhadores.

Vamos citar, especificamente, a norma que trata de máquinas, a NR 12, que, entre outros, resolveu estabelecer especificações para instalações e dispositivos elétricos de máquinas e equipamentos, o que faz pressupor que compreenda desde a furadeira até a máquina que fabrica o papel, ou da grampeadora até a rotativa, em uma indústria gráfica. Isso começa a partir do item 12.4, que trata de:

 

Instalações e dispositivos elétricos

12.14. As instalações elétricas das máquinas e equipamentos devem ser projetadas e mantidas de modo a prevenir, por meios seguros, os perigos de choque elétrico, incêndio, explosão e outros tipos de acidentes, conforme previsto na NR 10.

12.15. Devem ser aterrados, confor

me as normas técnicas oficiais vigentes, as instalações, carcaças, invólucros, blindagens ou partes condutoras das maquinas e equipamentos que não façam parte dos circuitos elétricos, mas que possam ficar sob tensão.

E poderia parar por aí, pois o aprofundamento em eletricidade já está decidido em normas técnicas e regulamentadoras específicas. Ocorre que o texto prossegue:

12.16. As instalações elétricas das máquinas e equipamentos que estejam ou possam estar em contato direto ou indireto com água ou agentes corrosivos devem ser projetadas com meios e dispositivos que garantam sua blindagem, estanqueidade, isolamento e aterramento, de modo a prevenir a ocorrência de acidentes.

Que não é senão a consideração quanto algumas das influências externas, entre mais de 20, tratadas no item 4 da ABNT NBR 5410. E continua:

12.17. Os condutores de alimentação elétrica das máquinas e dos equipamentos devem atender aos seguintes requisitos mínimos de segurança:

a) oferecer resistência mecânica compatível com a sua utilização;

b) possuir proteção contra a possibilidade de rompimento mecânico, de contatos abrasivos e de contato com lubrificantes, combustíveis e calor;

c) localização de forma que nenhum segmento fique em contato com as partes moveis ou cantos vivos;

d) facilitar e não impedir o trânsito de pessoas e materiais ou a operação das máquinas;

e) não oferecer quaisquer outros tipos de riscos na sua localização; e

f) ser constituídos de materiais que não propaguem o fogo, ou seja, autoextinguíveis, e não emitirem substâncias tóxicas em caso de aquecimento.

Com exceção do item e) , os demais são objeto de norma técnica de instalação elétrica.

12.18. Os quadros de energia das máquinas e equipamentos devem atender aos seguintes requisitos mínimos de segurança:

a) possuir porta de acesso, mantida permanentemente fechada;

b) possuir sinalização quanto ao perigo de choque elétrico e restrição de acesso por pessoas não autorizadas;

c) ser mantidos em bom estado de conservação, limpos e livres de objetos e ferramentas;

d) possuir proteção e identificação dos circuitos; e

e) atender ao grau de proteção adequado em função do ambiente de uso.

Observamos uma generalização indevida do que tratam as normas técnicas de equipamentos elétricos, a NR 10 e a ABNT NBR 5410.

12.19. As ligações e derivações dos condutores elétricos das maquinas e equipamentos devem ser feitas mediante dispositivos apropriados e conforme as normas técnicas oficiais vigentes, de modo a assegurar resistência mecânica e contato elétrico adequado, com características equivalentes aos condutores elétricos utilizados e proteção contra riscos.

Seguindo à risca esse dispositivo, fica proibida uma conexão (emenda) soldada entre condutores. Os conectores se tornaram obrigatórios?? Mas ainda há mais:

12.20. As instalações elétricas das máquinas e equipamentos que utilizam energia elétrica fornecida por fonte externa devem possuir dispositivo protetor contra sobrecorrente, dimensionado conforme a demanda de consumo do circuito.

É pura redundância, pois as normas técnicas já estabelecem que todos os condutores vivos devem ser protegidos contra sobrecorrentes (sobrecarga ou curto-circuito). O valor da corrente, o tempo de atuação e outras características elétricas não são objeto de proteção de máquinas e a palavra demanda tem significado técnico. E as bombas de incêndio? Também terão proteção contra sobrecarga do motor?

