Financiamentos para eficiência energética devem ser levados a sério

Edição 70 / Novembro de 2011
Por José Starosta

O Balanço Energético Nacional (BEN) de 2010 elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) do Ministério de Minas e Energia aponta para uma projeção de energia economizada (ou ganhos na eficiência) em 2013 da ordem de 8,7 TWh e em 2018 de 21,1 MWh (Figura 1).

Trata-se de uma grande responsabilidade atribuída à sociedade (e ao próprio governo), que é convocada para ajudar a limpar a matriz energética brasileira, por conta de ações de Eficiência Energética (EE).

No Balanço Energético Nacional do ano seguinte (2011), o tema é apresentado, convidando o leitor/analista a uma percepção (no anexo IV do documento) das práticas que contribuíram para melhorias dos rendimentos dos processos, conforme a Figura 2 .

Figura 1 – Projeção da energia conservada. Fonte: BEN 2010.

 

 

Figura 2 – Avaliação temporal 1984-2004 da energia economizada e não recuperável relacionada à energia útil. Fonte: BEN 2011 – Anexo IV.

O que se pode observar na Figura 2 é a redução paulatina dos potenciais de eficiência energética, por conta de melhor eficiência dos processos ao longo do tempo. O Anexo IV do documento utilizado como referência apresenta detalhes bem interessantes desta avaliação. A mensagem é bastante clara: existem potenciais de eficiência energética que devem ser perseguidos não só por redução de custos operacionais de quem os pratica; não só pela vinculação de eficiência energética às ações sustentáveis; não só para se evitar a construção de novas usinas e impactos ambientais; não só para aumentar a confiabilidade do sistema elétrico; não só para aumentar a eficiência das empresas brasileiras; não só para reduzir os custos operacionais dos governos, que são os principais perdulários em se tratando de consumo de energia em prédios públicos (maioria com características de prédios comerciais), enfim; não só para deixarmos de sermos estúpidos, mas sim para uma ação conjunta eficaz em que todas as variáveis acima seriam consideradas, cada qual guardando seus aspectos e potencialidades.

Por conta deste movimento e necessidade de avançar no tema, o próprio Ministério de Minas e Energia tem também trabalhado no desenvolvimento do Plano Nacional de Eficiência Energética (PNEF) nos últimos anos, reunindo representantes de diversas áreas da sociedade na elaboração deste plano. Diversas ideias, sugestões e recomendações lá estão apontadas: algumas muito boas e outras que o setor de eficiência energética persegue já há alguns anos, com sucesso aquém das expectativas.

Não há duvidas de que bons projetos e práticas de eficiência energética substituem com vantagens novas fontes de energia (mesmo que renováveis). Estes projetos, que podem ser considerados como “fontes virtuais de energia”, quando bem implantados, são bem mais atraentes que os de novas usinas, sob o ponto de vista de custo de implantação, aspectos ambientais e outras vantagens, como aquelas trazidas por projetos de eficiência energética em grandes centros de consumo, com redução imediata da energia distribuída e alívio dos sistemas, muitas vezes sobrecarregados e sem margem de contingência.

Um dos pontos curiosos desta história é que os financiamentos de novas usinas (fontes de energia) pelo BNDES apresentam valores significativamente superiores àqueles de projetos voltados para eficiência energética.

Entre 2003 e 2010 o BNDES financiou valores próximos a R$ 45 bilhões em novas usinas, outros quase R$ 18 bilhões em projetos de transmissão e distribuição e parcos R$ 10 milhões em projetos de eficiência energética, na linha desenvolvida anos atrás para este fim (Proesco).

A humilhante diferença destes investimentos tem uma clara e simples explicação: projetos de eficiência energética possuem valores bem inferiores àqueles de geração e distribuição.  E o modelo adotado privilegia projetos grandes, de centenas de milhões, pois o processo administrativo para um financiamento de R$ 100 milhões é praticamente o mesmo de um de R$ 100 mil, segundo os técnicos do BNDES.

O cartão BNDES parece ser um bom instrumento para projetos de EE e talvez possamos avançar neste caminho. Ainda temos esperança de um Proesco com a facilidade dos outros projetos bem sucedidos e automáticos do próprio BNDES.

Outro vetor muito interessante para financiamentos de projetos de EE foi criado há mais de uma década é o Programa de Eficiência Energética (PEE) da Aneel – ou programa de EE das concessionárias. Esse programa prevê o investimento em projetos de eficiência energética pelas concessionárias de energia (normalmente em instalações de seus consumidores), em valores da ordem de 0,5% da sua receita operacional líquida. Com modelo de concepção inteligente, o programa previa que os resultados obtidos pelas concessionárias fossem revertidos na redução de tarifas de todos os consumidores e, por fim, um retorno à sociedade.

O programa passou por diversas fases, com um início bastante promissor e apresentava boa relação de custo/benefício. Aliás, um dos pilares do projeto considerava o atendimento aos indicadores de RCB (Relação de Custo/Benefício) em determinados limites.