A propósito, furadeira manual ou de bancada, pelo que se sabe, são máquinas. Se a proteção estiver na instalação não é nesta NR que o assunto se regulamenta, logo, subentende-se que cada máquina deverá ter sua proteção incluída (na máquina).

12.20.1. As máquinas e equipamentos devem possuir dispositivo protetor contra sobretensão quando a elevação da tensão puder ocasionar risco de acidentes.

O item 5.4 da ABNT NBR 5410 já trata do assunto com profundidade técnica muito maior e não res

trita à máquina, mas às instalações e como tal se estende aos circuitos alimentadores das máquinas. Colocado no contexto da NR 12, fica completamente inadequado e indevido.

12.20.2. Quando a alimentação elétrica possibilitar a inversão de fases de máquina que possa provocar acidentes de trabalho, deve haver dispositivo monitorado de detecção de sequência de fases ou outra medida de proteção de mesma eficácia.

Há, seguramente, outros recursos para impedir que a rotação invertida possa acionar equipamento e, com isso, provocar danos. Aplicar detector de sequência de fases em uma instalação é uma providência recomendável, no entanto, determinar, por força de lei, que se instale um detector em cada máquina se torna um exagero. Ainda mais se considerarmos, por exemplo, que um ventilador centrífugo, mesmo pequeno, de 1 cv ou 2 cv, se girar ao contrário, poderá soltar a porca e desprender a turbina. Quantos desses elementos dependentes da mesma origem elétrica, certamente já supervisionada quanto à sequência de fases, existem e que a NR 12 torna obrigatório, não para a instalação, mas para cada equipamento?? E mais:

12.21. São proibidas nas máquinas e equipamentos:

a) a utilização de chave geral como dispositivo de partida e parada;

b) a utilização de chaves tipo faca nos circuitos elétricos; e

c) a existência de partes energizadas expostas de circuitos que utilizam energia elétrica.

Por partes:

Em a) – Se existe uma chave geral, quando a máquina possui vários circuitos ou equipamentos associados, a “chave geral” está na instalação e não na máquina. Mas já que o item é radical (é proibido e pronto!), presume-se que haja alguma razão que imponha a impossibilidade de se energizar mediante um dispositivo geral (interruptor, disjuntor, contatos) que atue no suprimento de todos os circuitos que compõem a máquina. O termo chave geral não é claro e a exigência não se justifica. Onde está o problema em se realizar um comando de partida ou de parada? Razões operacionais podem exigir que dois ou mais dispositivos sejam energizados simultaneamente!

Em b) – O que é que impede a existência de uma chave tipo faca em um circuito elétrico, se ela é o único dispositivo elétrico de manobra que permite a verificação visual do estado de um circuito aberto ou fechado? Tanto que à montante de um disjuntor fixo em média ou alta tensão é obrigatória a instalação de uma chave seccionadora, por razões de segurança (em certos casos também à jusante do disjuntor), e de repente a norma de proteção de máquinas (mecânica) arbitra que a chave seccionadora (elétrica) é proibida.

Em c) –                 Pilhas possuem partes energizadas. Baterias têm partes energizadas, telefones têm partes energizadas, circuitos de instrumentação têm partes energizadas e não se constituem em risco de choque. Porque são proibidos pela norma de máquinas?

12.22. As baterias devem atender aos seguintes requisitos mínimos de segurança:

a) localização de modo que sua manutenção e troca possam ser realizadas facilmente a partir do solo ou de uma plataforma de apoio;

b) constituição e fixação de forma a não haver deslocamento acidental; e

c) proteção do terminal positivo, a fim de prevenir contato acidental e curto-circuito.

Existem baterias de aparelhos celulares, de rádios, de alarmes, de caminhões, de tratores e de submarinos, com pesos desde alguns gramas até centenas de quilos. Mas a letra descuidada da norma regulamentadora as juntou todas no mesmo item! Quem argumentará, com bom senso e sob a força da Lei, que esta bateria pode ou não pode?

E o que se dirá do item c) para os sistemas de corrente contínua que têm o terminal positivo aterrado (e não são poucos)?

Acredito que temos quantidade suficiente de assunto para reflexão e propostas de adequação antes que se criem situações delicadas, dispendiosas e desagradáveis na tentativa de atender a um texto em lugar de atender a uma necessidade de segurança.

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