Lamentavelmente, este foi mais um programa de governo que assumiu um viés político, com favorecimento a um determinado segmento de mercado. A partir de 2010, a regulamentação definiu a obrigatoriedade de investimento mínimo de 60% do valor total para projetos voltados para a chamada baixa renda. O que na prática ocorreu é que valores da ordem de R$ 300 milhões anuais foram destinados ao fornecimento e distribuição de lâmpadas fluorescentes compactas (fator de potência menor que 55% e distorção harmônica de corrente maior que 80%) e geladeiras para a população-alvo, população esta que deveria fazer parte de determinados programas sociais e (claro) possuir (ou passar a possuir) um medidor de energia elétrica.

 

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sar de as geladeiras antigas e removidas serem sucateadas, não há impedimento de mercado paralelo das geladeiras novas e principalmente quando as lâmpadas “econômicas” queimarem, se outras incandescentes não voltarão ao lugar de origem.  Umas das questões clássicas de projetos de eficiência energética é a abordagem da perenidade, isto é, os investimentos realizados devem assegurar que o “status” anterior deve ser não retornável.

A Tabela 1, de elaboração da própria Aneel, aponta para os resultados dos programas na primeira e na segunda fases. Nota-se que os resultados da segunda fase são quase três vezes piores que os da primeira fase, ficando evidente que investimentos em processos eficientes, sistemas eficientes de ar comprimido, de ar condicionado, de iluminação, de automação e outros são superiores aos projetos chamados de baixa renda.

Observamos nos projetos de eficiência energética das concessionárias, aplicados em projetos de baixa renda, prefeitos das regiões atendidas pelo programa que, apesar de nem saberem ao certo a diferença entre 1 kW e 1 kWh, “entregarem” geladeiras aos seus cidadãos, como “mérito” de sua gestão. Uma atitude reprovável que mais cheira ao conhecido personagem “Odorico Paraguaçu” do que a ações e decisões responsáveis.

A boa (e recente) notícia nos dá conta que a Aneel vem estudando e propondo novas mudanças no programa com foco nas indústrias, que são os principais consumidores de energia e onde se encontram os principais potenciais de eficientização. Quem sabe se os indicadores apontados na Tabela 1 não poderão ser recuperados?

Observe-se ainda, no gráfico da Figura 3, quais são os tipos de projetos mais rentáveis. As ações voltadas para a indústria (aquecimento, ar comprimido, força motriz e iluminação) possuem boas possibilidades de que o projeto possuirá RCB <0,8 (Relação Custo/Benefício;, portanto, quanto menor, melhor). Observe os projetos de refrigeração, dos quais menos de 30% possuem RCB < 0,8.

 

Figura 3 – Avaliação de RCB por especialidade – Programa Aneel. Fonte: Aneel.

Os bancos comerciais já possuem discursos de projetos de ações sustentáveis, incluindo disponibilização para projetos de eficiência energética. Contudo, as taxas e as condições estão bastante além dos números que se necessitam. Por outro lado, os bancos comerciais precisam de melhor mitigação dos riscos da operação.

Fato positivo são as ações desenvolvidas pela Agência de Fomento do Estado de São Paulo (sucessora da Nossa Caixa), que possui taxa e outros aspectos de financiamento bem interessantes e modelos de financiamento que poderão levar bons projetos em frente.

Outro ponto de discussão antiga é a formação de um Fundo Garantidor para Projetos de Eficiência Energética, autossustentado pelos resultados dos projetos, ou mesmo operando como garantia de outros empréstimos. Mas falta vontade e talvez ambiente propício para arregaçar as mangas e fazer a coisa funcionar. Talvez não falte exatamente vontade, mas sim, atratividade sob o ponto de vista ortodoxo, de aspectos de financiamento, garantias e riscos.

Recentemente, a CEPAL (órgão ligado às Nações Unidas) promoveu em Santo Domingos uma discussão política de financiamentos para projetos de eficiência energética para os países da América Latina e Caribe. Diversos países estiveram representados (pelos deputados e senadores do “Parlatino” ligados ao tema, bem como funcionários dos ministérios daqueles países). O Brasil não encaminhou representantes oficiais.

Projetos de eficiência energética merecem, pela sua importância e ações voltadas para o desenvolvimento sustentável, sobretudo coragem dos gestores envolvidos, quebrando paradigmas de modelos ultrapassados e que já mostraram não funcionar. A ABESCO e as empresas que a associação congrega estão prontas para o desafio.

Sempre citamos as outras variáveis envolvidas e que “caminham” juntas a estes investimentos, que são economias de processo, aumento de confiabilidade e qualidade de energia, economia de água e, finalmente, importantes reduções de custos operacionais.

Os acidentes que temos acompanhado no Golfo do México, no Sudeste do Brasil ou em Fukushima não teriam relação com a voracidade da extração dos combustíveis ou da própria geração de energia?

Vamos refletir e tomar nossas decisões. E que tenhamos luz e inspiração para fazê-lo.

Revisão e colaboração: equipe técnica e diretoria da Abesco.

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